Parem as Olimpíadas
Se alguém que estiver lendo esta
coluna ainda acreditar no ideal olímpico, por favor me telefone: tenho um
estádio no Rio de Janeiro que quero vender
Charles Lame
Washington Post
20 maio 2016
Há muito desacreditados pela
corrupção e nacionalismo que se propunham a superar, os Jogos Olímpicos estão
afogados numa onda de escândalos que se tornou embaraçosa até para os
lamentáveis padrões desse “movimento” hipócrita.
Difícil dizer o que é mais ultrajante:
se as fortes acusações de um esquema de doping clandestino patrocinado pela
anfitriã da Olimpíada de Inverno de 2014, a Rússia, ou o fato de o Comitê
Olímpico Internacional (COI) ter confiado o evento a um regime despótico
dirigido por um ex-agente da KGB faminto de glória.
Enquanto isso, a integridade dos
Jogos Olímpicos de 2008 em Pequim – outro exemplo de ditadura – sofria um golpe
retrospectivo com a descoberta de um caso de doping que teria envolvido 31
atletas de 12 países.
Descobertas semelhantes podem lançar sombras sobre os
Jogos de Londres de 2012.
Promotores franceses investigam
acusações de que a decisão do COI de levar a Tóquio a Olimpíada de 2020 foi
“engraxada”, como muitos Jogos anteriores.
No Brasil, onde os Jogos
Olímpicos de 2016 estão previstos para começar em 5 de agosto, polícia e
promotores encontraram evidências de que as obras de infraestrutura para a
competição viraram fonte de suborno e propina.
Estão potencialmente envolvidos
alguns dos políticos implicados no esquema de corrupção mais amplo que
desestabilizou o governo brasileiro justamente quando este deveria estar
dedicando atenção total à segurança e eficiência dos Jogos.
Em resposta,
dirigentes do COI esbravejaram e ameaçaram punir os culpados – como fizeram um
milhão de vezes anteriormente.
Reformas foram prometidas – com tanta chance de
serem promovidas outras anunciadas no passado.
A verdade é que tudo isso
incentiva o mau comportamento.
Participantes dos Jogos, em todos os níveis, são
bombardeados com incentivos, financeiros e políticos, para trapacear ou tentar
trapacear – usando doping, fraudando a escolha do local dos Jogos ou usurpando
verbas governamentais (que as nações anfitriãs gastam feito água em busca de
efêmeros estímulos econômicos).
E não vamos nem começar a falar em juízes e
árbitros...
Virou piada o elevado ideal
expresso pelo fundador dos Jogos Olímpicos modernos, o francês Pierre de
Coubertin: “O importante na Olimpíada não é vencer, mas participar, pois o
essencial na vida não é conquistar e sim competir com lealdade”.
Em vista dos registros
históricos, que incluem os odiosos Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, dos quais
o anfitrião foi Adolf Hitler, também os princípios da Carta Olímpica foram
esvaziados: “O objetivo do Olimpismo é pôr o esporte a serviço do
desenvolvimento harmonioso da humanidade, com vistas a promover uma sociedade
pacífica e preocupada com a preservação da dignidade humana”.
Na verdade, as Olimpíadas
repetidamente deram lugar a explosões de rivalidade internacional.
Haja vista
os boicotes alternados decididos pelos Estados Unidos e União Soviética durante
a Guerra Fria e os ataques terroristas que empanaram os Jogos de 1972 e 1996.
A ameaça de outro incidente
semelhante levou a um necessário, mas inapropriado esquema de segurança para os
Jogos Olímpicos contemporâneos, com cada país anfitrião mobilizando polícia e
Forças Armadas para patrulhar a celebração da paz e harmonia internacionais.
Governos anfitriões já usaram
preparativos para a Olimpíada como desculpa para livrar-se de incômodos
elementos locais – caso do México quando massacrou estudantes para impedir que
protestos perturbassem os Jogos Olímpicos de 1968 no país; ou da Coreia do Sul
confinando milhares de sem-teto em Seul de modo a que não prejudicassem a
imagem do país na Olimpíada de 1988.
Se os Jogos Olímpicos não
atingiram, nem podem atingir, seus elevados objetivos, então exatamente para
que servem esses exercícios quadrienais envolvendo gigantismo corporativo
governamental – senão para enriquecer empresários bem relacionados e fazer o
Estado parecer maior do que é?
Para nenhuma outra finalidade que
eu consiga ver.
Competições atléticas de alto nível, na forma de campeonatos
internacionais de cada modalidade, já existem.
Se você, como muitos, ama a saga
dos esportes, pode apreciá-los como espectador dessas competições.
Sim, elas
também são comercializadas e sujeitas a escândalos, mas pelo menos não têm
pretensões de “promover uma sociedade pacífica” ou “preservar a dignidade
humana”.
Um mundo sem Jogos Olímpicos pode
não ter aquela excitação periódica que experimentamos – mas será
consideravelmente mais honesto durante o tempo todo.
Tradução de Roberto Muniz
Fonte: Estadão