domingo, fevereiro 26, 2017

Miklos Fehér... a dor de sua mãe.

Imagem: Autor Desconhecido


REPORTAGEM EMOTIVA COM A MÃE DE FEHÉR: «A VIDA FOI CRUEL CONOSCO»

Anikó Fehér quebra o silêncio de 13 longos anos numa conversa com Record, onde fala do vazio que o filho deixou

Por Rita Kamocsai para o Jornal Record de Portugal

*O texto foi mantido no original.

"A nossa vida mudou totalmente naquela noite terrível. Sempre que alguém refere o nome dele, lembramo-nos, vemos a imagem dele, ficamos com um nó na garganta, uma dor terrível percorre o nosso coração e os nossos olhos enchem-se imediatamente de lágrimas", começa Anikó, a mãe de Miklós Fehér, antigo jogador do Benfica e da seleção húngara que morreu aos 24 anos.

Ela nunca falou aos jornalistas depois da tragédia ocorrida há 13 anos.

Até agora, tinha sido o pai, também Miklós Fehér e também antigo jogador, a quem tinha cabido essa missão.

Talvez todos os adeptos do Benfica, e não só, ainda se lembrem do último sorriso de Miklós Fehér no Estádio D. Afonso Henriques, em Guimarães, antes de cair no relvado, naquela noite chuvosa de 25 de janeiro de 2004.

Mas a memória dele foi-se desvanecendo em Gyor e em Lisboa também.

A dor que ficou no coração da família, essa, nunca passou.

"Os nossos dias, os nossos anos, são os mesmos: acordamos e fazemos as nossas rotinas. Sei que facilmente poderíamos enlouquecer desta maneira, mas também há a Orsi, a nossa filha, e protegemo-la com todo o nosso amor, ajudamo-la, é a única coisa que nos faz continuar", prossegue a mãe, que teve de interromper várias vezes a entrevista para limpar as lágrimas dos olhos e acalmar o coração.

A família esteve em Lisboa várias vezes nos últimos anos.

Ficam simplesmente em frente à estátua do filho no Estádio da Luz, sentem-se quebrados e perguntam "Porquê?".

Ninguém sabe a resposta.

Os pais vão viajar para Lisboa para assistir ao jogo entre Portugal e Hungria no Estádio da Luz, antiga casa de Miklós.

"Ainda não sei como faremos. Vai ser no estádio do Benfica e sentimos que devemos algo aos portugueses e ao Benfica, porque recebemos muito amor e força da parte deles. Devemos-lhes muito. Acompanhamos os jogos do Benfica e torcemos por eles. A Orsi vai muitas vezes a Lisboa também, por causa do trabalho dela. É modelo de biquínis e tira fotos lindíssimas junto ao mar. Muitas vezes ela e um amigo vão levar flores novas ao Miki… O nosso filho causou-nos muita dor, mas também nos deu um bom amigo. Chama-se Rui Sousa, um empresário português, bem como a sua família. O Miki amava-os muito e ainda somos bons amigos. Estivemos no jogo entre Portugal e Hungria em Marselha durante o Euro’2016", conta.

Miki em toda a parte

A família abriu um museu em Gyor, onde vive, no ano da morte do futebolista.

Tinha objetos de Miklós Fehér, como por exemplo camisolas da sua infância e as muitas medalhas conquistadas na carreira.

Mas já fechou.

No aniversário da sua morte, houve uma exposição no seu primeiro estádio, ETO Park.

Depois, os familiares quiseram dar tudo ao Museu do ETO, mas o espaço nunca abriu e guardam tudo em casa.

"Guardei tudo sobre ele: recortes de jornais, camisolas dele, camisolas que recebeu em troca, os troféus, as medalhas e ainda guardo as camisolas que usou em criança. Bolas, artigos pessoais, fotografias dos amigos; fotos e vídeos a jogar pela seleção, Benfica, FC Porto, Salgueiros e Sp. Braga; golos, cachecóis dos clubes. Como eu disse, tudo. Temos três quartos cheios", revelou Anikó.

Além disso, os pais conseguem ver a cara do filho em ‘casa’, em Gyor, nas paredes da academia de futebol que tem o seu nome, Miklós Fehér.

Aberta em 2007, serve de casa a jovens futebolistas que vêm de longe.

O objetivo da ETO FC Gyor foi dar oportunidade a talentos, pelo que o clube fica também encarregue da sua educação, tendo criado uma escola secundária em 2008.

Foi a primeira academia de futebol na Hungria e é tão completa que ganhou o prémio de melhor academia de elite do país em 2011.

Para o pai, há um misto de sentimentos sempre que passa junto ao local.

"Dói muito, claro, mas também estou orgulhoso porque vejo tudo o que o meu filho fez em tão pouco tempo e que até tem uma academia de futebol com o nome dele. Não há muitas pessoas que tenham deixado este legado com apenas 24 anos", refere.

Assim acabou a nossa conversa.

Anikó pediu desculpa, mas não conseguiu falar mais sobre memórias que lhe são tão dolorosas. Dissemos adeus.

"Para um pai ou mãe, não há nada pior do que perder um filho que se ama tanto. A vida foi muito cruel conosco. O tempo não cura tudo, mas ensina-nos a viver com a dor. O sorriso dele ficou para sempre no meu coração", diz, ao terminar.

Uma frase ficou gravada nas paredes da academia

Ádám Nagy, atual capitão do ETO FC Gyor (não confundir com o outro Ádám Nagy, médio do Bolonha que esteve na mira do Benfica), é outra das pessoas marcadas pela vida e pela morte de Miklós Fehér.

Tudo porque foi um dos produtos da academia com o nome do futebolista.

"Foi uma honra para mim. Tive a oportunidade de aprender naquela academia, que recebeu o nome de uma lenda. Ele era um exemplo para todos nós que frequentámos o local, pois começou a carreira no ETO e vimos bem tudo o que conquistou", explica.

A academia foi aberta pela Fundação do Futuro, gerida pelo clube. 

Na escola secundária, há lugar para 300 alunos. 

Têm horários especiais, que incluem treino de futebol e aulas. 

É da forma que os jovens aprendem de tudo, como qualquer outro estudante, e têm tempo para jogar futebol.

"Estou muito orgulhoso por ter aprendido a jogar futebol nesta academia", diz Nagy.

Sobre Fehér, a primeira coisa que lhe vem à cabeça é "uma entrevista depois de um jogo".

"Ele disse ‘O futebol ensinou-me a ganhar, mas também a perder. Ensinou-me que a alegria suplanta a tristeza, que o golo é a alegria total e a cura para todas as oportunidades desperdiçadas", conta. Uma frase que se pode ler nas paredes da academia.

"Vivíamos em frente um do outro quando éramos crianças, em Gyor. Nós vivíamos no número 5, eles viviam no número 6. Jogávamos futebol juntos de manhã à noite, íamos juntos para os treinos e continuávamos a jogar pela noite dentro. Começámos a jogar no ETO em 1988 e subimos os escalões juntos até o Miki deixar a Hungria, em 1998", recorda Péter Stark, antigo futebolista do ETO e da seleção húngara, o melhor amigo de Miklós Fehér.

Jogaram juntos na seleção olímpica, mas na principal acabaram por nunca se cruzar: a primeira convocatória de Stark aconteceu no ano em que Miki morreu.


O antigo defesa, atualmente com 38 anos, é agora treinador da equipa de sub-13 do ETO Gyor, na tal academia que ficou com o nome do melhor amigo.

É lá que jogam os seus dois filhos.

E, no ano passado, instituiu o prémio Miklós Fehér, que pretende atribuir ao melhor jogador da sua equipa em cada ano.

"O Miki merece muito esta homenagem, ele era um verdadeiro desportista. É terrível que não esteja conosco. A sua morte foi uma tragédia incompreensível, principalmente para os pais dele. Eu falo muito dele e de outras lendas do ETO aos meus jogadores e levo antigos jogadores ao balneário. E organizo todas as nossas festas no restaurante dos pais de Miki, em Gyor-Szabadhegy. No ano passado, em dezembro, dei pela primeira vez o prémio Miklós Fehér ao melhor jogador da minha equipa. Ele ficou com algumas recordações do Benfica que estavam com os pais de Miki", explica o treinador.

Péter Stark nunca esteve em Portugal.

Enquanto jogador, acabou sempre por perder a oportunidade de visitar o país ao serviço da seleção húngara, fosse por lesão ou por estar suspenso devido a acumulação de cartões amarelos.

E a verdade é que não tem vontade, pois duvida que consiga encarar o busto de homenagem a Fehér, na porta 18 do Estádio da Luz.

"Acho que é melhor ficar assim. Sinto que a minha alma não tem força suficiente para estar em frente ao Miki", termina Stark.

Túmulo foi vandalizado

As memórias são fortes, mas não são respeitadas por todos.

O túmulo de Fehér, no cemitério de Gyor, foi vandalizado e roubado há cerca de quatro anos.

Desapareceram três figuras, mas a polícia não conseguiu encontrar os responsáveis.

Miklós foi sepultado com a sua camisola do Benfica, com cachecóis dos colegas de equipa, um pedaço de relva do Estádio D. Afonso Henriques, onde jogou pela última vez a 25 de janeiro de 2004, além de outras memórias.

Os ladrões tentaram partir o vidro e, como não conseguiram, acabaram por destruir também o mármore.

Mas esta não foi a primeira vez que alguém tentou roubar o túmulo: no ano da morte de Miklós Fehér, um cachecol do Benfica desapareceu do local.

Muitas pessoas visitam Gyor-Szabadhegy apenas para ver o local onde descansa o futebolista.

São outros jogadores, adeptos e simples turistas que ouviram falar sobre a sua carreira e destino trágico.

Há poucos meses, em outubro, Romeu, adjunto de Rui Jorge na Seleção Nacional de sub-21, aproveitou um jogo diante da Hungria em Gyor-Gyirmót para passar pelo local.

O antigo avançado foi colega de Fehér no FC Porto.

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