Imagem: Autor Desconhecido
No futebol uma mentira repetida várias vezes… não qualifica nem se
torna verdade
Por Juan Silveira para o blog Comunicação, Esporte e Cultura
Algumas construções midiáticas,
muito difundidas no Brasil, como “a maior indústria automobilística da América
Latina” ou “o país autossuficiente em petróleo”, deveriam ser para o jornalismo
sério motivo de análise e crítica e não de multiplicação ou amplificação.
O mesmo serve para o tal epíteto
de “país do futebol”.
Uma indústria não é uma
montadora, uma indústria pressupõe outros requisitos vitais como:
desenvolvimento de produtos, investimento em tecnologia, pesquisas laboratoriais
de novos materiais, estudo de processos métodos e tempos, desenvolvimento de
ferramental, etc.
Fora disso só podemos dizer que o
Brasil tem a maior “montadora” da indústria automobilística da América Latina.
Um país que explora e exporta petróleo
cru, mas depende da importação de gasolina e derivados do petróleo, para
colocar sua frota de automóveis e caminhões em movimento, ou importação de
termoplásticos para tocar a indústria de transformação, nunca será
autossuficiente.
O Brasil foi, é e será, se não
mudarem as políticas públicas de educação e de desenvolvimento industrial, no
que tange à formação de elementos da área técnica, em todos os níveis, e de
tecnologia e pesquisa, um país dependente das oscilações das commodities, um
exportador de matéria-prima e mão de obra barata.
No futebol não poderia ser
diferente. Exportamos “pé de obra” (Arlei Damo), que carece de alto
investimento material e econômico, e importamos o espetáculo pronto, junto com
a repatriação de atores em final de carreira.
Técnicos e staff executivo não
entram nesse rol de exportações, só pé de obra, e às vezes em formação ainda.
O fato de saber jogar futebol não
significa excelência no gerenciamento de grupos, nem qualidade na arte de obter
o máximo de cada peça, assim como dominar um instrumento não converte nenhum
músico num maestro.
O Brasil é o maior exportador de
jogadores de futebol do mundo, mas relativamente é o que menos jogadores tem
atuando nas 6 maiores ligas da Europa.
Quando falamos em técnicos ou treinadores
o índice é nulo: não existem técnicos brasileiros nas 10 maiores ligas do
futebol mundial.
Pesquisando sobre a nacionalidade
dos técnicos das equipes da última edição da Copa Libertadores de América,
verifiquei que das doze seleções, 6 eram treinadas por argentinos, dos quais 4
levaram suas equipes às quartas de final: Argentina (Gerardo Tata Martino);
Paraguai (Ramon Diaz); Chile (Jorge Sampaoli) e Peru (Ricardo Gareca), somando
os eliminados nas oitavas de final: Colômbia (José Pekerman) e na fase de
grupos: Equador (Gustavo Quinteros).
Essa supremacia não é evidente
somente no nosso continente, ela se repete entre os técnicos das seleções
classificadas para Rússia 2018.
Os técnicos argentinos são a
maioria: Argentina (Jorge Sampaoli); Colômbia (José Pekerman); Egito (Héctor
Cuper) e Peru (Ricardo Gareca).
Fora os argentinos, os países com
2 técnicos são: Portugal, Espanha, Bósnia, Colômbia e França.
Esse panorama deixa claro que
algo acontece com os técnicos e com as autoridades do país do futebol, em
primeira instância, já que os cursos de treinador da CBF não têm o
reconhecimento dos órgãos com maior prestígio do futebol mundial.
Nem a UEFA nem a FIFA reconhecem
que os cursos ministrados no Brasil tenham nível para que seus formandos tenham
aceitação nas principais ligas do futebol mundial.
A contratação de Luxemburgo pelo
Real de Madrid e Felipão pelo Chelsea passaram por um expediente diferenciado,
de caráter excepcional.
Foram liberados sem a Licença Pró
e não deixaram títulos nem saudades.
Inicialmente, lancei o desafio
nas redes sociais em busca de pistas, e foram várias as opiniões proferidas
sobre o assunto.
A barreira idiomática e o fato da
CBF não possuir um curso certificado pela FIFA ou UEFA seriam os maiores
empecilhos para que os técnicos brasileiros atuassem nas maiores ligas da
Europa.
A barreira idiomática existe para
todos os técnicos, se fosse esse um motivo, a China e o Oriente Médio não
seriam mercados tão explorados por técnicos brasileiros; e, em compensação,
deveríamos ter vários técnicos brasileiros em Portugal ou nos países de língua
portuguesa na África.
Não obtive opiniões que
levantassem outros motivos, portanto algumas especulações pertinentes geradas
nas minhas observações serão trazidas à tona neste artigo com o propósito de
tentar entender esse contraste, entre elas:
–
a falta de rigidez tática por parte dos técnicos e jogadores
brasileiros, basta o time ir perdendo para que cada um decida ser o herói da
virada e se esqueça da tática, do conjunto, enfim do time;
–
a classe dos técnicos brasileiros é composta na sua quase totalidade por
ex-jogadores – medíocres, com raras exceções – todos oriundos de classes
sociais com baixa escolaridade, que na sua maioria não tem curso superior ou se
tem é na área de Educação Física; a gestão de grupos humanos e a liderança
exigidos de um comandante passam longe desse curriculum;
– o culto ao individualismo, em detrimento do
conjunto, onde “a qualquer momento o craque faz um gol” e ganhamos o jogo,
também conta negativamente.
Enfim, me parece que o fato de o
Brasil ter ganho 5 campeonatos mundiais, num esporte onde ganhar nunca
significou ser o melhor – vide a Hungria de 1954, a Holanda de 1974, o Brasil
de 1982 ou a Argentina de 1994 –, não é.
Hoje comprovadamente, sabemos que
existem corrupção e manipulação política na FIFA – comandada num período de 24
anos por um brasileiro – somadas a uma promiscua relação com os grandes
conglomerados da mídia.
Caberia à CBF como entidade
maior, buscar recursos e conhecimento na área acadêmica para promover um curso
cujo curriculum se adequasse às exigências da Licença Pró.
Por outro lado, se os técnicos
formassem uma classe unida poderiam somar forças e obter os resultados
esperados.
À mídia hegemônica, caberia – se
a seus interesses atendesse – dar força ou não a esta iniciativa.