A frase “é uma infelicidade da
época, que os doidos guiem os cegos” do dramaturgo e poeta inglês, William
Shakespeare, me soa cada vez mais, atualíssima e perfeita.
Um fato que gerou um julgamento
na República de Guantanamera...
Em cinco atos.
Primeiro ato.
Um homem cuja missão é fiscalizar
a conduta de outros homens em um determinado evento, por dever de ofício, chama
o responsável pela manutenção da ordem no espaço a ele circunscrito e denuncia
uma ação agressiva e deselegante de um dos presentes.
Afasta-se e deixa que o
responsável tome as providências que julgar cabíveis.
Sem pestanejar ou levar em
consideração qualquer atenuante, o responsável usando de suas prerrogativas e
de seu poder discricionário, expulsa do local o denunciado.
Ato continuo o denunciado volta-se
contra quem o denunciou e durante minutos a fio, grita, esbraveja e cospe todo
o tipo de impropérios e palavrões...
Tentam contê-lo, mas ele afasta
rispidamente a todos, e num vai e vem nervoso, insiste em derramar sua fúria.
O homem que o denunciou, reage passivamente
– sua função exige que assim seja.
Ouve sem desviar o olhar e o máximo
que se permite, é esboçar um sorriso estupefato diante da patética tragicomédia.
Já a reação do agressor ao se
retirar é continuar a agressão, agora não mais contra o homem que provocou sua
expulsão...
Com gestos obscenos, investe
contra aqueles que presenciaram a descabida e desproporcional reação e o
vaiaram.
Segundo Ato.
Terminado o evento, todos voltam
para casa e no caminho discutem e opinam sobre o acontecido...
Sabe-se lá o que cada um disse no
caminho de retorno...
Entretanto, as coisas não findam
com o apagar das luzes; o responsável, reunido com seus auxiliares e o homem
que denunciou e foi agredido, redige um relatório e nele, com riqueza de
detalhes, mas sem fugir do que foi captado por todos os microfones e ouvido por
todos os ouvidos, informa as razões de ter sido chamado pelo denunciante, à
atitude que tomou e tudo o que ouviu.
Missão cumprida.
Mesmo que o evento seja um singelo
e lúdico entretenimento, convencionou-se que se deve levá-lo a sério, pois
este, não só mexe com as emoções de marmanjos pobres e endinheirados, mas
também, com um significante montante financeiro...
Portanto, cumpra-se o combinado.
Terceiro Ato.
Ao receber o relatório, os gestores do evento
o repassam para as autoridades competentes para julgar e punir os excessos e as
transgressões das regras, cuja finalidade é dar um mínimo de civilidade as
tardes-noites dos amantes e dos praticantes do ludopédio.
De posse do relatório, as
autoridades competentes resolvem que o melhor a ser feito é teatralizar o fato
e levar a julgamento o agressor.
Coibir abusos com punições
rápidas e eficazes, não dá manchete, não repercute nas resenhas, não provoca
comentários nas redes sociais e nem tão pouco atrai as câmeras de fotógrafos e
cinegrafistas dos jornais e televisão.
Todo homem precisa de seus 15
minutos de fama, já dizia o empresário, pintor e cineasta Andy Warhol.
Assim foi feito.
No dia marcado, lá estavam os membros
da comissão, advogados, testemunhas, jornalistas, curiosos e desocupados em
geral...
Só o agressor, não foi.
Com a pompa e a circunstância que
toda ação jurídica é revestida – não fosse assim, os homens que deveriam apenas
e tão somente ser justos, ficariam impedidos de assumir a postura de deuses
muito acima do bem e do mal – o julgamento foi realizado.
Finalizadas todas as
formalidades, cada um dos membros da mesa julgadora pronunciou seu voto...
O agressor é absolvido.
Segundo os julgadores, nada
aconteceu.
Os microfones mentiram...
Aquilo que captaram e
transmitiram para seus ouvintes, não foi à voz do agressor e sim, alguma
interferência na frequência das rádios presentes ao evento, de alguma rádio
pirata que transmitia no mesmo dia e horário, algum programa policial.
As câmeras de televisão exibiram
falsas imagens...
As imagens não mostram o agressor
enfurecido a gritar e fazer gestos ameaçadores...
Não, aquilo provavelmente, foi
uma montagem grosseira de algum programa sensacionalista de auditório e que por
inconfessáveis motivos, foi levado ao ar com a cumplicidade de todos os chefes
de redação e editores dos canais de televisão.
Por fim, as centenas de pessoas
presentes ao evento, não viram o que viram...
Segundo os julgadores, os
presentes podem ter sido vítimas de algum inescrupuloso e fanático seguidor do
Santo Daime que misturou no líquido original dos refrigerantes e água por ele
vendido, uma pequena mais significativa porção do chá de ayahuasca e com isso,
os levou a entrar em transe e ter visões terríveis.
Quarto Ato.
Chocado com o resultado do
julgamento, o agredido resolveu se pronunciar...
Não deveria...
Falou o que pensava...
Também não deveria...
Ao dizer que os julgadores haviam
julgado com o coração e não com a razão, deu a entender que os ilustres
julgadores tinham optado pela absolvição do agressor por envolvimento emocional
com seu empregador e não com os fatos.
“Eu tinha outras palavras para dizer, mas eu
não vou ofender os senhores. Prefiro me calar”.
Essas foram às últimas palavras
do agredido.
Quinto Ato.
Diante da negativa repercussão do
julgamento, aquele que preside os outros julgadores, acatou a sugestão do homem
que procura e vai levar o caso ao um tal de pleno – seja lá o que isso
signifique – para que então, possam novamente julgar mais racionalmente aquilo
que o coração decidiu tão emocionalmente.