3ª VARA DO TRABALHO DE NATAL
ATA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO DA
RECLAMAÇÃO TRABALHISTA Nº
000020.84.5.21.0003
Aos vinte e oito (28) dias do mês
de março de dois mil e quatorze, às 16h10min, estando aberta a audiência da 3ª
Vara do Trabalho de Natal, em sua sede, com a presença do Excelentíssimo Senhor
Juiz do Trabalho, Dr. MANOEL MEDEIROS SOARES DE SOUSA, por ordem do Juiz
Titular foram apregoados os litigantes:
Reclamante: JOSE ROMARIO SILVA DE
SOUZA
Reclamada: ABC FUTEBOL CLUBE
Vistos, etc
Aberta a audiência, passou o
Juízo a proferir a seguinte decisão:
JOSE ROMARIO SILVA DE SOUZA, qualificado
na inicial, por intermédio de advogado regularmente constituído, ajuizou
reclamação trabalhista contra ABC FUTEBOL CLUBE, alegando, em síntese, ter
firmado contrato de atleta profissional com o reclamado pelo período de
18/08/2012 a 31/12/2015, com remuneração de R$ 1.000,00 até maio/2013,
R$1.500,00 a partir de junho/2013, R$2.250,00 a partir de junho/2014 e
R$3.375,00 de junho de 2015 até o final do contrato. Alega ter sido cedido por
empréstimo ao Globo Futebol Clube no período de 22/07/2013 a 22/10/2013,
retornando, em seguida, ao clube de origem e ficando no aguardo de ser chamado
para atuar. Relata estar privado do trabalho e dos salários. Alega o
descumprimento das obrigações patronais. Em razão disto, postula: 1) rescisão
indireta; 2) 13º salário de todo o período; 3) férias de todo o período,
acrescidas de 1/3; 4) FGTS do período; 5) multa de 40%; 6) multa do art. 477,
CLT; 7) cláusula compensatória de que tratam os arts. 28, II, §3º, e 31, da Lei
12.395/2011; 8) salários dos meses de outubro/2013 (08 dias), novembro/2013,
dezembro/2013 e janeiro/2014; 9) retificação da CTPS; 10) multa do art. 467,
CLT; 11) salário-família; 12) PIS. Deu à causa o valor de R$35.000,00.
Juntou documentos.
Regularmente citada, a reclamada
compareceu à audiência e apresentou defesa na qual aduz ter o reclamante
abandonado o clube sem prévio aviso, vinculando-se, de imediato, ao Globo.
Afirma ser do cessionário a responsabilidade das verbas trabalhistas pelo
período de cessão do autor. Aduz ter depositado na conta da genitora do autor,
Sra. Maria da Conceição Jorge da Silva, os salários atrasados antes de se
completar o período de 03 meses de atraso. Ao final, pede a revogação da tutela
antecipada com manutenção da rescisão do contrato de trabalho por vontade do autor.
Ao final, pede a improcedência da ação. Juntou documentos.
Valor da causa fixado nos termos
da exordial.
Manifestação do reclamante à
defesa e documentação apresentada.
Apresentada contestação à
reconvenção.
Colhidos os depoimentos das
partes.
Houve produção de prova
testemunhal.
Encerrada a instrução.
Razões finais reiterativas.
Propostas de conciliação
recusadas.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
MÉRITO
Rescisão
Controvérsia acerca da modalidade
operada na rescisão contratual.
De um lado, pretende o autor o
reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, sob o fundamento
de que o reclamado não cumpriu com a obrigação do pagamento em dia dos
salários. De outro, argumenta o reclamado que o término do pacto ocorreu por
interesse próprio do autor, que abandonou o clube sem qualquer prévio aviso.
A instrução processual revelou
assistir razão ao reclamante.
Com efeito, em que pese estar
evidente a assumida vontade do autor em não mais permanecer no ABC, já que no
Globo Futebol Clube passou a ser valorizado ao ser escalado para atuar com
frequência, o atraso no pagamento dos salários dá ensejo à rescisão indireta do
contrato de trabalho.
A autor foi cedido ao Globo
Futebol Clube. Após o término do contrato, deveria retornar ao ABC. No entanto,
interessado na permanência do atleta, o Globo iniciou as tratativas com o ABC
para sua manutenção no clube. Encerrada a primeira cessão, houve interesse na
sua renovação. O reclamante, é verdade, declarou que não mais tinha interesse
em continuar vinculado contratualmente ao ABC. Mas foi autorizado pelo
reclamado por pura boa-fé a ficar em Ceará-Mirim, onde se situa a sede do
Globo, enquanto ocorriam novas tratativas entre este e o ABC.
Sucede que, no período em que os
clubes negociavam a nova cessão do reclamante, não houve o pagamento dos
salários. Surge então a questão de saber de quem é a responsabilidade pelo
pagamento dos salários nesse período da renegociação. No particular, pelos
depoimentos colhidos, especialmente no de sua testemunha, o ABC, certo da renovação
da cessão e convicto da responsabilidade do Globo pelo pagamento dos salários
do reclamante naquele período, negligenciou na sua obrigação de pagar em dia o
salário do autor. Somente depois que restou frustrada a renegociação houve a
regularização do pagamento dos salários, conforme apontam os depósitos de ps.
105/108, datados de janeiro de 2014 e referentes aos salários dos meses de
outubro a dezembro de 2013.
Tal situação jurídica, por tratar
de contrato de atleta profissional, exige a aplicação da regulação definida na
Lei 9.615/98 (Lei Pelé), com as alterações da Lei 12.395/2011. Em seu art. 31,
determina a norma que o atleta com salários atrasados, no todo ou em parte, por
um período igual ou superior a três meses, poderá rescindir unilateralmente o
contrato, ficando livre para contratar com qualquer outra entidade de prática
desportiva. A norma rompe com a tradição do futebol brasileiro de considerar o
atleta mera mercadoria sujeita aos humores dos dirigentes esportivos. Há agora
um sistema de proteção ao atleta – e também ao clube que o formou - para dar
efetividade ao direito fundamental não só ao trabalho, mas ao trabalho decente.
A influência de mais de três séculos de escravidão permeou também por muito
tempo as relações entre atletas e clubes do futebol brasileiro.
No caso, como visto linhas acima,
os meses de outubro, novembro e dezembro de 2013 tiveram seu pagamento efetuado
apenas nos dias 09/01/2014 e 15/01/2014, após o prazo legal, recaindo em mora
salarial por período igual a três meses, o que concretiza a hipótese legal para
incidência da norma, autorizando o reclamante a denunciar unilateralmente o
pacto por causa justa praticada pelo clube ao seu desfazimento.
Acresça-se a isto a inadimplência
em relação ao FGTS e à contribuição previdenciária, que, pelo art. 31, §2º, da
Lei Pelé, caracteriza também a mora contumaz para fins de denunciação
unilateral do ajuste.
Toda a situação fática justifica,
portanto, a rescisão indireta do contrato de trabalho, pelo que confirmo e
mantenho os efeitos da tutela antecipada deferida.
Deve ser considerada como data da
rescisão do contrato de trabalho o dia 10/01/2014, data do ajuizamento da
presente reclamação, devendo o reclamado proceder à devida baixa na CTPS do
autor.
Cláusula Compensatória
Nos termos da Lei Pelé, o atraso
igual ou superior a 3 meses no adimplemento dos salários autoriza o jogador,
ainda e como consequência direta, a teor do art. 31, caput, a exigir a cláusula
compensatória desportiva prevista no art. 28, II, da norma. Trata-se de espécie
de cláusula penal prevista em lei e devida pelo clube ao atleta por rescisão de
contrato por inadimplemento salarial. A valor da cláusula compensatória é
estipulado no contrato. A cláusula é livremente pactuada entre as partes e
estipulada no contrato de trabalho correlato. No caso, não houve a estipulação
do valor da cláusula no contrato do autor, conforme se extrai do documento de
p. 42. Ali há previsão da cláusula compensatória. Porém, não há indicação do
valor, de sorte que cumpre arbitrar, com base no princípio da razoabilidade, o
valor em R$20.000,00, a ser pago ao reclamante face à rescisão indireta
contratual em virtude da inadimplência salarial.
FGTS
O reclamado deveria provar o
regular recolhimento ou através da guia GFIP ou mediante simples extrato
analítico de fácil expedição pela Caixa Econômica Federal - CEF, demonstrando,
mês a mês, o recolhimento. Nada provou, o que permite deferir o título pelo
período de 15/08/2012 a 10/01/2014. Deve a importância respectiva ser paga
diretamente ao reclamante, eis que não depositado em tempo oportuno pelo
empregador e a rescisão indireta autorizar a movimentação da conta A multa
constitucional de 40% incide sobre o total do valor apurado a título de FGTS.
Títulos Rescisórios
Não há comprovante de pagamento
dos títulos requeridos pelo reclamante. Reconhecida a rescisão indireta do
contrato de trabalho, todos os títulos cujo pagamento não restou comprovado são
devidos. Ressalto que o período a ser considerado vai de 15/08/2012 a
10/01/2014, data em ocorreu a rescisão. Assim, defiro o pagamento do 13º
salário de 2013, férias simples 2012/2013 acrescidas de 1/3 e férias
proporcionais 2013 acrescidas de 1/3.
Indefiro, por outro lado, o 13º
salário do ano de 2012, haja vista haver comprovação nos autos de seu
adimplemento (p. 94). No que pertine aos salários dos meses de outubro,
novembro e dezembro de 2012, observo ter havido o depósito, ainda que em
atraso, dos valores de R$414,00, R$ 910,00 e R$1.365,00.
Tais valores, entretanto, não
pagam integralmente os salários efetivamente devidos, pelo que deve a
contadoria proceder à apuração do valor total devido e compensar os mencionados
depósitos a fim de evitar enriquecimento ilícito.
Os valores devem ser apurados
considerando a evolução remuneratória prevista no contrato: remuneração de R$
1.000,00 até maio/2013 e de R$1.500,00 a partir de junho/2013.
Salário-Família
O salário-família é devido ao
empregado por cada filho menor de 14 anos, ou equiparados, bem como aos
inválidos de qualquer idade, aos empregados aposentados por invalidez, velhice
e com 65 e 60 anos, se do sexo masculino ou feminino, respectivamente. O reclamante provou a existência de um filho
menor que se enquadra para fins de benefício e não há prova do pagamento da
parcela. Defiro, observado o período de 29/11/2013 a 10/01/2014, eis que o
nascimento do filho se deu em 29/11/2013, conforme atesta certidão de p. 41.
Indenização PIS
A regularidade das informações
prestadas no Relatório Anual de Informações Sociais – RAIS e disponibilidade do
benefício para o reclamante não restaram comprovadas, permanecendo o prejuízo
alegado na exordial. Presume-se, então, que o não recebimento do PIS ocorreu
por culpa do reclamado.
Verifico que o reclamante
preenchia os requisitos para recebimento do benefício: recebia salário inferior
a dois salários mínimos, tendo laborado por mais de 30 dias no ano base. A
jurisprudência do c. TST é pacífica quanto ao reconhecimento do direito do
empregado em receber indenização quando não há o cadastramento nem a informação
através da RAIS:
“RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO
PELO NÃO CADASTRAMENTO NO PIS. A jurisprudência desta Corte firmou-se no
sentido de que o não cadastramento do empregado no PIS, por culpa exclusiva do
empregador, configura ato ilícito, gerando direito à indenização substitutiva.
Precedentes. Recurso de Revista parcialmente conhecido e não provido. (TST, 3ª
Turma, 5/2004-751-04-00.2, Relator: Horácio Raymundo de Senna Pires, Data de
Julgamento: 21/10/2009, Data de Publicação: 06/11/2009).
Destarte, frustrado o direito do
autor por culpa do empregador, defiro indenização compensatória.
Multa Rescisória
A multa pelo não pagamento dos
títulos rescisórios no decêndio seguinte ao término da relação, é devida pela
simples verificação do fato objetivo da mora, consoante reza o art. 477, §§ 6º
e 8º, consolidado. Não tendo o reclamado solvido a obrigação no prazo, impõe-se
lhe a multa correspondente.
Defiro.
CLT Art. 467
Descabe a aplicação do disposto
no art. 467 da CLT, eis que ausentes os requisitos cumulativos ao deferimento
da parcela, qual seja, a ausência de controvérsia fundada e a extinção do
vínculo.
DISPOSITIVO
Expostos assim os fundamentos da
presente decisão, reconhecendo a rescisão indireta do contrato de trabalho,
julgo PROCEDENTE a pretensão deduzida na reclamação trabalhista promovida por
JOSE ROMARIO SILVA DE SOUZA, contra ABC FUTEBOL CLUBE, para condená-lo a pagar
ao reclamante, sob pena de aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC,
quinze dias após o trânsito em julgado desta decisão, a importância de R$ ????,
atualizado até 01/03/2014, correspondente aos seguintes títulos: 1) cláusula
compensatória desportiva no valor de R$20.000,00; 2) FGTS do período de
15/08/2012 a 10/01/2014; 3) multa de 40%; 4) 13º salário de 2013; 5) férias
simples (2012/2013) e proporcionais (3/12), acrescidas de 1/3; 6) salários dos
meses de outubro, novembro e dezembro de 2013, deduzindo-se os valores
depositados de R$414,00, R$ 910,00 e R$1.365,00; 7) salário-família (01 cota),
observado o período de 29/11/2013 a 10/01/2014; 8) indenização PIS; e 9) multa
rescisória.
Condena-se ainda em obrigação de
fazer consistente em dar baixa na CTPS do autor, fazendo constar a rescisão
indireta com data de 10/01/2014, devendo fazê-lo a Secretaria desta Vara, caso
inerte a reclamada, sem prejuízo da comunicação à SRTE/RN.
Incidência de juros de mora no
percentual de 1%, a contar do ajuizamento da ação, sobre o valor monetariamente
corrigido, incidindo a correção monetária no mês subsequente ao da prestação de
serviços, observando-se a evolução salarial do reclamante.
Custas, pela reclamada, no
importe de R$ ???, calculadas sobre R$ ????, valor da condenação.
Declara-se a responsabilidade das
partes pelo pagamento de suas quotas devidas à Previdência Social (Súmula TST
368 e OJ TST SDI 1 nº 363), observada a incidência da contribuição sobre
salário e 13º salário, além da atualização com observância das normas próprias
da Previdência Social, incluindo a incidência da contribuição a partir do mês
subsequente a liquidação desta sentença, excluída a parcela destinada a
terceiros - por incompetência da Justiça do Trabalho, conforme iterativa e
atual jurisprudência do c. TST -, devendo o Juízo da execução diligenciar o
regular recolhimento, sob pena de execução do crédito previdenciário.
A incidência da multa prevista no
art. 35 da Lei 8.212/91 está condicionada a que a reclamada não efetue o
pagamento do débito no prazo acima fixado para cumprimento da obrigação de
pagar o débito trabalhista, devendo a contadoria observar tal diretriz quando
da elaboração dos cálculos previdenciários e de sua atualização, se e quando
iniciada a execução.
Intimações às partes.
MANOEL MEDEIROS SOARES DE SOUSA
Juiz do Trabalho
Do blog:
A decisão não é definitiva...
As partes podem recorrer.