domingo, novembro 16, 2025

Belo, perigoso, letal... O Monte Gongga

Imagem: Autor Desconhecido

A montanha mais perigosa do planeta não é o K2 nem o Annapurna: é o Gongga, que tem mais mortes do que cumes alcançados.

Em Sichuan ergue-se Minya Konka, um colosso de 7.556 metros que combina dificuldade técnica, clima extremo e misticismo.

Sua história é marcada por erros fatais, expedições amaldiçoadas e corpos que nunca retornaram.

Por Mariano Tovar

Se o K2 é o assassino elegante do alpinismo, o Monte Gongga é seu primo distante: discreto, desconhecido… e ainda mais letal.

Também conhecido como Minya Konka, este colosso de 7.556 metros ergue-se na província de Sichuan, na China, como uma agulha de gelo solitária.

É a montanha mais alta fora dos Himalaias e do Karakoram e, por décadas, também foi a mais mortal: mais alpinistas morreram tentando chegar ao seu cume do que conseguiram.

A história de Gongga é tão fascinante quanto trágica.

Em 1929, o botânico e explorador Joseph Rock, movido mais pelo entusiasmo do que pela precisão, afirmou que a montanha media 9.220 metros, tornando-a a mais alta do mundo.

A National Geographic publicou sua estimativa sem hesitar, e por três anos acreditou-se que Minya Konka superava até mesmo o Monte Everest.

Foi somente em 1932 que uma expedição americana liderada por Terris Moore e Richard Burdsall corrigiu o erro, medindo com precisão a montanha e estabelecendo sua verdadeira altura.

Aliás, eles foram os primeiros a chegar ao cume.

E então… silêncio.

Por mais de vinte anos, ninguém mais conseguiu.

Até 2003, apenas oito pessoas haviam chegado ao topo, enquanto dezesseis morreram tentando.

Hoje, os números são ainda mais brutais: 24 cumes alcançados contra 37 mortes documentadas.

No Gongga, as probabilidades estão contra você: quase metade daqueles que tentam a escalada morrem na montanha.

Uma taxa de mortalidade em torno de 50%, que em algumas décadas chegou a 80%, faz com que Annapurna (32%) e K2 (22%), os picos de oito mil metros mais perigosos, pareçam quase inofensivos em comparação.

Aqui, não há margem para erro: os erros são custosos.

A razão não era apenas a dificuldade técnica.

Gongga é uma montanha sagrada para os tibetanos, que a consideram a morada dos deuses.

Os monges locais não viam com bons olhos a escalada de estrangeiros ao seu cume e, durante anos, recusaram-se a cooperar com expedições.

Um lama da região chegou a dizer: “Não há lugar mais belo na Terra do que Minya. Mas nem todos estão destinados a chegar ao seu pico.”

E parece que a montanha levou esse aviso a sério.

Em 1981, uma expedição japonesa sofreu um dos piores desastres da história do montanhismo na China.

Oito alpinistas morreram.

Dois corpos foram recuperados 26 anos depois, e seis desapareceram para sempre.

A geleira Halugo, que se estende como uma língua de gelo traiçoeira, os engoliu sem deixar vestígios.

Desde então, Gongga ganhou o apelido de “montanha assassina”, embora nunca tenha recebido a mesma atenção de marketing que suas congêneres do Himalaia.

Gongga também é um lugar de lendas.

Em suas encostas jazem corpos congelados que nunca foram recuperados, presos em fendas profundas ou soterrados por avalanches.

Em 1998, uma expedição suíça encontrou restos mortais a mais de 6.000 metros de altitude, utilizando equipamentos japoneses da década de 1980.

Ninguém sabe ao certo quantos corpos existem ali.

Alguns sherpas locais afirmam que a montanha “devolve o que quer, quando quer”.

E há histórias que parecem saídas de um filme: como a da “vaca sagrada” que, segundo a lenda, desencadeou uma tempestade quando carregadores a abateram para alimentação.

Desde então, os monges proibiram o abate de animais perto de Gongga.

Em setembro de 2025, Gongga voltou às manchetes por uma história tão absurda quanto trágica.

Um jovem alpinista chinês tirou o arnês para tirar uma selfie em uma saliência a 5.500 metros de altitude.

Ele escorregou.

Seu corpo foi encontrado dois dias depois, 200 metros abaixo, entre rochas e gelo.

Em Gongga, a vaidade paga com a vida.

A dificuldade técnica da montanha é outra de suas características marcantes.

Mesmo as rotas mais acessíveis apresentam inclinações de até 50°, com trechos expostos, gelo quebradiço e clima imprevisível.

Tempestades podem surgir em minutos e as temperaturas despencam.

Em 2002, uma expedição russa viveu um pesadelo.

Dois membros da equipe caíram em uma fenda e ficaram presos em uma área inacessível perto dos 7.000 metros, na rota da crista noroeste, com inclinações de até 50° e condições climáticas que se deterioravam rapidamente.

O restante do grupo, após várias tentativas frustradas de resgate e com o tempo e as forças se esgotando, teve que abandoná-los na fenda enquanto ouvia seus gritos de socorro.

Apesar de tudo, Gongga continua a atrair os alpinistas mais ousados.

Em 2017, uma equipe chinesa conseguiu abrir uma nova rota na face norte , antes considerada intransitável.

O líder da expedição, Li Zhixin, declarou: “Não há glória sem risco. Gongga não perdoa, mas também não mente. Se você o respeitar, ele permite a passagem.”

E esse respeito não é apenas físico. Muitos alpinistas afirmam ter sentido uma presença espiritual na montanha. 

Não é incomum que rituais tibetanos, orações e pedidos de permissão às divindades locais sejam realizados antes de iniciar a subida. 

Alguns até carregam amuletos abençoados por monges de templos próximos.

Hoje, Gongga permanece um mistério. 

Não há filas como no Everest, nem cobertura midiática como no K2.

Mas sua lenda cresce silenciosamente, alimentada por cada tentativa, cada fracasso, cada história perdida na neve.

É uma montanha que não busca a fama, mas a merece.

Porque em suas encostas, a vida está em risco mais do que em qualquer outro lugar do planeta.

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