Imagem: Internet
Facção tem time de futebol campeão e opera rotas de tráfico
internacional
A equipe Manaus Compensão foi registrada pelo líder da Família do
Norte, de acordo com a Polícia Federal
El País
Em 2009 a equipe Manaus
Compensão, conhecido apenas como Compensão, sagrou-se campeão da segunda
divisão do campeonato amazonense de futebol após bater o ASA da Amazônia.
Foi a maior conquista deste time
cujo nome homenageia o bairro manauara de Compensa, e que nos anos anteriores
havia disputado o Peladão, campeonato amador da capital, no qual sagrou-se
campeão em 2006 e 2008.
Um dos cartolas do clube, no
entanto, se tornou famoso fora das páginas esportivas.
É José Roberto Fernandes Barbosa,
traficante conhecido dentro do sistema carcerário como Messi, um dos fundadores
da facção criminosa amazonense Família do Norte (FDN).
O grupo se dedica ao tráfico
internacional de drogas, e conta com cerca de 200.000 membros no país. Inimiga
declarada do paulista Primeiro Comando da Capital, a Família se aliou à organização
fluminense Comando Vermelho.
Um uniforme especial do Manaus
Compensão chegou a ser criado para prestigiar Potência Máxima, apelido de João
Pinto Carioca, outra liderança da Família do Norte.
Em uma mensagem interceptada pela
Polícia Federal, Barbosa chega a afirmar que “Compensão é o time que representa
o crime no Amazonas, representa a FDN e todos os presídios do Estado”.
No final da conversa com Eduardo
Queiroz de Araújo, vulgo Foguinho, pistoleiro da facção, Barbosa conclui
dizendo:
“E representa bonito”.
De acordo com a Polícia Federal,
a facção, criada por Barbosa e Gélson Lima Carnaúba, vulgo Mano G, tem o
domínio de praticamente todo o sistema prisional do Amazonas, e expandiu sua
influência nos últimos anos para outros Estados do Norte, como Rondônia,
Roraima e Acre.
Atualmente a Família do Norte
controla um dos mais importantes corredores de tráfico de drogas do país,
chamada de Rota Solimões, percurso entre Tabatinga (AM), na região da tríplice
fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, até a capital Manaus.
Além de ter o monopólio da
distribuição de droga no Estado, a facção também atua enviando remessas de
cocaína para a Europa, principalmente para Portugal.
Segundo interceptações
telefônicas feitas pela PF, a facção paga 1.000 dólares (cerca de 3.100 reais)
por carga de 50 kg de cocaína “de segunda” (já diluída), e 1.650 pela mesma
quantidade de pasta base.
Além disso, o grupo utilizaria 74
contas correntes, a maioria em nome de laranjas, para realizar os pagamentos no
Amazonas, Colômbia e Peru.
É de dentro dos presídios também
que os líderes do grupo criminoso teriam negociado contratações de jogadores,
treinadores e investido na estrutura para treinos da equipe do Manaus
Compensão.
O time costuma disputar suas
partidas no Estádio Francisco Garcia, conhecido como Chicão, localizado em Rio
Preto da Eva, a 78 km da capital.
O local tem capacidade para 8.000
torcedores.
Em dia de jogo, salves –
comunicados da organização criminosa – são enviados aos membros da Família do
Norte e seus familiares, cobrando presença e apoio ao time em dias de jogo.
Nas arquibancadas faixas e
bandeiras homenageando lideranças da facção são comuns.
O grupo apareceu pela primeira
vez no radar das autoridades após a apreensão, em abril de 2014, da lancha
rápida Glória de Deus III no Rio Solimões.
Em um fundo falso na embarcação a
polícia encontrou 200.000 reais escondidos dentro de aparelhos de ar
condicionado.
Posteriormente ao menos outras
cinco lanchas da facção foram apreendidas.
Meses depois um computador foi
encontrado pelas autoridades no telhado do Complexo Penitenciário Anísio Jobim,
em Manaus, durante uma revista.
Ao examinar o disco rígido a
polícia se deparou com um organograma do grupo, e descobriu que a Família do
Norte conta com um cadastro estadual de seus membros, onde consta até mesmo o
endereço de parentes.
O grupo também cobra de seus
integrantes uma “caixinha”, utilizada para o custeio das atividades criminosas
e para o pagamento de honorários a advogados de membros encarcerados.
Os familiares dos criminosos
presos também recebem um auxílio, especialmente para que possam visitar seus
parentes detidos em presídios federais localizados em outros Estados.
A arrecadação mensal do grupo com
essa contribuição chegaria a 100.000 reais por mês, mas de acordo com a PF a
intenção do grupo seria aumentar a arrecadação para 1 milhão de reais por mês.
Assim como o PCC, em São Paulo, e
o CV, no Rio, a Família do Norte também opera de dentro dos presídios um
tribunal do crime.
Sentenças são proferidas e
assassinatos autorizados de dentro das celas.
Segundo dados de homicídios
dolosos (com intenção de matar) da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas,
dos 800 crimes do tipo ocorridos na capital do Estado em 2015, ao menos 266
teriam sido motivados por acertos de contas do tráfico de drogas com autorização
da facção.
A influência do grupo se expandiu
para fora dos presídios, e a polícia acredita ter evidências de uma teia de
corrupção que envolve membros do Judiciário e da Polícia.
Uma operação da Polícia Federal
realizada no início do ano levantou indícios de que um juiz da Vara de
Execuções Penais e uma desembargadora teriam ligação com os criminosos.
Eles atuariam para conceder
habeas corpus aos integrantes da Família do Norte, além de dificultar a
vistoria nas celas por parte de policiais militares.
Quando a investigação veio a
público, mensagens de celular interceptadas pela PF mostram os criminosos
orquestrando uma petição para que o juiz não fosse afastado:
“Mano, temos que fazer alguma coisa para manter ele [o juiz]. Se ele
sair mano tudo vai ficar mais difícil para presos do fechado. Estamos pensando
em pedir para todas as cadeias fazerem um abaixo assinado para ele ficar”.
A reportagem não conseguiu entrar
em contato com os magistrados citados: a desembargadora Encarnação das Graças
Salgado e o juiz Luís Carlos Valois Coelho.
À época da operação, ela chegou a
divulgar nota dizendo que não iria se pronunciar sobre o caso.
“Gasto muito com o time”
Em uma mensagem de celular,
Barbosa, o líder da Família do Norte reclama dos gastos excessivos que tem com
o Compensão:
“Eu gasto muito com o time mano. Eu já gastei 320.000 reais”.
Segundo a PF, o traficante, que
agora está no presídio federal de Campo Grande seria um dos fundadores do
clube, e teria registrado a marca Compensão em 2002.
O líder da facção afirma que os
maiores gastos que tem com o time são com “comida, alimentação e vales” pagos
aos jogadores.
Atualmente a equipe está afastada
das divisões oficiais.
A Família do Norte também é
responsável por organizar os campeonatos internos de futebol dentro dos
presídios.
O escudo do time, chamado de
“agremiação criminosa” pela PF, estaria presente na maioria dos presídios do
Estado.
Na página do Compensão na
WikiPedia o final da equipe no futebol profissional na série B – ela ainda atua no amador – é lacônico:
“Em 2011 o clube que foi grande no amadorismo sentiu as dificuldades do
futebol profissional e resolveu não
participar do estadual”.