Imagem: Trivela
O Telegraph, publicou uma
excelente entrevista com José Mourinho, técnico do Chelsea...
Li, gostei e repasso.
Mourinho abre o jogo sobre
assuntos do futebol quase nunca tratados em suas entrevistas coletivas...
Vai além, fala sobre outros temas:
de religião a família, do antigo trabalho como professor a voluntariado, do
protecionismo aos jogadores ao individualismo crescente no futebol...
Deixa evidente que ele é...
E desconstrói a imagem do sujeito
competitivo que sempre quer se dar bem.
Abaixo os melhores trechos:
- Como educar crianças especiais o ajudou a ser técnico
“Um grande desafio que eu tinha
era dar aula para crianças com necessidades especiais. Eu não era tecnicamente
pronto para ajudar esses garotos. E eu tive sucesso apenas por causa de uma
coisa, a relação emocional que eu estabeleci com eles. Eu realizei pequenos
milagres apenas por causa da relação. Afeição, proximidade, empatia – somente
por causa disso. Havia um garoto que recusava sempre subir as escadas. Outro
que não podia coordenar o movimento mais simples. Todos esses diferentes
problemas, e tivemos sucesso em vários, vários casos baseados apenas na
empatia”.
- A importância de se criar um bom ambiente em equipe
“Depois das crianças especiais,
comecei a treinar garotos de 16 anos. Agora, treino os melhores jogadores do
mundo, e a coisa mais importante não é se você está preparado do ponto de vista
técnico. O mais importante é a relação que você estabelece com a pessoa.
Logicamente, você precisa de conhecimento, de capacidade para analisar as
coisas. Mas o centro de tudo é o relacionamento e a empatia, não apenas
individualmente, mas no time. E para criar essa empatia em equipe, todos nós
precisamos abrir mão de algo. Não é sobre estabelecer a relação perfeita entre
você e eu, mas em grupo, porque o grupo vence títulos. Não são as
individualidades que vencem as coisas”.
- A extinção da Bola de Ouro e a individualização do futebol
“Antes, os jogadores esperavam
ser ricos quando se aposentassem. Agora, eles querem ser ricos antes de fazer o
primeiro jogo! Mas eu penso que Wenger disse algo sobre isso que é
interessante. Ele é contra a Bola de Ouro, e acho que ele está certo, porque
nesse momento o futebol está perdendo um pouco o conceito de time para focar
mais no individual. Nós estamos sempre olhando para as atuações individuais, as
estatísticas individuais, o jogador que corre mais. Porque você correu 11 km em
um jogo e eu, nove, você fez um trabalho melhor do que o meu? Talvez não!
Talvez os meus nove sejam mais importantes”.
- O time é muito mais importante que o craque
“Para mim, o futebol é coletivo.
O individual é bem-vindo se você quer fazer o seu grupo melhor. Mas você
precisa trabalhar para nós, não somos nós que temos que trabalhar para você.
Quando um grande jogador chega, o time já existe. Não é ele que vem descobrir o
time, como um Colombo descobrindo a América. Não, não, você está vindo nos
ajudar a sermos melhores. E, como técnico, você tem que dar essa mensagem todos
os dias – não com leitura ou palavras. É sobre o que os jogadores observam em
relação ao seu comportamento e a sua reação aos jogadores”.
- A falta de preparação das promessas da base
“Lembre-se, eles são o produto
final de algo. Eu tive um jogador, que não direi o nome, ao qual dei uma chance
no primeiro time. Semanas depois que ele jogou, o pai e a mãe deixaram o
emprego, passaram a viver com ele, viver a vida dele, tomar as decisões por
ele. É muito difícil. É um exemplo em milhares. Eles precisam ter sorte com os
pais e com os empresários. Eles precisam de educação. Quando eu realmente tive
dinheiro em minhas mãos, estava em meu segundo contrato com o Porto, tinha 30 e
poucos anos, era casado, estava pronto para isso. Esses garotos, eles não têm
20 anos. Não sabem como reagir, o que fazer. No Chelsea, temos um departamento
fantástico que chamamos de Bem-Estar e Apoio aos Jogadores. Eles ajudam os
atletas em tudo: a investir dinheiro, comprar uma casa, ter um carro. É um
mundo complicado. É meu dever assumir uma figura de pai”.
- Sobre a participação em programas de combate à fome
“Visitar a Costa do Marfim foi
uma experiência fantástica para mim, que compartilhei com minha mulher e meus
filhos. Nós conhecemos sobre a pobreza, mas ter contato com essa experiência
foi realmente incrível – negativamente e positivamente. É difícil lidar com
isso, mas, ao mesmo tempo, há um enorme orgulho de estar conectado com esta
luta, promover este trabalho. Mas minha esposa e eu temos o princípio que
fazemos isso não para as pessoas saberem ou para nos promover. Fazemos isso
porque podemos, queremos que nossos filhos entendam o quão privilegiados nós
somos e que as outras pessoas precisam de ajuda”.
- A religiosidade de Mourinho
“Eu acredito em Deus totalmente,
claramente. Rezo todos os dias. Converso com Ele todos os dias. Eu não vou à
igreja diariamente, nem mesmo todas as semanas. Eu vou quando sinto que preciso
ir. E, quando estou em Portugal, sempre vou. Rezo pela minha família. Pelos
meus filhos, minha mulher, meus pais. Pela felicidade e por uma boa vida. Mas
eu posso dizer que realmente eu nunca vou à igreja conversar com Deus sobre futebol.
Nunca!”.
- O distanciamento entra a vida pessoal e a profissional
“Eu penso que sou uma boa pessoa.
Tento ser. E penso que sou. Eu não tenho problemas com a família ou com os
amigos. Eu tento apoiar as pessoas que eu nem mesmo conheço. Eu cometo erros?
Sim. Minha área profissional não é só competitiva, também é emocional e empurra
as pessoas a certo tipo de comportamento. Mas a vida profissional é somente uma
parte da pessoa. Uma pessoa é muito mais do que isso. Nunca discuto futebol com
minha mulher, não é o mundo dela. Estar no clube é algo que eu gosto, que eu
aprecio. Esse é basicamente o único conselho dela, porque quando isso acontece
a vida em casa melhora para todos. Mas é difícil. Mesmo se eu separar as
coisas, algumas vezes eles não podem. Quando eu perco algum jogo importante,
tento ir para casa sorridente, porque amanhã é um novo dia e é só um jogo de
futebol. Mas, quando chego, eles estão com uma cara ruim, tristes por mim!”.
- A exaltação excessiva dos jogadores de futebol
“Eu sou apaixonado por futebol,
logicamente. Mas para nós, profissionais, se ele significa tudo, estamos com
problemas. E o mesmo para os torcedores. Em Portugal, eles dizem que você pode
trocar tudo, menos sua mãe e o seu clube. Eu entendo, porque o futebol tem
poder social, político e cultural. Mas como você pode colocar um jogador na
lista de 100 pessoas mais influentes do mundo da Forbes? É um absurdo! Eles não
salvam vidas! Eu sei que as pessoas podem pular do quinto andar por causa de
uma derrota, mas essa pessoa tem problemas. Como você pode comparar um jogador
ou um técnico a um cientista, a um doutor? Você não pode comparar”.
- A evolução de Mourinho com o tempo
“Eu penso que eu tenho um
problema, no qual estou ficando melhor no meu trabalho em tudo desde que
comecei. Há uma evolução em diferentes áreas: a forma como eu leio o jogo; a
maneira como eu preparo o jogo; o jeito como eu treino; a metodologia… Eu me
sinto melhor e melhor. Mas há um ponto no qual eu não posso mudar: quando eu
encaro a imprensa, eu nunca sou um hipócrita”.
- O papel do técnico dentro do clube
“O técnico não é a pessoa mais
importante no clube, claro que não é. Eu sigo dizendo que a pessoa mais
importante no clube é o torcedor, depois o presidente, em seguida os jogadores
e então eu apareço. Mas é para o técnico que todos olham. Os jogadores te veem,
te analisam, querem saber a sua reação e sentir a sua estabilidade. As pessoas
que trabalham no clube também estão te observando, mesmo os torcedores. Se você
supera uma grande derrota, se segue com os pés no chão após uma grande vitória.
E eu penso que sou bom em controlar essas situações e em tentar manter as
pessoas em equilíbrio sobre visões negativas e positivas”.
- Mourinho é maquiavélico?
“Eu não me vejo assim. Sim, eu
conheço Maquiavel, logicamente. Eu concordo que algumas vezes eu posso ter algo
de Maquiavel nos meus comentários, mas não mais do que isso. Não em tudo o que
faço”.
Caso você domine o inglês, pode
ler na íntegra, seguindo o link abaixo: