Imagem: Autor Desconhecido
A neblina que deixou o goleiro Sam Bartram sozinho em campo em um jogo
no Natal de 1937
Por: Felipe Lobo para o Trivela
Houve uma época que o Campeonato
Inglês jogava no dia de natal, 25 de dezembro.
Os jogos em períodos festivos são
muito tradicionais na Inglaterra, mas a tradição mais recente é de jogar no dia
26, o chamado Boxing Day.
Mas jogar no Natal também já foi
tradição na Inglaterra e algumas histórias da época são saborosas.
Uma delas envolve uma lenda do
Charlton, o goleiro Sam Bartram, um dia de muita neblina e um jogo no Natal.
Era uma época sem TV e ainda
estávamos distantes de ver a Premier League ganhar o mundo como atualmente, com
transmissão em dezenas de países.
A liga inglesa achava que o dia
25 de dezembro era um bom momento para promover jogos às multidões que tinham
pouco o que fazer e com o que se divertir e não tinham que trabalhar.
O Natal de 1937 teve uma história
curiosa.
O clima teve uma participação
crucial na história.
O Reino Unido amanheceu sob forte
neblina e muitos dos jogos programados foram suspensos por falta de condições
de visibilidade.
Mas um jogo foi mantido: o
Chelsea enfrentou o Charlton Athletic no estádio Stamford Bridge.
No primeiro tempo, os times
empatavam por 1 a 1.
A visibilidade era ruim, mas o
jogo continuou mesmo assim.
Apesar do jogo ter se desenrolado
normalmente no primeiro tempo, no segundo a neblina ficou mais forte e não se
via nada em campo.
O goleiro do Charlton, Sam
Bartram, perdia de vista seus companheiros quando seu time atacava.
Ele não conseguia ver nem sequer
os defensores.
Os jogadores reapareciam do meio
da neblina quando se aproximavam da área defendida por Bartram.
De onde estava, o goleiro não via
quase nada além da sua própria área e, claro, não via também as arquibancadas.
Naquela solidão da grande área,
Bartram não via nada acontecer por um tempo que ele sentiu ser grande.
Grande até demais.
Claro, isso era um bom sinal,
porque o seu time não estava sendo atacado.
“Os rapazes devem estar dando uma sova nesses caras”, pensou o
goleiro, segundo escreveu em sua biografia.
“Cada vez eu via menos e menos os jogadores. Tinha certeza que
dominávamos a partida, mas me parece óbvio que não havíamos feito um gol,
porque meus companheiros teriam voltado para as suas posições de defesa e eu
teria visto alguns deles. Também não escutei os gritos de comemoração”,
descreveu Bartram.
O goleiro precisava decidir o que
fazer, depois de tanto tempo sem ver absolutamente nada acontecer, nem ninguém
se aproximar.
Ele preferiu não arriscar sair do
gol.
Achava que poderia vir um
contra-ataque rápido que o surpreendesse.
Preferiu ficar embaixo das
traves, imaginando que o seu time estava atacando, e caso aparecesse um
atacante surgido do meio da neblina, ainda teria tempo de reagir e tentar
impedir o gol.
“Eu ficava me aquecendo trotando no lugar e por umas duas vezes eu
cheguei a ficar na risca da grande área para ver se conseguiria ver alguma
coisa que estava acontecendo depois da metade do campo”, contou o goleiro
na biografia.
Mas ele não sucesso.
Continuava sem ver nada.
E sem nada acontecer.
Depois de alguns minutos,
finalmente apareceu alguém no campo.
Mas não era o que o goleiro
esperava.
Caminhando, um policial surgiu na
sua vista.
“O que está fazendo aqui?”, perguntou o oficial, surpreso ao ver o
jogador ali.
“A partida foi interrompida faz 15 minutos! O estádio está
completamente vazio”.
Sem entender o que aconteceu,
Bartram desceu para os vestiários.
Encontrou seus companheiros já de
banho tomado e trocados, se matando de rir do goleiro.
Contaram a ele que não o avisaram
nada sobre a suspensão do jogo para ver quanto tempo ficaria esperando na
neblina.
Assim se deu aquele jogo, que
acabou mesmo 1 a 1.
Aquela temporada tem algumas
curiosidades.
Em 1937/38, o Manchester City
teve o melhor ataque da primeira divisão inglesa.
O time marcou 80 gols em 42 jogos
disputados.
O mais inusitado é que o time foi
rebaixado naquele ano. Isso mesmo: embora tenha sido o melhor ataque, o
Manchester City fez apenas 36 pontos, com 14 vitórias, oito empates e 20
derrotas – na época a vitória valia dois pontos.
O campeão da temporada foi o
Arsenal, com 52 pontos: 21 vitórias, 10 empates e 11 derrotas.
O Charlton do goleiro Bartram
ficou em quarto lugar na tabela.
O Chelsea terminou aquele
campeonato em 10º lugar.
Bartram é um goleiro mítico na
história do futebol inglês.
Passou toda a carreira jogando
pelo Charlton e ganhou até uma estátua na frente do estádio do clube.
Embora fosse goleiro, tinha se
acostumado a jogar na linha, que era onde atuava nos seus anos de amador.
Foi atuando no gol que um olheiro
do Charlton, irmão do técnico, o viu jogar e o contratou, quando ele tinha 20
anos.
O que se viu foi uma carreira de
22 anos com muito sucesso atuando pelo Charlton.
Ele se tornou uma figura
importante e é, até hoje, o goleiro recordista de jogos pelo clube, apesar da
interrupção por causa da guerra.
Antes da sua aposentadoria, em
1956, o Daily Mirror o descrevreu assim:
“Ele sempre faz uma defesa fácil parecer boa, uma boa defesa parecer
ótima e uma ótima defesa parecer milagrosa”.
Imagem: Autor Desconhecido