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As pegadas apagadas pelo descaso
Reforma do Maracanã acabou com o sumiço de pelo menos 31 moldes dos pés
de jogadores lendários que estavam no museu do estádio
Por Pedro Henrique Brandão – Repórter e Comentarista do Universidade do
Esporte
Desde 2000, quando foi o
inaugurado o Museu do Maracanã, a Calçada da Fama do Futebol era uma das
principais atrações para o visitante que iria conhecer o templo máximo do
futebol mais vencedor do mundo.
Até 2010, quando fechou para as
reformas para a Copa do Mundo de 2014, 101 jogadores puseram seus pés na massa
para colocar suas pegadas na eternidade e imortalizar os membros mágicos que
por tantas vezes fizeram a alegria do povo produzindo lances cinematográficos.
Marta foi a única mulher a
registrar seus pés no acervo, em 2007.
E foi justamente um novo convite
a Marta para refazer suas pegadas que despertou a pergunta: mas por que Marta
de novo?
Foi o excelente repórter Marcos
Uchôa, que puxou o fio da meada e descobriu que se trata de um caso de negligência
que fez desaparecer, sem mais nem menos, boa parte do acervo da antiga Calçada
da Fama do Maraca.
Atualmente o acervo apresentado
ao público que visita o estádio é de apenas 28 pegadas, ou seja, menos de um
terço do conjunto original.
O jogo de empurra entre os
(ir)responsáveis começou e notas foram disparadas durante a semana.
A Secretaria de Estado de
Esporte, Lazer e Juventude (SEELJ) publicou uma lista repleta de equívocos que
apresenta moldes que estão expostos no estádio como se estivessem sob sua
guarda.
A concessionária que administra o
Maracanã desde a reinauguração, em 2013, divulgou outra lista com os itens que
recebeu desde que assumiu a gestão do estádio.
Porém enquanto a SEELJ negou
entrevista e imagens do local onde estaria armazenando o acervo, a empresa que
administra o estádio apresentou um inventário detalhado com datas de
recebimento feito por especialistas.
Em entrevista ao Jornal Nacional,
Mário Darzé, presidente da concessionária, diz:
“Todas as peças que efetivamente recebemos, disponibilizamos para o
público. E ao longo desse tempo, fomos percebendo que algumas peças… ninguém
diz o que aconteceu com elas. A gente trabalha para não somente preservar as
peças que formalmente recebemos, mas aumentar o acervo do museu”.
A remoção e guarda do acervo
durante a reforma era de responsabilidade da SEELJ que na época ainda era
SUDERJ.
No procedimento de remoção a
Secretaria confirma que alguns moldes foram danificados, como são os casos de
Kaká, Romário, Renato Gaúcho e Zito, o lendário capitão do Santos Futebol
Clube, o único homem que gritava com o Rei Pelé, falecido em junho de 2015, aos
82 anos de idade.
Portanto o molde dos pés de Zito
são irrecuperáveis.
Na lista apresentada pela SEEJ,
excluindo os itens que estão expostos no estádio, restam 41 peças que poderiam
ser entregues o quanto antes para a atual administração do Maracanã para que se
evite mais prejuízos na memória futebolística brasileira.
Talvez a voz com maior autoridade
no futebol brasileiro atualmente, depois de Pelé, Mário Jorge Lobo Zagallo
lamentou o ocorrido:
“Deu tanto trabalho para pegar os pés de cada um… Vem uma obra e
destrói tudo? Não é por que a minha está lá…, mas a do Nilton Santos é um nome
que tem que ser respeitado, e infelizmente não foi. É um absurdo”.
O Velho Lobo chama de absurdo o
desaparecimento das pegadas de Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol, um
imortal do futebol brasileiro que infelizmente tem seu registro apagado pelo
descaso.
Falecido em novembro de 2013, é
um pedaço da Enciclopédia que desaparece.
Infelizmente Nilton Santos não é
o único nessa situação, Doutor Sócrates, falecido em 2011, Bellini, o capitão
do primeiro título mundial e inventor do gesto de erguer a Copa do Mundo,
falecido em 2014, Zizinho, o ídolo de Pelé, falecido em 2002, apenas para citar
alguns jogadores que faleceram e que não tiveram seus moldes encontrados.
Estão entre 31 nomes que não
constam na lista da SEELJ, nem no inventário da concessionária:
Ademir Menezes, Almir Pernambuquinho, Barbosa, Bellini, Castilho,
Cláudio Adão, Coutinho, Danilo Alvin, Dequinha, Dirceu Lopes, Geovani,
Ipojucan, Julinho, Leandro, Luisinho Lemos, Manga, Marta, Nilton Santos,
Pampolini, Pepe, Pinga, Quarentinha, Roberto Miranda, Rubens, Samarone,
Sócrates, Tostão, Waldo, Zinho, Zizinho e Zózimo.
O sumiço dos moldes de Barbosa é
outro calvário na história do homem que cumpriu a mais longa pena no Brasil.
O goleiro foi apontado
injustamente como culpado pelo Maracazzo, em 1950, ao sofrer o gol de Ghiggia,
quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo para os uruguaios comandados por Obdúlio
Varela.
Até sua morte, em abril de 2000,
foram 50 anos de injustas acusações e o peso nos ombros pela derrota.
Além disso, o mito racista de que
goleiros negros não seriam confiáveis.
Agora, como se não bastasse,
perdem o registro físico da existência de Barbosa.
A vocação do Brasil para o
esquecimento parece mesmo mais forte que qualquer outro impulso.
Somos um país que faz questão de
aviltar seu passado, vilipendiar sua história e jogar no lodo do esquecimento
as memórias de outrora.
No país do futebol temos apenas
dois museus dedicados ao esporte, o Museu do Futebol, grande estrutura que
conta com biblioteca, oficinas itinerantes, mostras temáticas e que funciona
dentro do estádio do Pacaembu, em São Paulo e o Memorial do Maracanã que
contava com a maior Calçada da Fama do futebol mundial.
Mesmo os clubes que deveriam ser
guardiões de suas memórias, não fazem por onde e, apenas cinco agremiações da
Série A mantêm algum tipo de memorial.
O Corinthians é exemplo no
segmento, com o Memorial Corinthians, no Parque São Jorge e o Museu do Povo, na
Arena Itaquera, consegue gerar renda para o clube.
O Santos mantém o Memorial da
Conquistas, na Vila Belmiro.
No Sul, o Grêmio tem o Museu
Hermínio Bittencourt que funciona dentro de sua nova Arena.
Já o Internacional abre as portas
do Museu do Inter no Gigante da Beira-Rio.
O São Paulo tem um Memorial de
Conquistas disponível ao visitante do tour do Morumbi.
Existem outras iniciativas como o
Centro de Memória Atleticana que é produzido por uma organização sem fins
lucrativos, sem vínculo de apoio do Atlético Mineiro e o Flamengo que faz
algumas exposições esporádicas.
A escassez de museus de futebol é
um reflexo da carência de museus no Brasil.
Segundo um levantamento feito
pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), o Brasil tem 3.879 museus
cadastrados, porém não um número oficial de quantos destes estão de fato
abertos ao público.
Pela situação dos mais famosos é possível
perceber que esse número oficial não é muito real.
Para citar dois exemplos
emblemáticos: o Museu do Ipiranga fechado desde 2013 por risco de desabamento e
o Museu Nacional que ardeu em chamas em setembro de 2018.
Imagem: Autor Desconhecido
São dois cenários onde a história
do país foi escrita, no caso do Museu Nacional um acervo de história natural
imenso foi queimado por puro descaso do poder público.
Voltando para o campo esportivo,
somente neste ano, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), se deu conta que era
necessário criar o Hall da Fama do Esporte Olímpico Brasileiro.
Depois de 20 anos do Prêmio
Brasil Olímpico, o Hall da Fama foi inaugurado com os primeiros integrantes:
Torben Grael, da Vela, maior
medalhista olímpico do Brasil; a dupla Sandra Pires e Jackie Silva, do Vôlei de
Praia, primeiras brasileiras a ganharem ouro nos Jogos; e Vanderlei Cordeiro de
Lima, único brasileiro a receber a medalha Pierre de Coubertin.
Falta muita gente nesse Hall que
não está mais aqui para contar suas histórias.
Perdemos mais um ponto.
Com esse histórico não é de se
esperar que o Brasil cuide de acervos sobre futebol já que não consegue
preservar a própria história.
O problema é que esquece-se que
futebol é parte fundamental da expressão popular do brasileiro.
É arte moderna.
Preservar a memória do futebol é
preservar a memória brasileira e possibilitar um futuro, se não melhor, mas que
ao menos não derretam nosso patrimônio como fizeram com a Jules Rimet, há 35
anos, umas das maiores vergonhas brasileiras.
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Que um dia possamos seguir o
exemplo do Chile, que reservou um espaço nas arquibancadas do Estádio Nacional
à memória.
Em 12 de setembro de 1973, um dia
depois de Augusto Pinochet dar um golpe de Estado bombardeando o Palácio La
Moneda e levando a morte o presidente Salvador Allende, o Estádio Nacional de
Santiago foi utilizado como campo de prisioneiros para os opositores do regime.
Enquanto a parte de baixo das
arquibancadas era usada como cela, os camarotes eram usados pelos militares
como salas de interrogatório.
Estima-se que mais de 40 mil
pessoas foram torturadas nas dependências do Estádio Nacional.
Por isso, durante a reforma do
estádio para sediar a Copa América de 2015, os chilenos preservaram um lance de
arquibancada como era originalmente, em 1973.
No setor preservado, por onde os
presos eram levados para o banho de sol, foi escrita uma frase muito poderosa e
que o Brasil deveria aprender a ler, traduzir e escrever em vários lugares
deste país.
Acima do portão 8, lê-se:
Un pueblo sin memoria es un pueblo sin futuro
Aprender com o passado para não
errar no futuro.
Assim como faz a Alemanha com os
memoriais nos campos de concentração nazistas.
É uma lição e tanto para nós, o
país do esquecimento.
Enquanto somem as pegadas, fica o
rastro do descaso.
Por enquanto, ficamos sem museus,
sem pegadas e sem memórias.
Imagem: Autor Desconhecido