Imagem: Autor Desconhecido
Rebelião dos verdadeiros donos do Maracanã
Proprietários de cadeiras cativas pedem indenização por não terem
podido usá-las na Copa do Mundo e nas Olimpíadas
Arturo Lezcano, do Rio de Janeiro para o El Pais
Em 1948, uma campanha inundava os
rádios e jornais do Rio de Janeiro chamando o “dever patriótico” de colaborar na construção do “maior estádio do
mundo”.
Para diminuir o curso da
gigantesca obra do Maracanã, o município teve uma ideia singular: vender os
melhores locais para particulares, alguns por cinco anos e outros de forma
perpétua.
Graças a esse tipo de crowfunding
à moda antiga, o bloco de cimento foi construído a tempo para receber a Copa do
Mundo de 1950.
Os compradores daqueles
pedacinhos de arquibancada e suas famílias ainda hoje são identificados como
depositários de uma herança comum em um recinto mítico.
“Nós nos sentimos donos de uma parte do estádio, especialmente pelo
vínculo emocional. Eu não vou me esquecer da primeira vez que entrei no campo e
vi a massa humana do Maracanã e ali no meio, nosso lugarzinho”, afirma
Daniel Mazola, neto de um daqueles compradores pioneiros e herdeiro da cadeira
até que a vendeu.
“Previ a confusão e a vendi em 2013, quando foi privatizado. Não me
arrependo, vendo o que aconteceu.”
O que aconteceu é que, quase 70
anos depois, o estádio vive em um limbo de abandono e incerteza.
Seu proprietário atual, o Estado
do Rio de Janeiro, declarou-se em falência no ano passado.
E a empresa que lidera o
consórcio que o administra, Odebrecht, está no olho do furacão por seus
contínuos escândalos de corrupção, que salpicam Governos de toda a América
Latina, por isso quer vender a concessão.
Além disso, o recinto, com
capacidade atual para 95.000 espectadores segundo a FIFA, esteve abandonado
durante meses pelo conflito entre a concessionária e o Comitê Olímpico Rio 2016
por causa do estado em que foi devolvido depois das Olimpíadas.
No meio dessa confusão, aqueles
que financiaram o velho Maracanã reclamam seus direitos.
A maioria dos 2.976 proprietários
das 4.968 cadeiras cativas recorreu à justiça para exigir uma indenização por
não terem podido usá-las durante a Copa das Confederações de 2013, a Copa do
Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016.
Nesse carrossel de eventos, o
Estado suspendeu o acesso às cadeiras cativas pelos compromissos adquiridos
primeiro com a FIFA e depois com o COI.
Em troca, estipulou que os
proprietários receberiam uma indenização equivalente ao ingresso mais caro do
estádio.
Mas até hoje, segundo os dados
fornecidos pelo próprio Estado, só foi pago parte do prometido pelas Confederações.
As ações que se referem à Copa do
Mundo e aos Jogos Olímpicos continuam no âmbito judicial.
Em venda
“Estamos cobrando um direito amparado pela lei”, reclama Ricardo
Kutwak, advogado de quase 500 demandantes e ele mesmo proprietário de várias
cadeiras cativas.
“Queremos, além da indenização, uma compensação por danos morais. É uma
frustração não ter podido participar daqueles grandes acontecimentos”,
acrescenta.
A sensação de ser um incômodo em
sua própria casa é compartilhada por outros proprietários. Para Dekko Roisman,
dono de duas cadeiras, “tudo estaria
resolvido se nos tivessem deixado entrar grátis em qualquer outro setor do
estádio durante as competições. Eu teria aceitado até no telhado do estádio.
Garanto que ninguém teria entrado na justiça”, afirma.
“Poderiam ter nos expropriado e tudo teria terminado, mas não fizeram
isso e agora terão que pagar”, conclui.
As cadeiras cativas são herdadas,
mas também podem ser compradas e vendidas em um mercado sempre ativo, como
afirma o próprio Roisman.
“Eu fui convidado muitas vezes, mas em 2007 decidi comprar uma, com os
rumores de que o Brasil seria sede da Copa do Mundo. Paguei mais de 10.000
reais. Três semanas depois valiam mais de 30.000”.
Apesar dos problemas que o
Maracanã atravessa, a bolha não estourou.
Hoje as cadeiras encontradas na
web rondam os 40.000 reais.
Mas o futuro é incerto.
Desde setembro de 2016 o estádio
apresenta um aspecto fantasmagórico.
Só foi aberto no último dia 8 de
março para o jogo da Copa Libertadores entre Flamengo e San Lorenzo de Almagro
porque o clube carioca pagou mais de 1,5 milhão de reais em forma de aluguel e
limpeza das instalações, inclusive a grama, queimada pela falta de uso em pleno
verão tropical.
O grupo francês Lagardère está
perto de chegar a um acordo com a Odebrecht, empresa envolvida em investigações
sobre corrupção, para assumir a instalação que, por enquanto, nunca chegou a
ser um negócio, como aspiravam os concessionários.
Tampouco poderá voltar a ser
aquele templo circular que encerrava um espírito popular e uma mística única,
carregado de história desde o “Maracanazo” de Ghiggia até as Olimpíadas do Rio.
“Quando derrubaram o antigo Maracanã algo morreu dentro de mim”,
confessa Mazola.
O Maracanã nem é mais o maior
estádio do mundo.
Restam o nome, a localização e,
por enquanto, as cadeiras cativas.
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