Vetar protestos dos atletas em campo é ferir sua liberdade de expressão
Por Rodrigo Mattos
Sócrates pedindo eleição direta em campo na década de 80?
Não pode.
Tommie Smith protestando contra o racismo no pódio da Olimpíada de 1968?
Não pode.
Jogador pedindo um calendário de jogos mais justo no gramado?
Não pode.
Você (atleta) está aí para me entreter, estou pagando e eu te digo sobre o que falar e quando.
É essa a lógica do jornalista e apresentador da Globo Tiago Leifert ao defender, em texto publicado na revista ''GQ'', que não devem haver manifestações políticas de atletas no campo esportivo.
Uma opinião legítima porque não defende proibições, mas apenas mostra desagrado.
É, no entanto, um ataque à liberdade de expressão dos atletas.
Primeiro, lembremos que a posição de Leifert não é nova e está alinhada com o que pensam a Fifa, o COI (Comitê Olímpico Internacional), a CBF, entre outras entidades organizadores de competições.
Esses organismos, sim, vetam as manifestações políticas e as punem, Smith foi banido do esporte olímpico.
A lógica por trás de sua argumentação é de ser o esporte um espaço para união entre pessoas diferentes e que levar a discussão política para dentro dele poderia interferir nesse objetivo.
A argumentação de Leifert é no sentido de que a manifestação política vai interferir no entretenimento das pessoas.
Escreve ele: ''Não acho justo ele (atleta) hackear esse momento, pelo qual está sendo pago, para levar adiante causas pessoais. É para isso que existe a rede social: ali, o jogador faz o que quiser. No campo? Ele está para entreter e representar até mesmo os torcedores que votam e pensam diferente.''
Ora, o futebol é entretenimento para milhões, mas não é só isso.
É uma manifestação cultural das mais relevantes do Brasil, e é neste ambiente que se costumam desenvolver várias discussões nas sociedades.
Uma peça de teatro também é entretenimento e algumas delas foram importantes para discutir problemas sociais como racismo.
Um filme é entretenimento e pode discutir a importância da luta pelo voto da mulher, ou o assédio contra elas.
Mesmo jogos de futebol ou filmes que não têm aparentemente nenhum ato político têm mensagens políticas.
Ou o aviso de Rodrigo Caio ao árbitro de que Jô não fizera falta não era uma atitude política?
Ou quando Daniel Alves comeu uma banana jogada por um torcedor em ato racista não é um ato político?
Boa parte das atitudes que tomamos em nossa rotina ou em nosso trabalho são atos políticos por serem posições que adotamos diante de questões postas pela sociedade.
Pregar que atletas e jogadores se limitem a nos entreter é uma forma de poda-los, de diminui-los como pessoas ao considera-los meros joguetes, é censura (Leifert não prega censura porque simplesmente diz não gostar, mas a Fifa e e o COI, sim).
''Ah, ele pode se manifestar fora dali''.
Quem determina qual a arena que a pessoa pode se manifestar?
Por que não no estádio?
Por acaso alguém se acha dono do espetáculo ou o futebol e o esporte são de todos nós?
Jogadores e artistas são hoje os grandes ícones da sociedade.
O texto de Leifert não é uma manifestação isolada pois há uma onda de repressão à opinião de atletas.
O presidente dos EUA, Donald Trump, atacou protestos de jogadores da NFL e pediu punições.
Uma apresentadora da Fox mandou Lebron James ''calar a bola e driblar'' após ele dar entrevista com críticas a Trump.
A Premier League multou Guardiola por usar um símbolo do movimento separatista da Catalunha.
Ao tentar calar ícones da sociedade, esses movimentos ferem o direito de atletas se expressarem da forma que quiserem, e onde quiserem, e contribuem para uma sociedade mais alienada, e menos questionadora em relação aos nossos problemas.
Se não fosse no campo, a manifestação dos jogadores do Bom Senso por um melhor calendário nunca teria sido ouvida e vista como ocorreu.
A sociedade só perde em cala-los no seu ambiente.