Com paciência, perseverança e dedicação,
é possível encontrar no meio dos jogadores de futebol, alguns cérebros...
Não serão muitos.
Porém, quem os encontrar vai
sentir uma enorme satisfação por constatar que em meio a tanto pagodeiro baladeiro
e religioso chato a reverberar clichês e frases feitas cunhadas por seus gurus
religiosos, existe um ou outro cuja massa cinzenta está apta a pensar.
Encontrei um navegando nas longas
madrugadas.
Chama-se Paulo André, é zagueiro e joga no Corinthians...
Que bom, ainda há esperança.
O Futebol brasileiro está
atrasado.
Se dissermos que o jogo de
futebol se divide em três princípios básicos e deles, todas as variações são
possíveis, eu diria que:
tecnicamente sempre fomos muito
superiores a qualquer outra nação;
fisicamente, em algum período,
chegamos a ser inferiores;
e taticamente sempre sofremos com
a falta de disciplina na aplicação da estratégia porque éramos tão melhores
jogadores de bola que sempre achamos um jeito de vencer nossos rivais.
Assim sendo, inicialmente
decidimos resolver a discrepância física e incrementamos toda a cientificidade
oferecida pelos melhores estudos e artigos já produzidos para construirmos o
atleta ideal.
O intuito era nos equipararmos
aos europeus e para isso, quebramos inúmeras barreiras culturais introduzindo a
musculação e os treinos físicos específicos para jogadores de futebol.
Durante anos os especialistas na
área tinham vontade de vomitar ao escutar dirigentes, treinadores e
comentaristas dizendo que a musculação deixaria o jogador travado.
De qualquer forma e com certa
demora, evoluímos muito na qualidade dos treinos físicos e permitimos que a
ciência entrasse no futebol brasileiro.
Até aí, tudo bem.
Conseguimos igualar a valência
física e continuamos com a supremacia técnica.
Éramos então praticamente
imbatíveis.
Mas em algum momento da história
do futebol e da economia brasileira, os clubes se encontravam em péssima
condição financeira e não conseguiam gerar outro tipo de renda que não com a
venda de jogadores para o mercado europeu.
Demoramos muito para nos
estruturarmos, explorarmos o marketing e a paixão doentia do nosso torcedor,
gerando receitas que, aliadas aos direitos de TV, tornassem o clube autossuficiente.
Então, o único meio de
sobrevivência encontrado por dirigentes amadores e despreparados naquela época
era vender atletas à Europa para solver dívidas e contratar medalhões, ganhando
assim, o apoio popular.
Desde então, estamos produzindo
jogadores para os europeus, buscando selecioná-los e prepará-los de acordo com
o perfil de jogo que facilita essa negociação.
Pior que isso, o nosso erro foi
acreditar que o atleta ideal era aquele que existia na Europa.
Boa estatura, forte, sem muita
ginga (pois futebol já não era mais brincadeira), disciplinado, com bom jogo
aéreo e o mais importante, com nome e sobrenome.
Chegamos ao cúmulo de tirar até
os apelidos dos nossos meninos da base para que eles ficassem mais vendáveis
aos olhos e aos cofres do velho continente.
Em pleno século 20, ainda éramos
colônia, explorados pelos europeus que compravam barato e lucravam com o
desempenho e as futuras transferências daqueles “produtos” importados.
Apesar disso, nós brasileiros
estávamos felizes e pensávamos que essa “facilidade” de achar matéria-prima
abundante e vendê-la para o além-mar era a salvação da lavoura.
Não nos preocupávamos com o êxodo
de jogadores porque a renovação e o talento eram tão naturais do nosso povo que
a cada ano surgiam mais e mais jogadores de qualidade.
Se quiséssemos, montaríamos três
ou quatro seleções em condições de ganhar uma mesma Copa do Mundo.
Nesse período (e durante esse
processo), ainda mantínhamos a supremacia técnica e por isso demoramos anos
para perceber que o jogo também evoluiu.
O futebol passou a ser estudado e
analisado tanto quanto o organismo humano ou a economia mundial.
Também pudera, algo que gera
tantos bilhões de dólares e movimenta outros tantos bilhões de torcedores ao
redor do planeta não poderia ser deixado ao azar ou ao talento nato de seus
praticantes.
Então, enquanto nos dedicávamos
aos treinos físicos – com tiros de 1000m, 300m etc… – os europeus faziam tudo
dentro do campo, com a bola.
Trabalhos mais intensos e
disputados, mini jogos que exploravam especificamente um princípio de ataque ou
de defesa, tudo inserido ao jogo.
Cada treino tinha um objetivo e o
sincronismo dos movimentos de pressão ao adversário, de bloco alto (encurtar o
campo), de trocas de passes rápidas e com o menor número possível de toques na
bola se tornaram exigências do futebol contemporâneo.
A linha de 4 defensiva e a
tentativa de roubar a bola no campo adversário já eram praticadas muito antes
de eu chegar à Europa em 2006.
Estamos em 2012 e no Brasil tem
gente que ainda fala em ala, três zagueiros e volante de contenção.
A falta de visão, de
protecionismo, de estímulos para a manutenção de talentos e de desenvolvimento
do estilo brasileiro de se jogar futebol se revela hoje, duas décadas depois,
um grave problema.
Nos esquecemos de investir em
planejamento, estruturação e, principalmente, capacitação de profissionais para
darmos sequência à produção e consolidação da nossa hegemonia no futebol
mundial.
Nos preocupamos em vender a nossa
Seleção e esquecemo-nos de reinvestir o lucro nas futuras gerações.
Usamos os “produtos” produzidos e
formados pelos nossos clubes, mas esquecemos de retribuir o serviço com a
criação de campeonatos mais fortes e rentáveis, infraestrutura de qualidade
(estádios, gramados, etc…) e capacitação de pessoas em todas as áreas do
esporte brasileiro (gestores, técnicos, preparadores físicos, scouts etc…).
Estamos atrasados.
Quase não temos cursos
capacitantes que valham à pena.
O círculo do futebol brasileiro é
restrito, fechado e avesso a novas ideias.
Quase não temos estudiosos do
jogo, das variações táticas ou dos treinamentos específicos.
Nossa formação de base não ensina
para o futebol atual, mas, sim, para o futebol de outrora.
Insistimos em coisas do arco da
velha simplesmente porque a maioria dos nossos ex-jogadores (atuais treinadores)
não está preparada para formar novos atletas.
Falta conhecimento e
posteriormente a aplicação de ferramentas como a teoria do jogo, a psicologia e
a pedagogia aplicadas ao esporte para que possamos sair do marasmo em que nos
encontramos.
Precisamos abdicar de fórmulas
que um dia deram certo e que se tornaram tradicionais para chacoalhar os
estaduais, as divisões inferiores e os times “pequenos”, assim como um dia
passamos do sistema de mata-mata para pontos corridos, dando mais estabilidade
financeira aos clubes e atletas.
Talvez seja a hora de quebrarmos
outros paradigmas.
Admitir que o modelo está
ultrapassado e que precisamos mudar é o primeiro passo.
O problema é que poucas pessoas
estão preocupadas com isso.
Na verdade poucos enxergam o
atraso, só reclamam que a Seleção não está bem.
Novos valores e estudiosos do
jogo não conseguem se inserir no meio porque não jogaram futebol e não tem a
confiança do mercado.
A categoria de base da maioria
dos clubes brasileiros está jogada ao Deus dará.
Os cargos dentro dos clubes,
federações e confederações ainda são políticos e não técnicos. Isso tem que
mudar!
O Brasil se encontra em uma
encruzilhada.
Na verdade, estamos parados
diante dela há alguns anos, observando, com olhos fixos, a estrada que nos
trouxe até aqui.
Ela é repleta de flores, encantos
e conquistas.
Revendo o trajeto, nos
apaixonamos pela construção da nossa história e temos a certeza e o orgulho de
saber que os melhores times e os maiores jogadores que o planeta já viu foram
brasileiros.
Enxergamos também que ganhamos,
orgulhosa e merecidamente, o apelido de “País do futebol”, o maior exportador
de pé-de-obra que o mundo conheceu.
Dominamos o futebol mundial e
possuímos, por anos, estrelas em todos os grandes campeonatos nacionais do
velho continente.
Todos tinham medo da camisa
amarela e os brasileiros, encantados, paravam para ver a seleção canarinho
jogar.
Por tudo isso, passamos anos
desfrutando da beleza do nosso futebol e do avanço que tínhamos sobre os
demais.
Acreditamos que tudo era possível
ao país que tem no DNA de seu povo, o talento do futebol.
Hoje, olhando ao redor, mais
próximos da encruzilhada, ainda pelo caminho que construímos, vemos sonhos,
delírios e extravagâncias que desperdiçaram tempo e dinheiro e não se
transformaram em nada.
Um período sonolento em que a
falta de capacidade se justificou de inúmeras formas, especialmente pelo
passado esplendoroso que construímos.
Mas eis que recentemente,
atônitos e ainda parados na estrada, fomos despertados pelo barulho ruidoso dos
motores espanhóis, holandeses e alemães que passaram por nós sem pedir licença.
Aceleraram em tamanha velocidade
que ainda não conseguimos reparar quais as novas peças da engrenagem os fazem
acelerar tão de pressa.
E cá estamos nós, olhando
fixamente para a encruzilhada buscando dicas de para onde seguir ou qual o
melhor caminho a tomar.