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Como a
gravidez de jogadoras de futebol tem sido tratada no mundo
Por Marcus
Arboés/Universidade do Esporte
Recentemente,
a atacante Cristiane, do São Paulo e da Seleção Brasileira, anunciou o
congelamento dos óvulos, planejando uma gravidez futura, após a aposentadoria,
em conjunto com a sua noiva.
Ela não é a
primeira jogadora a tomar a decisão de ser mãe apenas após pendurar as
chuteiras, e isso traz à tona uma questão que faz parte do futebol feminino e
que deve ser lembrada e observada com atenção: a gravidez de atletas.
Em diversos
esportes, desde os com maiores investimentos aos de menor visibilidade, existem
inconsistências e muitas atletas acabam prejudicadas por exercerem a escolha de
ser mãe.
Isso não é
diferente no futebol, seja pela maneira como essas jogadoras são enxergadas ou
por questões trabalhistas.
Os contratos
de mulheres, futebolistas ou de quaisquer profissões, em muitos países, são
discutidos e atacados devido à possibilidade de gravidez.
No caso de
esportistas, não só os vínculos empregatícios como os de patrocínio podem ser
afetados.
Apesar de ser
uma questão que nem sempre vem à tona, é necessário sempre observar de que
maneira as diferentes culturas e legislações atuam em relação à gravidez de
jogadoras de futebol e qualquer outro direito, no intuito de que a modalidade
evolua e alcance alguma igualdade futura com o futebol masculino.
Qual é o
papel da FIFA?
Antes de
apresentar e levantar qualquer discussão sobre a maneira com a qual os países e
as federações lidam com essas situações, é preciso entender de que modo a
entidade internacional responsável pelo futebol as trata.
A FIFA possui
um sistema educativo chamado “FIFA Medical Network”, em que há publicações de
cursos relacionados à saúde.
Dentre esses,
há um sobre saúde de atletas mulheres, que possui três lições relacionadas à
gravidez.
Assim como em
diversos outros campos do esporte, o posicionamento é aberto, com diretrizes
voltadas a sugestões que possam não ferir a liberdade individual de atletas,
ainda que atuando de forma passiva, já que cada país pertencente ao núcleo da
FIFA possui a sua legislação e a sua visão sobre esses casos.
Basicamente,
se considera que a decisão de continuar jogando (ou não) futebol de alto nível
é da jogadora, desde que ela esteja ciente dos riscos possíveis.
A sugestão
dos autores é de que, caso opte por continuar jogando, as atividades
nutricionais devem ser acompanhadas com zelo, assim como ter observação
obstétrica.
Além da
possibilidade óbvia de um trauma, são listados os aspectos do desempenho de uma
futebolista que podem ser afetados pela gravidez:
• A
capacidade de mudança de direção é reduzida;
• Pode
aumentar o risco de lesões;
• A náusea e
a fadiga da gravidez podem reduzir ou anular o prazer do exercício;
• A anemia
fisiológica pode prejudicar a resistência.
Na mesma
lição, quando o texto trata das atividades pós-parto, há apenas uma análise
crítica da falta de coesão nas diretrizes desses exercícios.
Ou seja, os
casos de gravidez são tratados de forma individual, de lugar para lugar, de
clube para clube, já que há uma inconsistência entre as referências de
pesquisa.
Escolha da
jogadora ou imposição do mercado?
É ideal e
positivo crer que a escolha de continuar jogando seja realmente das jogadoras.
Muitas
atletas, que desejam ser mães, no entanto, não têm tanto poder de escolha e
acabam postergando o sonho, para que ele não interfira na carreira.
Isso é
compreensível, já que são nove meses longe das atividades — num esporte em que
as carreiras são curtas —, ou com os riscos acima citados, além do período de
readaptação pós-parto.
E, ainda, por
cima, existem as questões contratuais e legislativas, que acabam sendo um
problema para elas.
Muitos
países, federações e clubes, ainda atuam de maneira retrógrada em relação a
isso, mas também é importante entendermos de que forma a comunidade do futebol
recebe a gravidez das jogadoras.
Ainda que
seja uma questão pessoal, existem interferências diretas da comunidade na vida
profissional delas.
Diante desses
pilares, seguirão aqui observações de exemplos de diferentes países e como cada
um deles lida com essas questões, citando casos de jogadoras, clubes e
organizações.
No Brasil
Quando
falamos de gravidez no futebol brasileiro, já nos lembramos do tão repercutido
caso da lateral-esquerda Tamires, do Corinthians e da seleção.
Mãe aos 21
anos, ela teve que parar de jogar futebol duas vezes — uma por causa da
gravidez, outra para cuidar do filho.
No entanto,
sua inspiradora trajetória é isolada, não à toa, era a única mãe entre as 23
atletas que disputaram o último Mundial.
A própria
Tamires entende que a sorte dela foi ter sido mãe ainda muito jovem, para que
pudesse ter a chance de voltar a jogar futebol e, depois dos 30 anos, chegar ao
auge da carreira para disputar uma Copa do Mundo.
Além disso,
há outra singularidade no caso dela: o fato de o marido ter assumido as maiores
responsabilidades com o filho, enquanto ela se dedicava à carreira.
Na realidade
das jogadoras brasileiras, existem outros padrões de estrutura familiar em que,
muitas vezes, isso não é possível.
Apesar de ser
comprovado por especialistas que uma atleta pode recuperar o bom rendimento
após a gravidez, ainda há o medo do desemprego.
No Brasil, a
legislação assegura que não haja rescisão contratual em casos de gravidez, mas
isso não diminui o receio das atletas.
Muitos
contratos são de curto prazo e só estipulam ajudas de custo e ainda existe o
problema da profissionalização do futebol feminino no país.
Essa é uma
luta recente da categoria no nosso país e no mundo todo.
Muitas
jogadoras que vivem do futebol estão à mercê do amadorismo e até precisam de
uma profissão secundária, ou seja, não possuem sequer carteira assinada.
As
agremiações, recentemente começaram a agir para fazer o futebol feminino
crescer no país, e podemos ver como os brasileiros aderiram à modalidade quando
recordes de audiência foram batidos ao ver a seleção feminina jogar mundiais e
olimpíadas — e isso é ótimo —, mas não anula a baixa visibilidade/público do
esporte fora de eventos maiores.
Isso existe
devido ao preconceito estrutural que há com a modalidade, seja por retorno
financeiro ou por um aspecto cultural machista ainda enraizado no brasileiro.
Se existe
preconceito com a modalidade por si só, imagine que uma jogadora, num cenário
ideal em que o clube renova seu contrato, engravida.
Como os
torcedores receberiam a informação?
Guardadas as
devidas proporções, vale o paralelo com o futebol masculino, neste caso, quando
um atleta machucado permanece recebendo seu salário integral enquanto está no
departamento médico e a torcida cobra produtividade.
Aqui, a
comunidade do futebol já não se importa muito com a realidade das atletas,
imagine a de uma atleta grávida.
Nos Estados
Unidos
Se no Brasil
enfrentamos todos esses problemas, os Estados Unidos, apesar de também existir
parte preconceituosa na sociedade, parecem estar alcançando um cenário ideal.
Ainda que não
exista igualdade salarial e que isso tenha sido discutido amplamente, inclusive
como problema global na modalidade, as coisas parecem estar indo bem.
A seleção foi
campeã mundial e detém a hegemonia no futebol feminino, o esporte se populariza
a cada temporada, as atletas possuem maior voz e visibilidade, ainda que várias
conquistas não tenham sido alcançadas no âmbito da igualdade.
Se
observarmos todos os pontos, talvez o mais preocupante seja o dos riscos ou a
questão do encurtamento da carreira.
Podemos
utilizar vários exemplos de jogadoras cujas situações foram bem mais práticas,
mas não necessariamente fáceis, até pela realidade do futebol local.
A craque Alex
Morgan (foto), da seleção americana e do Orlando Pride, foi mãe pela primeira vez há
pouco mais de um mês.
Antes disso,
ela treinou até o sétimo mês de gestação, ainda que em atividades com menos
exposição ao risco.
Sendo uma
figura carismática, ela estampou capa de revista durante a gestação e não teve
problemas com a patrocinadora.
A questão do
patrocínio, especificamente, no caso dela, da Nike, é algo a se ressaltar.
Antigamente,
algumas atletas acabavam não atingindo as metas de rendimento por causa da
gravidez, tendo redução nos valores.
A Nike
reconhece isso e, só recentemente, passou a suspender a cláusula de desempenho
durante 12 meses em casos de atletas gestantes.
Outra
atacante, também do Orlando Pride, Sydney Leroux, já foi mãe duas vezes.
Depois de
parar pela segunda vez para o período de gestação, ela foi ovacionada por um
estádio inteiro ao voltar para os gramados, e sequer era o estádio do seu time.
Isso mostra
como os torcedores são receptivos e abraçam a escolha das atletas no país.
Na Espanha:
Se nos
Estados Unidos o apoio ao esporte por parte dos torcedores tem crescido, na
Espanha é maior ainda.
No entanto,
se no Brasil o estado assegura os direitos trabalhistas, na Espanha, mesmo com
um nível de rendimento maior, existe uma crise que dura há anos.
Os
campeonatos de futebol feminino na Espanha, ano após ano, vão se tornando mais
populares, a seleção tem se fortificado e as torcidas têm comprado a ideia e
valorizado mais a modalidade.
O recorde de
público em uma partida de futebol feminino, inclusive, é do Campeonato
Espanhol.
Apesar disso,
a modalidade enfrentou, por anos, problemas para alcançar a profissionalização.
São vários
direitos trabalhistas que foram cobrados pelas futebolistas, cujo regimento
perante elas e os clubes eram as leis desportivas.
Os acordos
financeiros de apoio entre Federação, clubes e jogadoras não tiveram um
desfecho, a ponto de uma greve no futebol feminino espanhol ter iniciado no
final de 2019.
O problema
chegava a ser tão absurdo, que existiam cláusulas “antigravidez” nos contratos,
ou seja, os clubes poderiam rescindir com jogadoras que engravidassem, sem
pagar indenizações.
Muitas
jogadoras não tinham coragem de denunciar e o estado não entrava na discussão
para tentar contribuir com mudanças no esporte.
Só em junho,
a Federação Espanhola de Futebol (RFEF) profissionalizou, de fato, o futebol
feminino.
Falta muito
para alcançar a igualdade
Com esses
três países citados, é possível vermos que ainda caminhamos a passos lentos, e
que não é à toa que os Estados Unidos possuem um futebol feminino tão forte,
ainda que necessite de evoluções.
Mas vale
ressaltar que Brasil e Espanha são potências do futebol masculino, que ainda
estão rastejando para alcançar degraus superiores no esporte feminino.
Ainda assim,
em outros lugares do mundo, mesmo com grande desenvolvimento econômico, a
gravidez no futebol feminino não é tão simples.
A defensora
Hwang Bo-ram, por exemplo, chegou a passar mais de um ano sem atuar para ser
mãe, numa sociedade com estruturas patriarcais muito mais consolidadas.
Como Tamires,
do Brasil, ela também era a única coreana mãe na Copa e, na verdade, era a
única a ter voltado a jogar pela seleção após a gravidez.
Assim como a
lateral brasileira, ela também teve o suporte do marido que passou por cima dos
padrões sociais para que ela exercesse sua profissão.
Se nesses
países, onde há uma renda considerada alta e estrutura para que mulheres possam
jogar de modo profissional, existe problema, imagine para aqueles onde o
futebol não gera tanta renda e onde as configurações sociais são ainda mais
preconceituosas com as mulheres.
A FIFA, assim
como a CBF e outros órgãos, caminha lentamente, mas ainda buscando uma evolução
do futebol feminino em diversos meios.
Ainda que não
caiba a essa entidade mudar a problemática da gestação no futebol feminino, ela
ainda pode tentar influenciar as federações a buscarem a validação de direitos
fundamentais específicos.
Como membros
de uma sociedade é imperativo que trabalhemos no sentido de construir um futuro
onde atletas e mulheres possam exercer o seu poder de escolha e realizem os
seus sonhos em campo e na construção de suas famílias como sintetizou Sydney
Laroux, atacante do Orlando Pride:
“Nós muitas
vezes achamos que, quando começamos uma família e temos filhos, nós não podemos
continuar com nossos sonhos e ambições. Acho que é muito importante ver que a
vida não para, e você pode ter uma família e ter uma carreira. É possível fazer
as duas coisas ao mesmo tempo”.
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