Imagem: Autor Desconhecido
A saga do jogador argentino que sobreviveu à Guerra das Malvinas
Há 35 anos, ele estava prestes a se tornar profissional pelo
Estudiantes, mas teve de trocar a bola por um fuzil para lutar contra os
ingleses
Por Breiller Pires para o El País
Estrear – ou debutar, como dizem
os argentinos – em um time profissional de futebol é o sonho que, de geração em
geração, move milhões de garotos pelo mundo.
Mas, em determinado momento da
vida de Juan Gerónimo Colombo, mais especificamente há 35 anos, jogar bola se
tornou um desejo ínfimo diante da luta pela sobrevivência.
Em poucos meses, ele viu sua
rotina mudar de forma drástica quando trocou as categorias de base do
Estudiantes de La Plata, às vésperas de ser promovido à equipe principal, pelas
trincheiras da Guerra das Malvinas, um confronto entre Argentina e Reino Unido
pelo controle das ilhas no sul do Atlântico.
Colombo chegou ao Estudiantes no
início de 1981.
As boas atuações chamaram a
atenção do técnico Carlos Bilardo, que havia acabado de retornar ao clube e
ordenou, no começo de abril de 1982, que o meia passasse a integrar seu
plantel.
Porém, na mesma semana em que
recebeu a notícia da promoção ao profissional, Juani, como era conhecido pelos
companheiros, teve uma surpresa que mudaria sua trajetória de jogador.
Ele foi convocado para o
Regimento 7 de La Plata, onde havia cumprido o serviço militar cinco meses
antes.
O batalhão estava de prontidão
para a guerra.
Em 15 de abril de 1982, a tropa
desembarcou nas Ilhas.
“Eu não imaginava que chegaria às Malvinas para combater”, conta
Colombo ao EL PAÍS. “Pensava que o conflito se resolveria pela via diplomática
e que eu logo retornaria aos treinamentos.”
Mais de 14.000 soldados
argentinos foram levados às Malvinas.
Aos 19 anos, Juani vivia
experiências muito distintas para um jovem futebolista.
Manuseava fuzis, desarmava
granadas, lidava com o autoritarismo de superiores e as agruras frente a um
inimigo muito mais poderoso.
“A mescla de sentimentos como angústia, ansiedade, medo e incerteza,
somada à fome e ao frio, congelou em minha cabeça a ideia de um dia voltar a
jogar futebol”, diz. Àquela altura, ele preferia não regressar ao continente
caso tivesse alguma sequela em combate que o impedisse de chutar uma bola.
“Muitas coisas vinham à mente. Os bombardeios, a morte tão perto, perder
companheiros logo depois de dividirmos um mate... Nos piores momentos, eu só
pensava que não poderia mais jogar se saísse ferido.”
Juani teve mais sorte que os 649
argentinos mortos nas Malvinas e outros quase 400 ex-combatentes que acabaram
se suicidando após retornarem para casa.
Com o fim da guerra e 14 quilos a
menos, ele foi dispensado do serviço militar depois de dois meses no fronte.
Por causa de uma hepatite, só se
reapresentou ao Estudiantes em novembro de 1982.
No final daquele ano, recebeu um
telegrama.
Dessa vez, o remetente não era o
exército, mas sim a diretoria do clube pincharrata, avisando-lhe que assinaria
seu primeiro contrato profissional com o aval de Carlos Bilardo.
Ele estreou pela equipe de La
Plata na Primeira Divisão argentina, em abril de 1983, um ano depois do
desembarque nas Malvinas.
“Ali começou uma vida nova. Quis o destino que eu fosse parar em uma
guerra, mas ele também me reservou um clube como o Estudiantes, que me tratou
com respeito e me deu todo apoio para seguir adiante. Certamente me trataram
melhor que o Governo [argentino], que instituiu um processo de
“desmalvinização” depois da guerra e abandonou os combatentes. Graças ao
Estudiantes, eu me senti vivo outra vez.”
Entre a Copa e o luto
Em 13 de junho de 1982, a
Argentina estreava com derrota para a Bélgica na Copa do Mundo da Espanha.
No mesmo dia, também há exatos 35
anos, os soldados do Regimento 7 de La Plata tentavam sintonizar o rádio para
acompanhar a partida enquanto se recuperavam de uma dura ofensiva inglesa ao
Monte Longdon.
Já era madrugada do dia 14 de
junho quando a tropa foi surpreendida por um bombardeio durante o deslocamento
até Puerto Argentino, local onde ocorreria a rendição após 74 dias de batalha.
Entre os mortos no ataque estava
José Luis Del Hierro, 19 anos, que, antes de ir às Malvinas, havia comprado
ingressos e passagens para assistir à Copa. Muitos argentinos consideram que a
seleção albiceleste não deveria ter disputado o Mundial, dado o acirramento do
conflito que deixou cicatrizes profundas no país.
“Perdi um grande amigo”, diz Juan Colombo.
“José Luis Del Hierro era um ser humano maravilhoso, profundamente
religioso e tremendamente solidário, a quem o destino colocou em uma guerra em
que jamais deveria ter chegado. Se havia alguém nas Ilhas totalmente antagônico
ao bélico e à violência, essa pessoa era José Luis. Morreu na noite em que a
Argentina estreou no Mundial. Ele nos dizia que não se importava com os jogos,
apesar das passagens e ingressos que havia comprado. Só queria voltar para
casa, porque sabia que sua família sofreria muito se algo lhe passara. E assim
foi. Seus pais morreram poucos anos depois de receberem a notícia.”
Eles só tiveram a confirmação
oficial da morte do filho quase um ano após o fim da guerra.
O corpo de José Luis ficou mais
de cinco meses coberto por neve antes de ser enterrado nas Ilhas.
Passado o martírio no campo de
batalha, Juani teve uma curta carreira nos gramados.
Sofreu várias lesões.
Uma delas gravíssima, nos
ligamentos do joelho, o que não impediu o Estudiantes de renovar seu contrato.
Depois da recuperação, jogou por
clubes menores até encerrar a carreira com apenas 26 anos.
Hoje, o ex-meia e ex-combatente
das Malvinas vive em sua cidade natal, Roque Pérez, na província de Buenos
Aires.
Lá, ele treina garotos de uma
equipe infantil pelo clube que o revelou.
Sua missão como educador ajuda a
estancar, dia a dia, as feridas de uma guerra que ainda repercute na Argentina.
“O futebol salvou a minha vida. Joguei por pouco tempo, mas foi como se
tivesse ganhado vários títulos de Libertadores. Depois de tudo que passei,
estar com minha família em Roque Pérez, ligado à formação de novos jogadores,
significa estar em paz.”
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