Imagem: El País
“Continuo sonhando que vou seguir mais ou menos no mesmo ritmo”
Edurne Pasaban, a primeira mulher a escalar todas as 14 montanhas com
mais de 8.000 metros de altura, enfrenta o desafio de combinar maternidade e
alpinismo
Por Eduardo Salete para o El País.
Há algumas semanas encontrei
Edurne Pasaban na apresentação de sua linha de roupa esportiva e de montanha
que a Haglöfs realizou em Madri.
Assim que a vi tive a sensação
que tinha perdido um pouco a forma, que me perdoe a interessada quando ler
estas linhas, mas quando ficou de perfil percebi que o que estava acontecendo
com ela é que estava num estado “de boa
esperança”.
“Adeus montanha”, pensei.
Assim, depois da apresentação de
jaquetas e calças esportivas para mulheres, que fez com muito entusiasmo, me aproximei
dela para perguntar como via seu futuro na montanha depois da gravidez.
Fiquei surpreso com o entusiasmo
e o desejo dela de não reduzir a intensidade do alpinismo e, além disso, com a
disposição de fazer viagens com os mais inexperientes para mostrar o mundo da
montanha, que eu achei ainda mais interessante.
Aqui está a entrevista.
Pergunta:
Na apresentação da sua linha esportiva Haglöfs você disse que se
inscreveu bem jovem na escola de montanhismo porque “o monitor era um bonitão”
mais do que por gosto pela montanha. O que fez você redirecionar seus
interesses de um “cara maciço” para um maciço geológico?
Resposta:
Sim, nos inscrevemos com 14 anos, na época só pensávamos nos meninos e
não na montanha, mas depois esse interesse pelos meninos passou, aliás, quando
não me dão bola, tchau, passe bem. Encontrei na montanha uma maneira de me
expressar melhor, eu era uma menina muito tímida, se minhas amigas não tivessem
feito a inscrição naquele curso de escalada para ficar perto daquele rapaz, eu
nunca teria me inscrito. Na época, encontrei na montanha gente mais velha do
que eu, com quem podia me comunicar bem, com quem podia viajar muito. Minha mãe
diz que aí houve uma mudança e comecei a ter mais relação com as pessoas, a me
comunicar mais, a ter mais amigos e é isso que me fisgou na montanha. Eu me
sentia confortável.
P: Você se lembra do momento em que percebeu que seria montanhista
profissional?
R: Isso foi muito mais tarde. Lembro que fui escalando montanhas, aos
15 anos fui para os Alpes fazer o Mont Blanc com o clube, mas aos 18 anos, e
isso nunca esquecerei, fui com um grupo ao Equador para escalar o Chimborazo,
uma montanha de cerca de 6.000 metros (um vulcão de 6.263 metros), e lembro de
um senhor que fazia parte do grupo, cujo nome agora não recordo, que ele me
disse: “algum dia você escalará um 8.000”. E, claro, aquilo ficou gravado,
porque você tem 18 anos, sonha com grandes montanhas, você nunca foi ao
Himalaia, e uma pessoa mais velha do que você, que é uma referência, te diz
isso, me marcou; “oxalá”, pensei. E anos atrás comecei a ir ao Himalaia fazer
expedições, mas não me via profissionalmente na época. Mais do que tudo porque
estava consciente de que era um esporte bastante minoritário e
profissionalmente era muito difícil. Minha vida começou a mudar nesse aspecto
quando comecei a trabalhar no programa de televisão Al Filo de lo Imposible.
P: A primeira montanha é a que mais fica gravada na memória? Qual foi?
R: O Mont Blanc, subir a montanha com 15 anos num grupo de pessoas mais
velhas do que você foi um grande passo, ali sim eu comecei a perceber que
estava me dando muito bem, que gostava e que aquilo me caía bem.
P: O que se faz quando se chega ao topo do Everest? Dá para tomar uma
cerveja?
R: Na verdade é um pouco “vamos para baixo”, lembro que é um pouco
decepcionante porque o Everest é o primeiro 8.000, é a montanha mais alta da
Terra, e eu tinha feito o meu filme, acho que vemos muito cinema de Hollywood,
tipo vou chegar lá, vou gritar, vou abraçar, vou chorar, você realmente faz o
filme e quando está lá nunca acontece porque na verdade assim que se chega é
aquela pressa para tirar a foto, porque temos de descer, chegar ao acampamento
4. Foi uma sensação agridoce fazer o cume do Everest e ter de sair de lá
correndo.
Quando chegamos ao acampamento base, tomamos uma cerveja, lá em cima no
cume ela certamente congelaria.
P: É verdade que no acampamento base do Everest tudo é farra, música e
libertinagem, ou vocês estão se preparando e planejando numa situação de
tensão, olhando para cima para ver se uma janela se abre?
R: Seria legal que rolassem essas festas que se veem nos filmes, em que
todo mundo bebe. Mas as pessoas estão muito concentradas na preparação, há
muito nervosismo, você pode compartilhar uma refeição com outro grupo, mas é
uma refeição e pronto. Mas não são festas, se alguém vai ao acampamento base na
esperança de encontrar uma atmosfera festiva já vou dizendo que não é assim.
P: Em alguma escalada de uma das suas 14 oito mil você disse “por aqui
é impossível passar” e, em seguida, vocês conseguiram passar?
R: Sim, já aconteceu no K2, em 2004. O K2 tem uma parte muito
complicada a uns 8.400 metros no dia em que você ataca o cume, o lugar se chama
“pescoço da garrafa”, é um bastante técnico. Lembro-me de que em 2004 fazia
três anos que ninguém passava por ali porque era muito complicado e as pessoas
davam a volta. Quando chegamos nesse ponto, perto de 5h30 da manhã, e pensar
“eu não passo daqui, com certeza”, uma parede de gelo para escalar, para
escalar no gelo vertical, algo que já é difícil nos Pireneus a 2.000 metros,
imagine a 8.400. Houve um momento de bloqueio, de dizer “daqui não passamos”;
outra equipe italiana tinha pensado a mesma coisa, mas uma pessoa da nossa
equipe espanhola do Al Filo, o Mikel Zabalza, disse: “bom, vamos tentar, vamos
lá”, e olha que pensamos que nunca passaríamos. O Mikel colocou uma corda de
uns tantos metros e naquele dia passamos umas vinte pessoas, fizemos o cume do
K2 depois de vários anos que não se chegava ao cume.
“O que você fez?”, perguntava a
mim mesma. “Serve para algo ter escalado as 14 oito mil ou é uma coisa inútil?”
P: Você tem alguma história para contar em que prometeu construir
igrejas e catedrais se Deus te tirasse dali? E alguma história engraçada?
R: Não fiz uma promessa dessas, mas minha mãe fez promessa de
peregrinar a algum lugar, mas eu não. Mas já estive em lugares difíceis nos
quais se você me perguntasse “você tem fé, peça a Deus ou a Buda ou a quem
for”, sim, eu teria feito. Mas sim, eu cresci em um ambiente religioso e a cada
expedição que eu ia minha avó me dava um santinho, sempre diferente, eu não
sabia que havia tantos santos, no final tenho 25 expedições e 25 santos e
virgens, e sempre os levava dentro da mochila, “se minha avó me deu isso eu vou
levar por precaução”. Mas é verdade que, se você percebe que a situação está
difícil, você está mal ou não pode descer, essas coisas, algo você pede... não
sei se a Deus ou a você mesmo, mas pede “por favor, me tire daqui”.
E aventuras engraçadas... com certeza tenho muitas, mas eram
complicadas e quando passam você as vê de outro ponto de vista e parecem até
engraçadas, mas agora não lembro de nenhuma.
P: Que parte do seu equipamento é imprescindível em todas as suas
expedições? Você pode recomendar algum produto que sempre será útil na
montanha?
R: Tem coisas que são importantes em uma expedição. Para mim, uma das
coisas muito importantes são as meias. Quando tenho de atacar o cume, sempre
uso meias novas, sem lavar nem nada, novinhas. Por quê? Porque a lã, se for
lavada muitas vezes, fica gasta e as fibras são complicadas. Então, para mim o
que não pode faltar são meias novas, com certeza. E também usamos toda a gama
de jaquetas de pluma de ganso, que é importante.
Isso é para montanhas de 8.000 metros, mas quando vou a qualquer
montanha nunca saio de casa sem a jaqueta de Goretex, isso vale para todo
mundo. A jaqueta de Goretex é corta vento, serve para quando faz frio ou vai
chover. E mesmo no verão, porque na montanha o tempo pode mudar muito
rapidamente, então um gore, que hoje evoluiu muito – antes eu usava uma jaqueta
de Goretex de 3 camadas que ocupava metade da mochila, mas hoje existem
jaquetas de Goretex que dobradas cabem na mão. É imprescindível ter uma na
mochila.
Annapurna 8.091 metros
“É a montanha mais perigosa das
14 oito mil. Desde que você põe o pé fora do campo base você vai com medo,
pensando onde vai cair a avalanche. É uma daquelas montanhas para fazer uma vez
na vida... e nunca mais.”
P: Depois das suas 14 oito mil, você dá palestras e cursos de liderança
em empresas. Como o esporte de montanha pode formar um caráter para dirigir um
negócio, uma empresa ou a própria vida pessoal?
R: Isso sempre acontece comigo quando vou dar uma conferência e vejo
gente dizendo: “Essa menina escala montanhas, o que ela vai nos contar, o que
podemos aprender com ela?”, mas no fim existem muitos paralelos entre o mundo
da montanha e uma pessoa que está liderando um projeto empresarial, porque em
ambos os casos existe uma equipe que tem o mesmo objetivo, um objetivo comum, e
trabalhamos para alcançá-lo, e as regras são mais ou menos as mesmas.
P: Você será mãe em breve. É menino ou menina? Como você acha que essa
nova faceta vai mudar sua carreira na montanha?
R: É um menino. Não sei como vai mudar as coisas, porque faz dois meses
que estou preocupada com isso e não sei. A priori não quero que mude, meu plano
de vida é que não mude muito, mas não dá para saber até você não ter um bebê
nos braços, eu nunca fui mãe, as coisas podem acontecer, mas é verdade que
estou fazendo planos para 2018. Continuo sonhando que vou continuar mais ou
menos no mesmo ritmo. Embora amigas minhas, grandes escaladores que foram mães,
me digam “eu continuo escalando, mas não passo mais de 15 dias longe de casa
porque eu não posso, me angustia”; claro, se quem te diz isso é uma grande
alpinista, você pode imaginar o impacto.
P: É verdade que podemos acompanhá-la em alguma viagem? Se organizarmos
uma no blog Adrenalina você nos guiaria?
R: Tenho uma agência de viagens especializada, com o objetivo de poder
ir com as pessoas e mostrar, não os 8.000, mas os lugares que eu mais gosto, os
lugares que eu vivi. Com o maior prazer eu guiaria um trekkking organizado pelo
Adrenalina, me avise.
P: Que destino na Espanha e no resto do mundo você escolheria para essa
expedição?
R: Na Espanha existem muitos lugares, a Espanha é um paraíso no mundo
da montanha, é incrível. Eu escolheria os Pireneus, porque é onde eu moro, e o
Parque Nacional de Aigüestortes é demais para fazer uma trilha no verão.
E no mundo, eu iria para qualquer lugar, mas amo o Nepal. Tenho de ir
algumas vezes por ano para lá, é uma mistura de montanha e cultura, e a maneira
de ser das pessoas faz com que você se apaixone pelo lugar.
P: Finalmente, que conselho você daria ao leitor do Adrenalina para se
iniciar na montanha?
R: Que nada é impossível, você tem de encontrar gente para aprender,
nisso eu fui muito feliz porque conheci pessoas que me ensinaram muito, e no
fim das contas você tem de ir com pessoas que tenham muita experiência, porque
a montanha está lá e parece que qualquer um pode ir, e é isso, mas é um
ambiente natural que não se pode controlar 100%, por isso aprender com aqueles
que sabem é muito importante.