Irati Prat para o MARCA
Uma liga sem VAR parece coisa do
passado.
Ou um jogo de pré-temporada.
Mas na Suécia é a vida
quotidiana.
O país nórdico, que tem a sua
liga classificada entre as 25 melhores da UEFA, é a única competição de elite
em que não há arbitro de vídeo.
Os próprios clubes decidiram isso
através de seus torcedores.
22 dos 32 clubes, pelo menos.
Em Assembleia Geral.
E eles defendem isso com orgulho.
Eles são como Asterix e Obelix...
trocando a Gália pela Escandinávia e o ano 50 AC. C. para o século XXI.
Claro, o caráter irredutível.
“O movimento contra o VAR
começou em 2019 ou 2020”, disse Isak Edén ao MARCA.
O presidente da SFSU (Associação
Sueca de Torcedores de Futebol) é claro: “Só vigorou durante alguns anos e
viu-se que o VAR ‘parou’ as arquibancadas. Permitiu ou não que você comemorasse
o gol. A torcida sueca, muito bem-organizada, assumiu a liderança e agiu antes
que a arbitragem por vídeo fosse resolvida: “Vimos o que ia acontecer e paramos
a tempo”.
Tudo faz parte da Lei 50+1 que
prevalece na liga sueca (como na Bundesliga), segundo a qual os torcedores são,
em parte, proprietários dos clubes que apoiam.
“O assinante do clube, o
sócio, são 'torcedores'... Não só torcedores. Tem gente envolvida nas
arquibancadas, na animação, nos mosaicos, gente que circula, que vai aos jogos
fora de casa, que freta ônibus. E essas pessoas, mais ou menos, têm a mesma
ideia sobre o VAR. E eu também penso o mesmo. Se você quiser ver a repetição de
um lance em casa, tudo bem, mas se você estiver assistindo no estádio, nada que
destrua completamente espetáculo de futebol irá vigorar”, conta ao MARCA
Pepe Salgado, um espanhol que emigrou para a Suécia e acabou se apaixonando
pelo futebol local.
Agora, anos depois, faz parte do
conselho de administração do mais importante grupo de torcedores do Nörrkoping.
“Não se trata de justiça. É
sobre o futebol ser como sempre foi. Que seja fluido, ou seja, não é possível
marcar um gol e ser necessário esperar cinco minutos para poder comemorar ou comemorar
e depois de cinco minutos você ‘descomemorar’.”
“Bom, se o árbitro errar,
deixe-o errar”, acrescenta, refletindo que, na realidade, o VAR não pôs, de
forma alguma, fim à polêmica no futebol.
Eden vai mais longe e reflete
sobre uma questão que, na época, era quase uma questão de Estado: “O futebol
foi criado para pessoas e devia ser arbitrado por pessoas. Deveria ser jogado
por pessoas. Sim, isso faz parte da experiência”.
“E às vezes você também
precisa ficar bravo com os árbitros.”
No entanto, os suecos ainda
coexistem com o VAR em algumas ocasiões.
Quando os seus clubes disputam
competições da UEFA, por exemplo, ou jogos de seleções nacionais.
Uma decisão firme... no
futebol democrático
Mas no campeonato sueco não há
como voltar.
Ou assim parece.
Embora na Allsvenskan
(Primeira Divisão) o debate esteja em cima da mesa.
“Para mim, como Diretor Esportivo
da liga, tenho emoções um pouco confusas. Temos que seguir a vontade dos nossos
clubes e eles disseram que não querem que o VAR se envolva nisso. A liga sueca
faz parte de um grande mercado internacional no qual temos que competir com
outros clubes de outros países... Isso também me faz sentir que não estamos
acompanhando o desenvolvimento internacional, por isso tenho sentimentos
contraditórios”, disse Svante Samuelsson ao Marca.
Mas os fãs de futebol decidiram
na Suécia.
E eles estão felizes com o que
foi acordado.
Faz tudo parte de uma cultura
democrática profundamente enraizada (“até votaram para que lado tomar... se à
esquerda ou à direita”, diz Pepe Salgado), não se trata de futebol.
“Na Suécia isso acontece em
todos os esportes”, explica Isak Edén.
E vai além do VAR.
“Você não vai influir em qual
jogador será contratado, mas basicamente pode decidir em relação a todo o
resto. Há muitos clubes que votaram contra a pré-temporada no Catar, na Arábia
Saudita e em países como esse. Para nós é difícil imaginar que não seja assim,
porque é. muito enraizado em todos os esportes, não apenas no futebol. É
difícil imaginar outra coisa”, disse Edén ao Marca.
Um futebol em crescimento
Acompanhar o futebol sueco não é
uma questão de observar jogadores de alto nível.
“Temos dificuldade em manter
os nossos melhores jogadores na Suécia porque recebem salários muito melhores
no estrangeiro”, reconhece Samuelsson.
“O futebol está crescendo na
Suécia. O público, as expectativas, os torcedores... tudo está crescendo.
Batemos nosso recorde desde o início dos anos 70 ou algo parecido”, analisa
Fredrik Holmberg, técnico do GAIS Göteborg, time que em 2022 esteve na Terceira
Divisão e agora quer fazer “o que o Girona fez no campeonato espanhol”.
Ele é a favor do futebol sem VAR:
“Não sou um especialista, sou um treinador..., mas quando você vai aos jogos
você pode sentir os sentimentos genuínos que você tem ao comemorar quando um
gol é marcado. Você tem de sentir coisas assim. E na Suécia, os torcedores
fazem isso. Penso que quando olham para o futebol internacional, não é tão
divertido.”
Nos últimos meses, a liga sueca
lançou um slogan claro: “Futebol de verdade”.
É assim que eles definem o seu
futebol.
E não se referem apenas ao VAR.
'Mosaicos', viagens, bilhetes
acessíveis e um calendário agendado com tempo suficiente para facilitar a vida
das torcidas, estreita colaboração entre clubes e torcedores... Algo que Svante
Samuelsson, que jogou na seleção sueca e hoje é Diretor Esportivo da liga,
define com uma reflexão: “Por que existe um clube de futebol? Se não é pela
paixão.”
Uma liga centenária
Em julho passado, a liga sueca
comemorou 100 anos de história.
E festejou com uma comemoração
especial em que relacionou a história do seu futebol com a atualidade.
Tudo através das camisas das
equipes da Allsvenskan (Priemria Divisão).
Versões ‘vintage’ que fizeram
sucesso no campo e nas redes sociais.
Uma grande jogada de marketing da
liga.
Este foi, porém, mais um exemplo
de quanto cuidado com a imagem é tomado na Suécia... e que o torcedor se sente
representado com o que acontece nos estádios de futebol.
“Existe um trabalho no clube
chamado ‘ligação com os torcedores’, sendo responsável por estabelecer o
diálogo entre torcida, sejam eles mesmo, ultras ou ‘hooligans’, com o clube. Por
exemplo: quando os sinalizadores são acesos, os torcedores têm o cuidado de
apagar os sinalizadores na areia e de recolhê-los, os que acabaram de apagar,
mas ainda estão quentes...”, diz Pepe Salgado, torcedor espanhol do
Nörrkoping, ao Marca.
Além da relação próxima entre torcedores
e os seus clubes, há algo que chama a atenção nos estádios suecos, são os
impressionantes ‘mosaicos’ preparados com carinho pelos fãs e que viraram
competições.
Seja qual for o clube, a cada
temporada você vê imagens inesquecíveis.