No Cuiabá, se o clube der prejuízo, cartola corre o risco de perder
patrimônio
Por Perrone, do blog do Perrone/UOL
Cristiano Dresch, vice-presidente de futebol do clube que tirou Walter do
Corinthians, enche a boca para falar: "o Cuiabá nunca atrasou
salário".
No mercado da bola o novo time do ex-reserva de Cássio tem mesmo fama de
bom pagador.
Esse foi um dos pontos que pesaram na decisão do goleiro de trocar o
alvinegro pela equipe do Mato Grosso que fará em 2021 sua estreia na Série A do
Campeonato Brasileiro.
Para entender como o Cuiabá conseguiu essa organização financeira imagine
o que seria do seu time se os cartolas tivessem que botar na dança seus
próprios patrimônios em caso de prejuízo.
Provavelmente, você está pensando que nesse sistema seu clube deveria
menos.
Essa é a lógica que ajuda a sustentar a saúde financeira do Cuiabá.
Trata-se de um clube-empresa no formato de sociedade limitada na qual, em
caso de dívidas impagáveis, os donos, membros da família Dresch, podem
responder com os próprios bens.
"A gente sempre manteve a folha de pagamento rigorosamente em dia. A
gente tem essa cultura no clube. Até porque, por ser uma empresa, qualquer
passivo que a gente crie, qualquer dívida, ela vai direto no nosso
patrimônio", afirmou em entrevista ao blog Cristiano Dresch.
"Desde a fundação, o Cuiabá é uma empresa, com cotas limitadas. Os
investidores são os donos do time, meu pai e meu tio (Aron, presidente da
Federação Mato-Grossense de Futebol). Eu e meu irmão somos administradores.
Está no nosso nome", completou o vice-presidente de futebol.
Os Dresch, donos de indústria do ramo da borracha, compraram o clube do
ex-jogador Gaúcho (ex-Palmeiras e ex-Flamengo) em 2009.
A agremiação, fundada em 2001, estava licenciada da Federação
Mato-Grossense.
Depois de sete anos na Série C e duas temporadas na Série B, o
clube-empresa de família passa por uma reformulação que vai além de
contratações para encarar o maior desafio de sua história.
A mudança atinge até a cozinha da agremiação.
"A gente tinha duas cozinheiras, duas ajudantes, agora a gente está
tendo que contratar um chefe de cozinha. A gente tinha entre cinco e oito
pessoas na parte administrativa, agora vamos ter mais, serão 12. Não é só pagar
salário em dia, tem que dar boa estrutura para nossos jogadores concorrerem com
os outros", disse Cristiano.
Ele calcula um investimento de R$ 3 milhões a ser feito pelos donos para
melhorar a estrutura do centro de treinamento do time, incluindo um novo hotel.
A folha de pagamento, que custava cerca de R$ 1 milhão mensal em 2020,
deve pelo menos triplicar, segundo o vice-presidente.
Porém, o salto nas receitas será espetacular.
De acordo com Cristiano, o clube recebeu no último ano R$ 5,5 milhões
referentes à cota de TV da Série B. Segundo ele, esse valor será de
aproximadamente R$ 26 milhões na elite.
"Óbvio que vamos fazer negócios, mas não vejo o Cuiabá fazendo
grandes investimentos em compras de atletas. Acho que a gente vai fazer grandes
investimentos na formação de atletas. Vejo jogadores de clubes grandes que
ganham salários de R$ 10 mil, R$ 20 mil, que entregam a mesma coisa que
jogadores que ganham R$ 400 mil, R$ 300 mil, R$ 200 mil. Não queremos só
jogador que venha porque pagamos em dia. Queremos jogadores que tenham fome,
vontade", afirmou
Cristiano.
Para não errar na montagem do time para a Série A, ele não conta com a
ajuda de um diretor-executivo de futebol e de um gerente, profissionais em alta
no Brasil.
Em vez disso, o clube prefere investir em analistas de mercado, que
fornecem estatísticas e outros dados sobre os jogadores que interessam.
Aos 43 anos, com 11 de experiência no futebol e acostumado às negociações
na empresa da família desde a adolescência, Cristiano diz que essa é a melhor
estratégia para manter o clube saudável financeiramente.
"A gente chegou à conclusão de que um diretor de futebol no Cuiabá
não toma decisões, então é um cargo que fica com a função um pouco fragilizada.
Como nós somos donos do dinheiro, se der certo, beleza, se der errado, o
prejuízo é todo nosso, essa responsabilidade de fazer um contrato que vai
custar em um ano R$ 2 milhões, R$ 3 milhões, tem que ser nossa. Então eu tenho
a obrigação de conhecer o atleta, de me cercar de informações, de dados, de
números, de estatísticas para poder tomar uma decisão", explicou Cristiano. Foi sem ajuda de um diretor de
futebol que ele fechou a contração de Walter.
"Não foi uma contração fácil. Tivemos uma concorrência no final da
negociação, contra um clube muito grande. A gente acabou conseguindo pela
seriedade do Walter, pela manutenção da palavra dele e do agente dele, porque
era uma proposta sedutora, sim. No meio da negociação, a notícia vazou, não
repercutiu bem na torcida do Corinthians, mas teve um desfecho positivo. Essa
coisa de vir para um clube que vai pagar, com certeza pesou. Walter é uma
pessoa muito sensata, com certeza, receber em dia para ele é importante", disse Cristiano.
O goleiro está emprestado até o fim do ano, quando termina seu contrato
com o Corinthians.
Cristiano contou que ele deverá assinar um pré-contrato com o Cuiabá para
um novo compromisso seis meses antes de terminar seu vínculo com o alvinegro.
Acostumado com a efervescência política e com a pressão da torcida no
Corinthians, no Cuiabá Walter encontrará um clube que não tem conselheiros, já
que possui donos.
A pressão da torcida é considerada pequena por Cristiano.
"Por ser uma empresa, a gente não precisa jogar para a torcida.
Algumas decisões que a gente toma a torcida não gosta, mas com o tempo eles
entendem. A gente não tem necessidade de ficar falando o tempo todo o que eles
querem ouvir", afirmou o vice-presidente.