quarta-feira, setembro 19, 2018

Porque eu saí do futebol (e hoje agradeço)...

Imagem: LinkedIn



Porque eu saí do futebol (e hoje agradeço)

Por Mayra Siqueira

"Só você, ouvinte do Futebol CBN, vai ouvir agora todos os detalhes desta transmissão mais que especial, com todas as informações trazidas pela nossa super equipe! Quais os destaques do Corinthians, Mayra Siqueira?!"

Houve um momento que eu parei de contar, mas ouso dizer que bati pelo menos 400 transmissões de jogos nos meus sete anos de rádio.

Ou seja: mais de 400 vezes eu participei de uma introdução de jornada esportiva como essa.

O frio na barriga em cada transmissão, a mão no microfone e a voz firme e decidida para passar a informação solicitada - fosse ela certa ou em estágio ainda de apuração.

Foram anos “mágicos” e momentos incríveis, sonhados por tanta gente.

Teve a TV, o falar ao vivo para milhares (batemos milhões, será?) de pessoas.

Preconceitos quebrados, nome consolidado e imagem trabalhada com muito esmero, esforço e barreiras superadas.

“Você não se arrepende de ter deixado o jornalismo esportivo?”

“Quando você vai voltar pro esporte?”

“Você faz falta”

Cada vez que ouço isso, sinto menos embaraço em responder que: não, não devo voltar.

Aprendi a nunca dizer nunca, e nem pretendo mudar isso.

Nossa vida, felizmente, é muito dinâmica.

Mas... hoje?

Não existe esse desejo.

Respondo com um meio-sorriso e sigo o baile.

Sou grata.

Extremamente grata.

Mas não mais completa.

Eu não saí do jornalismo esportivo necessariamente porque buscava isso, mas sair do que eu hoje eu vejo como uma “bolha” fez minha visão de abrir para um plano macro.

Como naqueles cartoons que a alma se descola do corpo e consegue ter uma visão da cena de plano inteiro.

Quase como dar um Ctrl- no seu teclado e olhar todas as informações ali contidas, como um “todo”.

Eu não quero, tão cedo, voltar para uma profissão que não se conhece mais.

Não me entendam mal: acho o trabalho jornalístico fundamental, e acho importantíssimo que uma análise profissional faça parte dos relatos de esportes que provocam tanta paixão.

Mas acho que a mão na consciência tem que passar por essa área também.

Jogador que fala o que quer para aproveitar o assédio da mídia e aparecer.

Técnico que bate na mesa e/ou ironiza e menospreza repórter.

Jogador e técnico amiguinhos de jornalistas em relação promíscua com a veracidade da informação.

Futebol de bebidas, mulheres, drogas e tudo aquilo que costuma acompanhar dinheiro (que acompanha os futebolistas, é claro).

Jovens sem instrução, vítimas de empresários exageradamente instruídos em malícia, vítimas do excesso de dinheiro sem preparo algum, vítimas da fama rápida (invariavelmente promovida pela imprensa).

“Fulanilson estreia com dois gols pelo [insira-seu-time-grande-de-série-A-no-Brasil]!”

Pronto, no dia seguinte tem três TVs na casa dele, fazendo uma “exclusiva”, repercutindo para os sites respectivos.

Fulanilson já não sabe onde buscar a humildade que foi ensinado a repetir e buscar, mas que passa longe da sua experiência nos vestiários.

Lá ele vê seu colega, o Sicranilson, já rasgando na “resenha” e falando de tudo o que ele conseguiu fazer naquela última viagem do time com todos os seus milhares de reais mensais que não serão guardados e que, ao fim de sua carreira, esgotar-se-ão mais rápido que água pelo ralo, deixando-o falido e buscando viver do nome que tentou construir.

Exagero?

Talvez.

Sei que há muito mais que isso, e coisas muito boas!

Porém não consigo continuar essa frase sem uma designativa de oposição.

“Mas”, “porém”, “no entanto," "contudo"...

O mundo do futebol se tornou algo que me provoca mais ojeriza do que diversão.

O mundo do jornalismo esportivo, com seus machos que não enxergam seu próprio preconceito e empregadores que não pretendem dar reconhecimento ao bem mais precioso que têm - suas pessoas: me provoca ranço.

O jornalismo esportivo não entendeu que precisará se reinventar para sobreviver.

É a anti-miopia de que, quanto mais me afasto, melhor consigo ver: essa fórmula se esgotou.

O futebol brasileiro e sua gigantesca bolha, também.

Do blog: 

Um texto que deve ser lido por todos os jornalistas esportivos, principalmente os jovens que desembarcam na profissão...

A reflexão posterior é fundamental.

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