Entre narrativas e falácias: a
temporada 2025 do futebol brasileiro
Na corda bamba dos erros reais
e discursos fabricados, o equilibrista futebol brasileiro mostrou que controlar
a narrativa vale tanto quanto levantar taças
Pedro Henrique Brandão
Antes de qualquer coisa, é
preciso deixar algo cristalino: os resultados esportivos são — e sempre serão —
indiscutíveis.
O futebol entrega o que nenhuma
outra modalidade ousa prometer: a dor e a delícia de vez ou outra entregar a
vitória ao azarão. Títulos não pedem revisão nem aceitam asteriscos.
Eles habitam, com justiça, os
memoriais de glória dos vencedores e repousam, soberanos, nas salas de troféus.
Este texto, portanto, não nasce
para negar conquistas, tampouco para revisar a história pelos atalhos
enfadonhos do “e se”.
A vida real não admite
condicional.
O tempo só anda para frente e —
ao menos no universo conhecido — não aceita realidades paralelas.
O que merece reflexão é outra
coisa: o que estamos fazendo quando passamos a construir realidades paralelas
dentro de um universo absolutamente objetivo?
O futebol brasileiro de 2025 não
gritou apenas por meio de gols, títulos e derrotas.
Ele gritou, sobretudo, por meio
das narrativas que escolhemos amplificar — e das falácias que aceitamos
consumir.
Peço licença pela metafísica
inicial.
Ela é necessária para afastar
qualquer acusação de clubismo barato.
Não se trata de defesa apaixonada
de quem perdeu nem de ressentimento contra quem ganhou.
Até porque — vocês já ouviram
isso antes — ‘não acho que quem ganhou nem quem perdeu, vai ganhar ou
perder. Vai todo mundo perder’.
A continuar tudo como foi em
2025, a frase nunca foi tão profética.
A arbitragem: da crítica
histórica à ficção conveniente
A arbitragem é alvo desde que o
futebol decidiu confiar sua justiça a homens e mulheres de apito.
A injustiça, aliás, é parte
estrutural do jogo.
Quem, em sã consciência, deseja
retirar o único título mundial dos inventores do futebol alegando que aquela
bola não entrou em Wembley?
Em 2025, porém, a crítica
legítima se transmutou em verdade paralela.
A chamada “crise da
arbitragem” produziu uma narrativa sedimentada: a de que o Palmeiras teria
sido sistematicamente beneficiado pelo apito.
Erros pipocaram em todas as
rodadas, em todas as divisões, para todos os clubes.
Jamais se reclamou tanto — e com
tanta razão — dos árbitros brasileiros.
O salto lógico veio depois.
Para transformar incompetência
estrutural em favorecimento institucional foi apenas um passo.
Ou melhor: um pênalti.
No Choque-Rei disputado no
Morumbis, Ramon Abatti Abel não viu, não interpretou e não marcou uma
penalidade clara.
O VAR alegou também não ter visto
o óbvio e a divulgação do áudio que registrou a conversa entre os responsáveis
pela lambança escancarou que a arbitragem brasileira é incapaz de atravessar a
rua sozinha.
O Palmeiras venceu.
Curiosamente, ninguém se
perguntou como o São Paulo, vencendo por 2 a 0 até os 30 minutos do segundo
tempo em casa, sofreu três gols em 20 minutos.
A derrota foi explicada
exclusivamente pela arbitragem.
Plantada a falácia e fabrica a
narrativa.
Estava feito o estrago.
A partir dali o comportamento dos
árbitros mudou — ao menos no discurso.
Menos VAR, mais bola rolando,
critérios “ajustados” na conversa, jamais na prática.
No duelo entre líder e
vice-líder, no Maracanã, a fragilidade de mais um dos “melhores”
árbitros do país — que só tem péssimos árbitros — resultou na não marcação de
um pênalti tão claro quanto o anterior.
O favorecimento havia trocado de
lado?
A resposta honesta é simples: não
houve favorecimento algum.
Houve, isso sim, uma arbitragem
ruim, amadora na pior acepção da palavra e incapacitada por ego e pressões que
se equivalem em grandeza e danos.
O problema é de formação. Em 2025
foi, sobretudo, um problema de informação.
A abertura de microfones para
torcedores travestidos de analistas consolidou no imaginário coletivo a ideia
de que o Palmeiras foi ajudado e mesmo assim fracassou.
Some-se a isso a força simbólica
do clube de maior torcida do país, a lógica da polarização que vende cliques e
manchetes e a fragilidade comunicacional de quem não soube reagir.
Estava armado o picadeiro, aliás,
o cenário perfeito.
Investimento, luta de classes e a
falácia do “primo rico”
Como se a arbitragem não
bastasse, surgiu a segunda narrativa palatável: a do dinheiro malgasto.
Repetiu-se à exaustão que o
Palmeiras investiu R$ 700 milhões e não ganhou nada, enquanto o Flamengo, o “primo
pobre”, teria vencido com menos.
A luta de classes, fenômeno
social secular, funcionou novamente.
O que não se perguntou foi o
óbvio: só o Palmeiras investiu?
Só o Palmeiras perdeu?
Ser vice é pior do que ser sexto
colocado?
Os números desmontam o enredo.
O Palmeiras liderou os
investimentos em 2025 com pouco mais de R$ 700 milhões.
Logo atrás vieram Botafogo (R$
665 milhões) e Flamengo (R$ 277 milhões).
Doze reforços chegaram ao clube
paulista — mais que um time inteiro — para reformular um elenco envelhecido e,
gostem ou não, multicampeão.
O resultado esportivo?
O Palmeiras foi vice do Paulista,
do Brasileiro e da Libertadores.
O Botafogo terminou em sexto no
Brasileirão, caiu nas oitavas da Libertadores e sequer chegou às fases finais
do estadual.
O Flamengo, com um terço do
investimento, conquistou três títulos e saiu fortalecido.
Mas a análise honesta exige
perspectiva histórica.
Em 2024, o Flamengo investiu mais
que o Palmeiras.
Em 2023, novamente.
No recorte desde 2019, os
investimentos dos dois clubes são semelhantes — R$ 1,7 bilhão do alviverde
contra R$ 1,9 bilhão do rubro-negro — assim como suas conquistas.
A explicação para o recorte é
simples: Flamengo e Palmeiras têm times montados ao longo de um período e não
apenas nesta temporada.
Do time titular enviado por
Filipe Luís ao gramado do Monumental de Lima, na decisão da Libertadores,
apenas Jorginho, Carrascal e Samu Lino chegaram à Gávea em 2025.
Por outro lado, nenhum dos 11
titulares foi formado nas categorias de base do clube.
Portanto, todos movimentaram, em
algum momento, valores dos cofres rubro-negros.
O Flamengo venceu mais títulos.
A diferença média de custo por
taça — se é que isso possa ser mesurado — gira em torno de R$ 40 milhões.
Isso explica o futebol?
Não.
Mas repetir que “investiu R$
700 milhões e não ganhou nada” é mais simples, mais vendável e mais
confortável.
O doping financeiro que não
incomoda
Antes que o ano acabasse, mais
uma narrativa se impôs — talvez a mais grave.
O Corinthians conquistou a Copa
do Brasil operando com uma dívida próxima de R$ 2,7 bilhões.
Deve mais do que Palmeiras e
Flamengo investiram em contratações nas últimas sete temporadas.
Três dias antes da final no
Maracanã, o Corinthians divulgou um balancete indicando um déficit de R$ 204,2
milhões até outubro.
A previsão orçamentária para
2026, aprovada pelo — fantasioso — Conselho Deliberativo no início daquelas
semanas, projeta o clube fechando o ano no azul, com superávit de R$ 12 milhões
e de R$ 320 milhões.
O clube sofreu transfer ban da
Fifa em razão da dívida de R$ 33 milhões com o Santos Laguna pela compra do
zagueiro Félix Torres.
A entidade máxima do futebol
também impôs outras condenações pela falta de pagamento na contratação de
jogadores e o valor a ser pago chega a R$ 120 milhões.
Em qualquer país sério — caso
deixassem um time desse seguir competindo —, o prêmio com o título da Copa do
Brasil, cerca de R$ 98 milhões, seria usado para abater a dívida.
Não no Brasil.
Não com o Corinthians.
E aqui mora o silêncio
ensurdecedor: como esse modelo segue sendo celebrado?
Como um clube estruturalmente
deficitário permanece competitivo, enquanto agremiações com contas equilibradas
são rebaixadas e desaparecem da elite?
Isso não é a injustiça poética do
futebol.
É doping financeiro
institucionalizado e celebrado por todos os atores do futebol.
Jejuns, estigmas e o faminto da
vez
Coube ao Vasco da Gama,
vice-campeão da Copa do Brasil, carregar a última cruz — não a de Malta.
O clube passou a ser definido por
um “jejum colossal” de 14 anos sem títulos nacionais.
A história, porém, é menos cruel
do que a narrativa.
O Palmeiras ficou 14 anos sem
títulos nacionais entre 1998 e 2012.
O Corinthians esperou 80 anos
pelo primeiro de sua sala de troféus.
O Flamengo atravessou um deserto
de 14 temporadas entre 1992 e 2006.
Fases ruins são regra, não
exceção. Mas o jejum só pesa sobre o faminto da vez.
Joguem pedra no Vasco da Gama, a
Geni da vez.
Sem títulos, mas com um plano de
reestruturação financeira e administrativa que pouco é mencionado mesmo quando
enfrenta um gigante…da inadimplência.
Gigante que segue empilhando
troféus e é celebrado como o “time do povo” num país que ostenta um povo com
mais de 80 milhões de endividados.
George Orwell escreveu que a
história é contada por quem vence a guerra.
O futebol brasileiro de 2025
escancarou algo ainda mais desconfortável: quem controla a narrativa com
falácias, vence antes mesmo do apito final.
Aos vencedores, a glória.
Aos derrotados, o aprendizado — e
a obrigação de entender que, no futebol moderno, ganhar o jogo já não basta.
É preciso disputar a história.
Feliz ano novo, velho futebol brasileiro!

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