Imagem: Gilvan de Souza/Divulgação/Flamengo/El País
Por que os clubes de futebol se endividam tanto no Brasil
Ações trabalhistas, juros bancários e dívidas fiscais fizeram o déficit
das principais equipes brasileiras chegar em quase sete bilhões de reais em
2018
Por Diogo Magri, para o El País
Acompanhar a saúde financeira dos
principais clubes de futebol do país é rotina para os torcedores mais aficionados,
mesmo que estes não sejam experts em economia.
Afinal, dívidas significativas
resultam na necessidade de venda de bons jogadores, o que, por sua vez, impacta
diretamente na qualidade do time em campo.
Segundo levantamento da Sports
Value, agência especializada em marketing esportivo, com base na divulgação do
balanço econômico dos clubes brasileiros em 2017, Botafogo (719 milhões de
reais), Internacional (700 milhões de reais), Fluminense (560 milhões de
reais), Atlético Mineiro (538 milhões de reais) e Vasco (506 milhões de reais)
formam o top cinco dos clubes nacionais mais endividados — ao menos três deles
acumularam mais rebaixamentos do que títulos nacionais nos últimos anos.
O mesmo torcedor que cobra boas
administrações e sofre com as consequências dos déficits se pergunta: por que
meu clube se endivida tanto?
“São três os fatores mais pesados: dívidas fiscais, ações trabalhistas
e juros bancários. Os clubes devem para governo, ex-jogadores e bancos”,
diz Amir Somoggi, consultor de gestão esportiva e diretor da Sports Value.
Segundo dados da agência, os 20
maiores times do Brasil acumularam 6,75 bilhões em dívidas no ano passado; um
crescimento de 77% no último quadriênio, período no qual a inflação acumulou
alta de 43%.
De acordo com Somoggi, a
prioridade dos clubes é a sobrevivência.
Logo, com orçamentos que não
conseguem cobrir todos os déficits, os salários de jogadores — "porque são eles que ganham os
títulos" — são prioridade, enquanto impostos e dívidas trabalhistas
ficam em segundo plano.
"A única dívida que [os clubes] pagam em dia é com os bancos.
Ex-jogador e governo ficam na fila para receber", completa o
consultor.
A análise é endossada por Mario
Celso Petraglia, presidente do conselho deliberativo do Athletico Paranaense,
que também chama a atenção para gestões inconsequentes e a falta de preparo dos
diretores de futebol no Brasil.
"Os clubes não são conduzidos como empresas. Seus dirigentes
entram com alguns interesses acima da instituição, buscando promoção pessoal e
o sucesso imediato em campo, sem consequências. Esses objetivos a qualquer
preço levaram os clubes ao endividamento".
O Athletico, onde Petraglia
também foi presidente do clube, tem a 12ª maior dívida do Brasil (298 milhões
de reais).
Dentro dos quase sete bilhões de
reais em dívidas dos principais clubes brasileiros, 37% (2,5 bilhões de reais)
são dívidas fiscais; multas aplicadas pelo fisco como punição a impostos
sonegados pelas diretorias.
Parte delas cabe a uma discussão
legislativa entre equipes e Receita Federal, na qual os clubes alegam ser
associações sem fins lucrativos, o que os isentaria de alguns impostos sobre o
lucro, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), enquanto a
Receita os classifica como sociedades empresariais, que são obrigadas a pagar
esses tributos.
“Todos os clubes brasileiros que conheço cumprem as condições de ser
uma associação sem fins lucrativos (diretores não remunerados e lucros
investidos no próprio clube) com o objetivo de ter esse benefício tributário”,
afirma Rafael Marchetti Marcondes, advogado especialista em direito tributário
e professor da Escola Paulista de Direito.
Em 2011, o Athletico-PR foi
autuado em 85 milhões de reais pela Receita Federal por não ser considerado uma
associação sem fins lucrativos, e só foi isentado da multa integral no início
de julho de 2018, após julgamento no Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (Carf), conforme conta Petraglia.
Outros clubes brasileiros, como
Santos, Goiás e Coritiba, também sofreram processos na Justiça por conta da
mesma discussão.
Marcondes e Somoggi convergem na
opinião de que a isenção é justa segundo a lei.
"Me parece que existe apenas uma insatisfação do fisco com a
legislação, não uma burla da lei por parte dos clubes", avalia o
advogado.
O consultor, entretanto, faz uma
ressalva:
"Valeria muito mais a pena para os clubes se declararem sociedades
empresariais, pagando o que precisam e sendo livres do amadorismo. Mas também
não foi essa discussão que fez as dívidas dos clubes chegarem aos sete bilhões de
reais".
A parte mais considerável do
déficit fiscal é fruto de autuações da Receita Federal por impostos
obrigatórios aos clubes de futebol, e não diz respeito às isenções da
legislação.
"Os clubes praticam sonegação fiscal", afirma Amir
Somoggi.
"Eles não são isentos de pagar imposto de renda de pessoa física e
INSS, e não pagam. A Receita vai atrás do que eles devem e isso gera multas
gigantescas".
Do salário integral do atleta de
um clube de primeira divisão no Brasil, são descontados 10% de INSS e 27,5% de
imposto de renda — esses valores, no entanto, não são recolhidos pelo Governo.
"Os clubes ficam com um valor que não é deles. Chamamos de
apropriação indébita. A dívida tributária que os clubes têm é baseada nesse não
recolhimento", conta Petraglia.
Entre as dívidas fiscais, a do
clube paranaense é a segunda menor: 11,5 milhões de reais.
Botafogo (325,7 milhões de
reais), Flamengo (300,5 milhões de reais) e Atlético-MG (237,1 milhões de
reais) foram os brasileiros com os maiores déficits tributários em 2017.
O time de Minas Gerais foi, entre
os grandes, quem mais diminuiu percentualmente (17%) seu déficit em relação a
2016, enquanto o Botafogo foi quem mais aumentou: 20%.
Lei Profut
A Lei Profut, sancionada em 2015
pela então presidenta Dilma Roussef, foi criada com o objetivo de renegociar
débitos fiscais com clubes de futebol e facilitou o pagamento das dívidas nos
últimos anos.
Ela permite que os times escolham
os débitos renegociados, que podem ser parcelados em até 180 vezes com redução
dos juros.
“É benéfico também para o Governo, porque garante a arrecadação e
impede um processo burocrático muito lento e custoso. Não é uma situação
exclusiva do futebol”, explica Rafael Marcondes.
O único clube grande a não
recorrer à lei foi o Palmeiras.
“Foi um caso único porque se estruturou e tinha o Paulo Nobre, um
mecenas, na presidência”, justifica o advogado. Amir Somoggi completa afirmando
que o Palmeiras não quis entrar no acordo com o Governo "para demonstrar
liberalismo".
"Mas tem dívida com o Governo federal", ele ressalta.
"Ela é menor, mas tem. E o clube não quebraria se a Receita
executasse um processo, ao contrário do Botafogo, por exemplo".
Somoggi classifica a Lei Profut
como "esquizofrênica",
argumentando que os maiores devedores receberam descontos e poderão seguir com
suas administrações inconsequentes.
"O Profut só serviu para beneficiar a má gestão. Quem pagava tudo
em dia não recebeu um benefício, enquanto quem devia milhões foi ajudado. Na
hora de escolher entre salários e dívidas, eles vão continuar pagando quem
consegue ganhar o campeonato agora".