Imagem: Miroslav Blazevic
Blazevic e a origem do 3-5-2
Há muitos que reclamam a paternidade do 3-5-2, mas entre eles há um homem com razões para sentir-se o pricipal protagonista desta saga tática
Por Alexandre Martins para o futebolmagazine.com
Nos anos oitenta o futebol reagiu ao fim do Futebol Total e à estagnação do 4-4-2 de inspiração britânica com uma volta ao passado e a época dos três zagueiros.
Num curto espaço de tempo começaram a brotar distintos projetos que colocavam o ênfase na importância de um novo modelo adaptado a um mundo sem centroavantes clássicos.
Contra o que muitos podiam imaginar o pioneiro da metamorfose não chegou do futebol nórdico ou argentino.
Foi na velha Iugoslávia que o 3-5-2, hoje tão de moda, verdadeiramente deu sinais de vida.
A consagração do 3-5-2 na França
Em 1998 a selecção da Croácia tornou-se a grande sensação do Campeonato do Mundo.
Não era novidade que o jovem país dos Balcãs tinha potencial, algo que o Eurocopa da Inglaterra, dois anos antes, já tinha claramente demonstrado, mas no torneio em solo gaulês ficou claro que os croatas tinham armas e argumentos para ambicionar fazer parte da elite continental.
Mais além do enorme talento individual de alguns dos seus internacionais, com Davor Suker, Zvonimir Boban, Robert Prosinecki ou Robert Jarni à frente, os croatas contavam igualmente com um modelo táctico que encaixava perfeitamente nas debilidades mais evidentes dos modelos tradicionais dos anos noventa, onde os pontas-de-lança de elite começavam a escassear e o jogo, cada vez mais, se disputava no meio.
Depois de uma difícil fase de grupos, onde se viram superados pela Argentina – os croatas colocaram em prática o seu particular modelo de jogo e graças a ele foram eliminando os favoritos romenos e alemães até alcançar as semifinais onde ficaram a um breve suspiro de ser uma das maiores surpresas da história do futebol, não fosse a presença salvadora de Lilian Thuram naquela noite quente de Paris.
Para não deixar dúvidas, o terceiro lugar conquistado contra uma, isso sim, desmotivada Holanda, confirmava o êxito prático da teoria.
E reivindicava, definitivamente, a polémica figura de um pioneiro, o seleccionador Miroslav Blazevic.
O pai espiritual do futebol croata tinha sido determinante na aplicação táctica, em 1993, quando como treinador mudou de uma versão francamente ofensiva e vertical do 3-5-2 que tinha conhecido o seu auge nos anos oitenta mas que, depois da explosão do modelo de Arrigo Sacchi em Milão e da progressiva passagem do velho 4-4-2 para um mais moderno 4-2-3-1, parecia estar em declive.
Blazevic não acreditava nessa tão anunciada morte e desde o principio inculcou esses princípios à sua talentosa geração de jogadores – muitos deles parte da equipa campeã mundial de sub-20 com a Jugoslávia, em 1989 no Chile – formando assim um conjunto sólido, compacto e com vontade de vencer.
Em 1996 a equipa croata aterrou em Inglaterra silenciosamente, como underdogs num grupo onde os favoritos eram, a Dinamarca, e a geração dourada portuguesa.
Os lusos acabaram por vencer o grupo – incluindo uma vitória por 3 a 0 na última jornada contra os balcânicos – mas as vitórias croatas sobre dinamarqueses e turcos foram suficientes para selar a classificação que esbarrou contra uma dura e crua Alemanha.
Blazevic não atirou a toalha e dois anos depois conseguiu a desforrar frente aos germânicos.
A medalha de bronze no Mundial foi o apogeu dessa geração, já demasiado cansada para repetir a dose no Europeu de 2000, para o qual nem sequer se classificaram, e a anos luz da sua melhor versão nos torneios seguintes, já com outra geração e com outra liderança técnica.
O que no entanto o Mundial de França confirmou foi a ideia pioneira de um homem, quase duas décadas depois de que essa visse a luz por primeira vez.
A viagem táctica de Blazevic.
Carlos Billardo reclamou em diversas ocasiões a paternidade do 3-5-2.
O argentino, efectivamente, popularizou o modelo graças ao seu triunfo no Mundial do México e em 1984 a equipa argentina que comandava, sem grande êxito, desde o Mundial de Espanha, começou efetivamente a utilizar o modelo para potencializar o gênio de Diego Armando Maradona.
No período entre 1984 e os terrenos de jogo tórridos do México, a Albiceleste disputou um total de seis jogos com o esquema inovador em que os laterais tinham uma controlada projeção ofensiva e um terceiro central, exercendo a função de libero, reforçava as funções defensivas do coletivo, permitindo a Maradona tempo e espaço para colocar em campo todo o seu gênio.
Também a Dinamarca de Sepp Piontek popularizou nesse torneio o seu modelo inspirado no 3-5-2 mas no caso dinamarquês essa variação tinha chegado, dois anos antes, da metamorfose de um 1-3-3-3 inspirado na escola holandesa e actualizado pela ausência de Allan Simonsen, lesionado gravemente durante o Europeu de França e que nunca mais conseguiu alcançar o nível estelar dos anos anteriores, provocando que o seleccionadoralemão encaixasse atrás de uma dupla de ataque móvel com Michael Laudrup e Preben Elkjaer, um quinteto de centro-campistas de distintas características.
Nenhum deles, no entanto, foi o genuíno pioneiro no modelo que tinha nascido, efetivamente, quatro anos antes, em Zagreb.
Em 1982 Blazevic voltou a casa depois de uma passagem pelo futebol suíço.
Jogador consagrado no futebol croata dos anos sessenta, o agora técnico decidiu permanecer na Suiça, onde terminara a carreira de jogador assumindo primeiro o cargo no Vevey e logo depois no Sion e Lausanne antes de se converter em treinador da seleção helvética seguindo os passos de Karl Rappan, quatro décadas depois.
Tal estava enraizada no futebol suíço a cultura de Rappan que foi aí que Blazevic começou a tomar contacto com a dimensão do jogo a partir de um modelo sem tantas peças de ataque, redistribuídas entre defesas e meiocampistas.
Se a isso se somava a larga tradição jugoslava no papel do libero – imortalizada por Vasovic, capitão do Partizan e figura fundamental do Ajax de Michels mas também pelo técnico Zlatko Cajkovski que a transportou para o Bayern de Munique e com ela ajudou a imortalizar a figura de Beckenbauer como o onipresente Kaiser – e começavam a juntar-se as peças do puzzle que ganharia forma anos depois.
De regresso à sua Croácia natal, Blazevic começou em 1979 por treinar o Rijeka mas no ano seguinte assumiu o controle de um time em baixa, o Dinamo de Zagreb.
Logo no primeiro ano levou a equipe a quinta coloação da exigente liga jugoslava.
No ano seguinte conquistou o título nacional e a Copa da Iugoslavia com uma equipe de forte projeção ofensiva,mas que começava rtendo os seus alas ofensivos em meio-campistas.
Vendo que a maioria dos seus rivais cada vez se rendia ao 4-3-3 ou ao 4-4-2, Blazevic entendeu que o papel do lateral como marcador de atacantes bem abertos estava no fim e optou então por operar uma metamorfose no desenho do colectivo.
Recuou um dos meias ofensivos defensivos para a posição de libero, atrás dos centrais, entregando o papel ao veterano Zejic, dando-lhe autorização para assumir o papel de construtor de jogo desde a defesa, operando atrás ou à frente dos dois centrais, uma vez com a bola nos pés.
Ao seu lado actuavam Cevktokic e Hadzic, mas ao contrario do velho WM, os três defensores moviam-se num triângulo que não abandonava a grande área, deixando a zona lateral vazia de ocupação fixa mas patrulhada pelos dois alas, inspirados nos tornantes do catenaccio, que tinham como missão mover-se por toda a ala em missões de ataque ou de defesa, de acordo com s ditusção do jogo.
À frente da defesa Blazevic instalou um meia defensivo para permitir manter o equilíbrio táctico, e à sua frente dois centro-campistas mais criativos atrás da dupla de ataque que habitualmente se movia entre um jogador mais livre e um atacante mais fixo.
Deste modo a equipe alinhava, na prática, a três zagueiros, cinco centrocampistas e dois atacantes mas o modelo permitia-lhe jogar com o desenrolar da partida, ora basculando para o ataque através do papel do libero ora recuando os alas a ponto de formar um 5-3-2.
De Zagreb ao Mundo, o êxito do novo modelo
A experiência de Blazevic começou a ganhar forma progressivamente em 1981/82 com o título conquistado pelo Dinamo de Zagreb, principalmente porque as equipas rivais, pouco habituadas a este novo posicionamento dos jogadores, começavam invariavelmente os jogos a perder o que permitia a Blazevic jogar na segunda parte com o recuo dos meias/ala à função mais defensiva de laterais e assim consolidar a vantagem da equipe.
Na seguinte temporada, as equipes já sabiam o que esperar, mas ainda assim o Dinamo chegou à última jornada com cjhances de ser campeão, um título que acabou nas mãos do Partizan ainda que tivessem tido a oportunidade de desforrar-se ao vencer a Taça da Iugoslávia.
Problemas com a direcção levaram Blazevic a abandonar o clube, regressando ao futebol suíço, onde repetiu a fórmula ganhadora e levantou os títulos de campeão helvético com o Grashopers.
Cinco anos depois, já depois do 3-5-2 como sistema ter passado de ser uma exótica novidade no México 86 a estar absolutamente datado no Europeu de 1992, o técnico assumiu os destinos da selecção croata operando um renascimento inesperado do 3-5-2 e lançando as sementes para que vários técnicos, ao longo dos vinte anos seguintes procurassem de novo explorar as suas virtudes a ponto de converter-se, trinta anos depois da sua concepção original, num dos novos sistemas tácticos em voga.
Se a Argentina de Billardo demonstrou a sua eficácia e a Dinamarca de Piontek a sua expressão mais ofensiva, será sempre no entanto a Croácia de Blazevic a equipa que melhor soube exprimir as virtudes e os atrativos do sistema que o próprio técnico, no segredo dos deuses, para lá de um muro invisível, ajudou a nascer muito tempo antes da sua consagração definitiva.