Imagem: Autor Desconhecido
Quando a vida beira a arte: o
hollywoodiano tetracampeonato mundial da Itália
Por: Dyego Lima
09 de julho de 2006.
Há exatos 13 anos, Fabio Grosso
estava parado na meia-lua da grande área do Estádio Olímpico de Berlim.
A bola, estática na marca do
pênalti.
Ele, com as mãos na cintura, a
encarava.
Um pouco além, Barthez, imóvel na
linha do gol, era o inimigo que o separava da glória.
Grosso parecia tranquilo.
Fez até questão de ignorar as
quase 70 mil pessoas presentes no estádio, todas com as atenções voltadas para o
lateral.
Sem olhar uma vez sequer para o
adversário à sua frente, Grosso partiu lentamente em direção a bola...
Esse foi o último ato de um
roteiro que, no final, apontou a Itália como tetracampeã da Copa do Mundo.
A adversária era a França e a
conquista aconteceu na Alemanha.
Há uma relação entre eles
futebolisticamente falando, mas se lembrarmos de toda a questão política que
envolveu os três países no passado, tudo fica ainda mais significativo.
No entanto, este texto vai além
da relação antiga de três nações e de uma cobrança de pênalti numa final de
campeonato: o caminho italiano até o título foi um verdadeiro filme de
Hollywood.
E em homenagem ao aniversário
dessa vitória, vamos relembrar como se desenrolou esse script.
O escândalo pré-Mundial
Depois da eliminação polêmica
para a Coréia do Sul nas oitavas de final do Mundial de 2002, a seleção italiana
estava disposta a se vingar, mas perdeu nomes importantes para a Copa de 2006.
Maldini e Vieri não iriam para a disputa na Alemanha e o elenco, tido como
velho e sem jovens promessas, chegava como incógnita e sem favoritismo.
No entanto, antes mesmo do torneio
iniciar, o cenário, que já não era dos melhores, ficou pior.
Em maio daquele ano, véspera do
Mundial, veio à tona um dos maiores escândalos da história do futebol italiano:
o Calciopoli.
Naquela temporada, 2005-06,
Juventus e Milan disputavam ponto a ponto o título nacional.
Foi quando surgiram gravações
telefônicas, ainda da temporada passada, que mostravam Luciano Moggi e Antonio
Giraudo, principais diretores da ‘Juve’, influenciando os chefes da arbitragem
nacional.
Eles tinham poder de escolher
quem iria apitar os jogos da equipe de Turim e de seus adversários, além de
ditar qual comportamento eles deveriam ter durante as partidas.
A Juventus acabou campeã naquele
ano, mas o título foi pouco comemorado, justamente porque torcedores e jogadores
sabiam da iminente punição que viria.
A Juventus sofreu as sanções mais
pesadas: teve revogado seus títulos das temporadas 2004-05 e 2005-06, foi
rebaixada para a Série B de 2006-07, além de começar a disputa com -9 pontos.
Após investigações, novos
telefonemas incriminaram outros clubes.
Assim, Fiorentina, Milan, Lazio,
Reggina e Arezzo também foram punidos.
Tudo isso conturbou ainda mais o
ambiente na seleção.
Porém, os torcedores italianos
conheciam bem aquele cenário: pouco antes da disputa da Copa de 1982, um
escândalo parecido, nomeado de Totonero, estourou no país.
O resultado daquele Mundial?
Itália tricampeã do mundo.
Seria o destino aprontando de
novo?
Eles acreditavam que sim!
1° fase e o surgimento de
Materazzi
Marcello Lippi, um dos maiores
vencedores do futebol europeu, era o responsável por tentar gerir todo aquele
caos.
E para melhorar o ânimo de seus
comandados, usou toda aquela situação como combustível para chegar à final em
Berlim.
Movidos pelo lema “um por todos e
todos por um”, iniciaram sua caminhada em solo alemão.
Recheado de jogadores renomados,
o time-base era formado por: Buffon; Zambrotta, Canavarro, Nesta e Fabio
Grosso; Gattuso, Camoranesi, Perrotta e Pirlo; Totti e Luca Toni.
No primeiro compromisso, a Itália
teve como adversária a seleção de Gana, que já contava com nomes importantes
como Essien, Asamoah Gyan e Muntari.
Em partida morna, os gols de
Pirlo e Iaquinta, um em cada etapa, foram suficientes para garantir os três pontos.
Na sequência, outro duro
oponente: os Estados Unidos. Gilardino fez o primeiro dos italianos, mas poucos
minutos depois, o zagueiro Cristian Zaccardo fez um gol contra.
O primeiro dos únicos dois gols
que a Itália sofreria no torneio.
Como se já não fosse o bastante,
outro duro baque viria: De Rossi, nome de confiança de Lippi, deu uma
cotovelada no rosto de McBride e foi expulso.
Como punição, só poderia retornar
numa eventual final.
Os italianos sofriam uma
importante perda.
O placar não foi mais alterado e
o jogo terminou 1 a 1.
Para encerrar a fase de grupos e
tentar selar a classificação, mais um teste de fogo para a ‘Azzurra’.
Dessa vez, contra a República
Tcheca de Peter Cech, Nedved e Milan Baros.
Foi quando mais uma adversidade
surgiu.
Alessandro Nesta, vice-campeão da
Champions League de 2005, e que conquistaria o título da competição em 2007,
ambos com o Milan, vinha fazendo uma ótima Copa e formando uma sólida dupla de
zaga com Cannavaro, mas uma lesão o obrigou a sair de campo.
E para não mais voltar nesse
Mundial.
Para a sorte de Lippi e dos
italianos, esse problema veio acompanhado de uma solução.
Como substituto, o escolhido foi
Marco Materazzi, jogador da Inter de Milão, mas que havia passado boa parte da
carreira jogando nas divisões inferiores do país.
Estava longe de ser uma
unanimidade naquele elenco.
O que ninguém tinha ideia era de
que ali se iniciava a saga de um dos personagens que marcariam aquela Copa e
que se envolveria num episódio que entraria para a história do futebol.
Para surpresa de muitos, foi de
Materazzi, de cabeça, o gol que abriu o placar contra os tchecos.
O sempre importante Filippo
Inzaghi, na segunda etapa, fez mais um e garantiu o avanço dos italianos para a
próxima fase.
A tensão no mata-mata
Nas oitavas de final, o
adversário da vez seria a Austrália, que havia eliminado o Uruguai ainda na
repescagem por uma vaga na competição, e que na fase de grupos, fez uma dura
partida contra o Brasil.
O jogo era nervoso.
À medida que o tempo passava,
menos as equipes queriam atacar.
A Itália que o diga, uma vez que
Materazzi acabou sendo expulso (pois é, olha que coisa) no início do segundo
tempo.
Tudo indicava uma prorrogação e
os italianos já começavam a ver o seu maior trauma se aproximar: a disputa de
pênaltis.
Eles jamais venceram uma em Copas
do Mundo.
Foi quando uma luz no fim do
túnel surgiu: já nos acréscimos, Grosso recebeu no lado esquerdo e invadiu a
área contra a marcação de Lucas Neil.
Em lance controverso, o juiz
assinalou pênalti.
Coube a Francesco Totti bater e
garantir o avanço para a próxima fase.
Nas quartas, era hora de encarar
a Ucrânia, que fez sua parte ao avançar em um grupo com Espanha, Tunísia e
Arábia Saudita, mas que sofreu para furar a retranca suíça nas oitavas,
conquistando a vaga apenas nos pênaltis.
Na disputa, os suíços erraram todas
as cobranças, e mesmo sendo eliminados, conseguiram a façanha de saírem do
Mundial sem sofrer gols.
Foi a partida mais tranquila da
‘Azzurra’ no torneio.
Um 3 a 0 tranquilo, com um gol de
Zambrotta e dois do centroavante Luca Toni, que já vinha sendo cobrado por não
marcar.
Só mais um passo antes da tão
sonhada final.
E se vida dos italianos na
competição já não vinha sendo um mar de rosas, não seria agora que viria a ser.
Dessa vez, uma missão mais que
indigesta: bater os donos da casa.
Em campo, seis títulos mundiais,
três para cada lado.
Um deles decidido entre os dois,
com vitória italiana em 1982.
A Alemanha queria revanche.
A Itália, vingar a Copa de 1990,
quando os alemães venceram jogando na “bota”.
Como apontavam os prognósticos, a
partida foi equilibrada, tanto que o zero permaneceu no placar no tempo normal.
Na prorrogação, a superioridade
da equipe de Marcello Lippi refletiu no placar.
Primeiro com Grosso, após linda
jogada de Pirlo.
Depois, uma aula de contra-ataque
que escancarou as habilidades individuais: roubada de bola de Canavarro, passe
de Totti, drible e assistência de Gilardino, finalização fenomenal de Del
Piero.
Superando todas as desconfianças,
a Itália chegava à final da Copa do Mundo.
O apogeu do Bad Boy, o adeus
melancólico e a glória máxima
Se a Itália era “intrusa” naquela
final, a França confirmava o favoritismo.
E crescendo ao longo da
competição, tendo eliminado Espanha, Brasil e Portugal.
Com uma geração espetacular,
contava com o retorno do ídolo Zinedine Zidane, que deixou a aposentadoria para
disputar o Mundial. Essa final seria, de fato, a última partida de sua
brilhante carreira.
Os italianos queriam vingança
após as eliminações na Copa de 1998 e na Eurocopa de 2000.
Já para os franceses, a chance da
consagração.
Ingredientes para um grande jogo
não faltavam.
Levar um gol é ruim. Logo no
início da partida, pior.
Se é numa final, então....
Logo aos cinco minutos de jogo, o
francês Malouda recebeu passe dentro da área e foi derrubado.
Por quem?
Ele mesmo: Marco Materazzi.
Pênalti para a França.
Na cobrança, um show. Zidane deu
uma leve cavadinha na bola.
Ela subiu mansinha, tocou de leve
o travessão e, em seguida, o fundo do gol. 1 a 0.
Poucos minutos depois, a resposta
italiana.
Escanteio cobrado por Pirlo e um
zagueiro subiu mais que todos na área e mandou para o fundo do gol.
Seu nome?
Marco Materazzi.
É a redenção do italiano,
deixando o jogo em igualdade mais uma vez.
E ela seguiria até o fim do tempo
regulamentar.
Era na prorrogação que o maior
plot twist do nosso enredo estava guardado.
E envolvia os dois personagens da
partida até aqui.
Foi um tempo extra morno, com as
equipes se expondo pouco.
Na melhor chance, mais uma vez
Zidane apareceu: uma cabeçada forte que parou numa emblemática defesa do
goleiro Buffon.
Foi quando uma cena chocante
aconteceu.
Após ser provocado por Materazzi,
Zidane perdeu a índole do homem frio que demonstrava ser: se virou e acertou
uma cabeçada no peito do rival.
O árbitro argentino Horácio
Elizondo não viu o lance, mas, ao ser avisado pelo quarto árbitro, não titubeou
e expulsou Zidane.
O ídolo francês ia de herói a
vilão.
Principal nome da equipe na
competição, deixava os companheiros sozinhos em momento crucial.
No último jogo de sua carreira,
um adeus melancólico.
Já Materazzi atingiu seu ápice de
importância no grupo italiano.
O Bad Boy tomou o caminho
contrário e foi de vilão a herói, com direito a tirar da partida o principal
jogador rival.
De reserva a personagem principal
dessa história.
O empate persistiu e não havia
outra saída.
A Copa do Mundo de 2006 seria
decidida nas cobranças de pênaltis.
Mais uma vez, a Itália teria que
enfrentar o seu pior pesadelo.
Pirlo abriu a disputa para os
italianos e marcou.
Wiltord converteu para os
franceses.
Materazzi, debaixo de sonora
vaia, também fez.
Trezeguet, responsável por anotar
a cobrança que eliminou a Itália da Euro de 2000, perdeu.
De Rossi, voltando de suspensão
(olha só, quem apostaria que ele voltaria a jogar nesse Mundial?), fez 3 a 1
Itália.
Abidal, Del Piero e Sagnol
marcaram as cobranças seguintes.
4 a 3 no placar.
Caiu nos pés de Fabio Grosso a
responsabilidade de converter a última cobrança italiana.
A que garantiria o título.
Outro importante nome nessa
trajetória, era justo que tudo acabasse com ele.
E assim foi: ele partiu em
direção a bola lentamente, e com classe, disparou um chute no ângulo superior
esquerdo do goleiro Barthez.
A Itália, superando todas as
desconfianças, se sagrava tetracampeã mundial.
Assim como em 1982, passando por
cima das polêmicas.
Assim como o Brasil, 24 anos após
a conquista do tri.
Pela primeira vez na história,
vencendo uma disputa de pênaltis em Copas do Mundo.
Esse sim é um belo roteiro de
Hollywood.