Hasty foi um dos jogadores
mais notáveis e esquecidos do futebol – que depois foi vítima de um destino cruel
Fonte: The Guardian
Em outubro de 1960 Jim Malone,
presidente do clube de futebol Dundalk, disse ao conselho que havia descoberto
um talento empolgante, um centroavante que estava marcando gol após gol pelo
Newry Town, do outro lado da fronteira na Irlanda do Norte...
Ele era alto e forte, tinha
equilíbrio sobrenatural e era letal ao cabecear.
Dundalk deve contratá-lo
imediatamente, disse Malone...
O nome do jogador era Jimmy
Hasty.
Outro membro do conselho encanou-
se...
Ele tinha ouvido falar de Hasty,
ouviu algo fantasioso - que o sujeito tinha apenas um braço.
Malone admitiu que isso era
verdade...
Tinha mesmo apenas um braço.
Mas Dundalk deveria contratá-lo,
ele disse...
O conselho não costumava dizer
não ao seu presidente, mas o fez desta vez.
Não estamos, disse Malone, no
negócio de aberrações...
Malone então revelou que já havia
contratado o jogador e feito o pagamento com cheque pessoal.
Jimmy Hasty estava a caminho de
Dundalk...
Sessenta anos depois, as
reverberações ainda se espalham pela família de Hasty e por Dundalk, onde a
história do atacante de um braço só é contada e recontada como algo
maravilhoso, algo beirando o conto de fadas.
“A diretoria não estava feliz,
mas Jim Malone acreditava em Jimmy”, lembra John Murphy, 82, que comandou a
equipe no início dos anos 60...
“Nós não sabíamos o que esperar.”
E em 20 de novembro de 1960 Hasty estreou em
uma partida em casa, no Oriel Park contra Cork Celtic...
A curiosidade atraiu o público, a
impressão é que metade de Dundalk apareceu para assistir à partida.
Assim ficou registrada sua
estreia na história do clube:
“Hasty marcou uma vez e trouxe
suspiros de espanto em suas habilidades no futebol”...
“Sua habilidade de fantasma
passado por entre defensores foi recebida com descrença. Também não era apenas
um goleador – ele era o comandante de todos os ataques, segurando a bola até
executar passes perfeitos para seus companheiros.”
A fé de Malone foi confirmada... “Jimmy
tinha um equilíbrio brilhante e poderia marcar com os dois pés; um cabeceio
perfeito; ele tinha tudo o que você gostaria.”
Assim começou o reinado de um dos
jogadores mais notáveis e esquecidos do futebol, um homem que desafiou a
biologia, inspirou colegas de equipe, eletrificou espectadores e tocou a
história esportiva – e então, numa manhã fria em Belfast, foi vítima de um momento
maligno da história.
Hasty nasceu em 1936 em
Sailortown, uma doca multicultural no norte de Belfast...
Uma década antes de outro
prodígio, George Best, nascer no leste da cidade.
Aos 14 anos conseguiu um emprego
em um moinho...
Em seu primeiro dia, uma máquina
pegou seu braço esquerdo, que precisou ser amputado.
A perda do moinho foi o ganho do
futebol porque Hasty se dedicou a treinar e a jogar novamente, primeiro nas
ligas juniores e depois para Newry Town na divisão B da Irlanda do Norte...
Malone, que estava em busca de
talentos, o descobriu e assinou com ele sem pestanejar.
Os companheiros de equipe ficaram
maravilhados com seu novo atacante de 1,80m...
"Não é fácil ser um
jogador de futebol com um braço faltando, você usa muito os braços na corrida,
movimento, equilíbrio. Mas de alguma forma você não saberia que ele tinha
apenas um braço." diz Francie
Callan, 85, que fez parceria com Hasty no ataque.
Os adversários no início
hesitaram em enfrentá-lo, mas isso mudou depois que Hasty marcou uma enxurrada
de gols em seus primeiros 10 jogos...
Um segredo para seu domínio
aéreo: segurar os defensores com seu toco.
"Ele podia se apoiar em
você com aquele toco para que você não pudesse sair do chão, e o árbitro
poderia estar olhando e ver apenas uma manga pendurada", lembra
Murphy...
Os gols fluíram, Dundalk subiu na
tabela e as multidões aumentaram.
"Todo mundo queria ver o
jogador de um braço só", diz Murphy...
"Era como o circo
chegando à cidade."
Quando criança Paddy Malone,
filho do falecido presidente, diz que ele e outros meninos jogaram futebol com
um braço enfiado em um suéter, a manga batendo, para imitar seu herói...
"Nunca consideramos que
Jimmy Hasty tinha uma deficiência, apenas consideramos que ele era um grande
jogador."
Quando Callan, atacante e seu
companheiro de equipe, estava de luto pela morte de seu filho, ele viu um lado
sensível do amigo - "Jimmy me enviou
uma carta, uma carta maravilhosa tão cheia de amor e sentimento. Eu nunca vou
esquecê-lo"...
Callan mais tarde passou a carta
para outro pai em luto que também encontrou consolo nas palavras de Hasty.
Embora muitas vezes afastado por
lesão, Hasty marcou 103 gols em seis temporadas...
Em 1963, Dundalk ganhou a liga,
encerrando uma espera de 30 anos.
"Ele preencheu todos os
terrenos da Liga da Irlanda. As tentativas de marcá-lo com ou sem a bola
estavam fadadas ao fracasso – ele poderia criar gols e espaço para outros",
registra a história oficial do clube...
Talvez o único outro jogador de
um braço a superar as façanhas de Hasty foi Héctor Castro, que jogou e marcou
para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1930.
A glória na Irlanda não levou à
Inglaterra, embora houvesse um boato que Nottingham Forest considerava comprar
Hasty...
O mercado de transferências ainda
estava em sua infância e o braço perdido dissuadiu o interesse, diz Des Casey,
um administrador do Dundalk que mais tarde se tornou vice-presidente da Uefa.
"Ele foi considerado como
severamente deficiente."
A participação na então Copa dos
Campeões da Europa rendeu um cruzamento contra o Zurique da Suíça, na primeira
fase...
No primeiro encontro, em Dundalk,
os suíços venceram por 3 a 0.
O esforço dos irlandeses foi
tamanho que para Zurique para a segunda partida com desfalques e cheios de
pequenos ferimentos, que a piada na época e que eles deveriam ter ido para
Lourdes, cidade portuguesa de peregrinação religiosa...
Curiosamente, quase fizeram um
milagre...
Dermot Cross, marcou o primeiro
gol irlandês, Hasty o segundo e depois, quase marcou o terceiro com um chute
contra a trave – os suíços diminuíram com Feller.
Mesmo vencendo por 2-1, o Zurique
avançou pela vantagem de 4 a 2 no agregado, porém, a equipe do Dundalk entrou
para a história...
Foi a primeira equipe irlandesa a
conquistar uma vitória na Europa.
Hasty ganhou outras honrarias,
como dividir o prêmio de artilheiro da Liga da Irlanda do ano, antes de se
aposentar no final da década de 1960...
Os Problemas estavam em erupção
ao seu redor em Belfast, mas ele fez uma nova vida: casou-se com sua namorada
de infância, Margaret, teve dois filhos, Paul e Martin, e conseguiu um emprego
em uma casa de apostas.
Pouco antes das 8h de 11 de
outubro de 1974, Hasty – então com 38 anos – estava em seu caminho habitual
para o trabalho, descendo a Rua Brougham...
Um carro parou.
Um atirador saiu e abriu fogo,
atingindo Hasty três vezes nas costas...
Testemunhas disseram que do outro
lado da rua ele cambaleou e desmaiou.
Foi um assassinato sectário
atribuído ao Grupo de Ação Protestante, um nome fictício para a Força
Voluntária do Ulster...
Ninguém foi capturado e ninguém nunca
foi acusado.
Vidas Perdidas, uma lista de
pessoas mortas na luta promovida pelo IRA, Hasty foi vítima 1.205...
"O ataque serviu para
espalhar o medo na comunidade católica atingindo um personagem conhecido",
diz Paul Hasty, que tinha dois anos quando perdeu o pai.
"Era
uma mensagem de que todos são um alvo. Eu eles sabiam o que estavam fazendo"...
O assassinato devastou e
empobreceu a família Hasty.
Em Dundalk as pessoas choravam...
"Foi a única vez que vi
meu pai chorar", diz Paddy Malone.
Fãs embalados para uma partida
para arrecadar fundos para a família, muitos pagando bem acima do valor da
entrada de £ 3, acrescenta Malone, que ajudou nas catracas...
Se os assassinos ainda estiverem
vivos, Paul Hasty, agora com 48 anos, deseja que se apresentem pelo bem de sua
mãe, que tem 81 anos.
"Só para dizer por quê.
Eu gostaria que ela tivesse um pouco de paz"...
Jimmy
Hasty não morreu sozinho.
Um transeunte, George Larmour,
embalou-o na calçada e tentou consolá-lo enquanto a vida se afastava...
Em terrível sincronicidade, o IRA
assassinou o irmão de Larmour, John, exatamente 14 anos depois, em 11 de
outubro de 1988.
Um policial de folga e jogador
amador, John estava cuidando do balcão da sorveteria de George...
O atirador perguntou sobre
sabores antes de atirar nele quatro vezes.
As façanhas de Hasty misturadas a
lenda, o material das conversas dos velhos, relatórios empoeirados e retratos
granulados da equipe...
Era tudo o que se tinha.
Então, em 2015, Paul McClean,
pesquisando um documentário sobre Hasty para a BBC Radio Ulster, recebeu um
e-mail de Zurique...
Clipes do jogo de 1963 foram
usados em uma reportagem da TV suíça – e sobreviveram.
"Havia o Jimmy",
diz McClean...
"Vendo como Jimmy se
movia, tudo se tornou realidade."
Paul Hasty tem que experimentar o
que ele achava impossível - ver seu pai jogar futebol.
"Você sabia que não era
um conto de fadas ou inventado", diz ele.
"Foi fantástico. Como cem Natais de uma só vez."
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