É um texto longo, mas podem
apostar que é imperdível...
O que você lerá abaixo meu caro
leitor é a entrevista do jornalista Gustavo Grabia, repórter do Jornal Olé, sobre as
torcidas organizadas na argentina.
A entrevista foi publicada no dia
17 de julho deste ano, no site Trivela pelo jornalista Ubiratan Leal e, mais
que assustadora, é de dar nojo.
Gustavo Grabia, repórter do Olé,
sobre violência de torcidas: “futebol argentino virou um enorme funeral”.
Por Ubiratan Leal.
Onipotentes.
As barras bravas
argentinas já deixaram de ser apenas torcedores que se organizaram para torcer
por seu clube.
E fora muito além do que se
conhece no Brasil, com brigas entre simpatizantes de equipes rivais.
Lá, esses grupos ganharam
ramificação criminal, usando a projeção que as arquibancadas de futebol lhes
dão para criar toda uma estrutura de delitos que vão do tráfico de drogas ao
combate de manifestações políticas contra o partido que os contratar como
mercenários.
Quem conta essa história é
Gustavo Grabia, repórter do Olé, maior jornal esportivo da Argentina, e autor
do livro La Doce (lançado no Brasil pela Panda Books), que revela as atividades
da barra brava do Boca Juniors.
Segundo ele próprio, o poder dos
torcedores se tornou tão grande que parece impossível mudar o cenário.
Na Argentina, as brigas de
torcedores rivais diminuíram muito. Qual é a nova cara da violência de
torcidas?
Não acontece, mesmo com times do
mesmo bairro, como Racing e Independiente.
O maior medo do torcedor organizado
é perder seu negócio.
E como ele perde o negócio?
Se briga e morre alguém.
Porque, se morre alguém, os
políticos determinam que alguém tem de cair no comando da torcida.
Tudo bem que colocam outro no
lugar, mas alguém acaba caindo.
Para manter o negócio, não se
pode brigar com outro clube.
Quando acontece algo como na morte mais recente,
em uma briga dentro da torcida do River, as pessoas pensam “se mataram entre
eles, que se matem todos”.
Veem como um problema interno da
máfia, a pressão por atitudes oficiais é bem menor.
Até porque mexeria com o orgulho
do torcedor cujo barra brava foi morto, mesmo que ele não seja um barra brava,
e cobraria mais por atitudes.
Certamente, e é por essas coisas
que não acontece mais.
Os chefes de torcida se conhecem,
fazem negócios juntos.
Durante a semana estão juntos em
uma ONG de torcedores criada e financiadas pelo governo para agir em favor
dele.
Os torcedores de Racing e
Independiente supostamente se odeiam, mas trabalham juntos para o mesmo
político.
Como vão brigar no domingo se
durante a semana estão juntos nos mesmos delitos?
Em Rosário, os líderes das
torcidas de Newell’s e Rosário Central são sócios no tráfico de drogas, dominam
regiões da cidade.
Depois, cada um vai ao estádio
fazer seu próprio negócio.
Então, eles não brigam para não
prejudicar todo o negócio.
O que essa ONG de torcedores
financiada pelo governo faz?
Recebe dinheiro para trabalhar
pelo partido do governo reprimindo opositores, marchas sindicais.
Usaram os torcedores organizados
para terceirizar a violência.
Por exemplo, na Copa de 2010, o
governo recrutou as torcidas organizadas para trabalharem pelo partido dele nas
ruas, fazendo atos políticos.
Uma situação muito louca.
Em troca disso, pagou 232
passagens e hospedagens à África do Sul.
Isso foi um escândalo
internacional.
A polícia sul-africana deportou
quase 30 integrantes desse grupo.
Então a chance de as autoridades
fazerem algo contra os torcedores é pequena?
Para ter uma ideia, o advogado do
chefe da torcida do Boca era o advogado do chefe da polícia.
E essa pessoa, depois, foi
indicada como chefe de segurança do Congresso.
O advogado do chefe da torcida
tem como cliente a polícia e os partidos políticos!
Como as autoridades vão perseguir
alguém se compartilham advogados?
Essas relações de poder na
Argentina nunca vi em lugar algum do mundo.
O chefe de segurança da Eurocopa
esteve na Argentina ano passado e, quando eu explicava, ele não acreditava.
Foi aos estádios para comprovar,
e ficou horrorizado.
Acha que não dá para consertar.
Afinal, se o torcedor organizado
tira uma foto com a presidente Cristina Kirchner, por que não teria impunidade?
Foto com a presidente?
Em setembro do ano passado, o San
Lorenzo estava lutando para não ser rebaixado.
A barra brava foi cobrar os
jogadores e o chefe dela agrediu o capitão do time.
Não aconteceu nada.
Fui investigar e achei fotos dele
em um ato político abraçado com a Cristina Kirschner!
Com a presidente da República!
Então, esse sujeito tem acesso à
presidente.
Eu sou um jornalista reconhecido
e não tenho acesso a ela.
Um monte de gente importante e
conhecida não tem acesso a ela.
Mas esse delinquente tem e tira
uma foto ao lado dela.
Não significa que ele seja amigo
dela, mas, no mínimo, conhece pessoas influentes que conseguem colocá-lo ao lado
dela em um ato político.
Se esse apoio político não acaba,
não há como combater o problema.
Em que nível está esse problema
hoje?
Em relação a mortes, foram dez
vítimas até agora em 2012.
Mas isso são apenas os registros
ligados ao futebol.
Não estão computados os crimes
cometidos por eles em questões políticas ou sindicais.
Todos os últimos crimes de
violência política ou sindical na Argentina têm barras bravas como
responsáveis.
São contratados pelos políticos
para fazer o trabalho sujo.
Também fazem delinquência comum,
como narcotráfico.
São uma máfia mesmo, com
interesses em seus negócios e não mais nos clubes para os quais supostamente
torcem.
Um dos líderes de La Doce, a
torcida do Boca, é torcedor do River Plate.
Por quê?
Porque essa pessoa viu que na
torcida do Boca gira mais dinheiro.
E a torcida do Boca o aceita por
quê?
Ele é um delinquente muito
perigoso.
Esteve em prisões de segurança
máxima.
Mas tem contatos com o mundo
criminal e com políticos.
É conveniente para os negócios
ter um homem como ele na organização.
As leis argentinas são frouxas
nessa questão ou dariam suporte a quem quisesse combater as barras bravas?
Existem as leis, o problema é que
não se aplicam a quem precisa.
Se você vai a um estádio, tem
cinco minutos de loucura e atira algo no árbitro, será levado a uma delegacia.
Provavelmente você não será
preso, mas deve receber uma pena de ficar longe de estádios por um longo
período.
Se você fosse de uma torcida
organizada, poderia fazer o que quisesse que nunca iriam até você.
Antes de vir ao Brasil, o último
morto do futebol argentino foi há três semanas, em um jogo do River contra o
Boca Unidos, o penúltimo antes da promoção.
Assassinaram uma pessoa nas
arquibancadas em uma briga nos Borrachos del Tablón (barra brava do River Plate).
Quando a Justiça foi buscar as
gravações das câmeras de segurança para identificar os responsáveis, as imagens
da briga em si tinham sido apagadas.
O médico que fazia o atendimento
naquele jogo contou que os líderes da torcida levaram o corpo do rapaz dizendo
“olha, aqui tem um que parece que está morrendo” e foram embora.
Tudo dentro da torcida do River.
Como uma briga de máfia, em que
um irmão manda matar o outro para ser herdeiro nos negócios do pai?
Isso.
Os últimos dez mortos no futebol
argentino foram em disputas dentro das torcidas.
Que se pode fazer para que as
leis sejam aplicadas se eles têm tanto poder com as autoridades?
Não se pode fazer nada se os
políticos mais importantes os utilizam.
A barra brava do Boca é a maior e
mais violenta do país e o governo já a utilizou para a campanha eleitoral de
outubro do ano passado.
Pagava para que levassem
bandeirões com mensagens políticas.
Francisco de Narváez, candidato
mais importante à província de Buenos Aires, paga a La Doce para exibir um
bandeirão escrito “Narváez governador”.
Depois disso, eles podem fazer o
que quiserem.
Quando fazem isso, vendem espaço
publicitário.
Um espaço publicitário que seria
indiretamente do clube.
Ainda que o clube não possa
vender publicidade exibida pelos torcedores, o evento é dele e as pessoas veem
o jogo pela TV por causa do clube.
Eles não têm interesse em eles
usarem seu poder de mídia para eles ganharem esse dinheiro, e não a torcida?
Em princípio, os clubes são
sócios das torcidas, que também trabalham para os interesses dos dirigentes.
Como o Mauricio Macri (prefeito
de Buenos Aires, ex-presidente do Boca)?
O crescimento da barra brava do
Boca foi tremendo quando Mauricio Macri estava na presidência.
Ele emprestava o estádio para os
barras bravas jogarem bola!
Mas não foi só ele.
É que o Macri é o personagem mais
conhecido que saiu do esporte e ingressou na política.
Se os barras bravas vivem desses
negócios extracampo, por que ainda precisam do futebol?
Porque o futebol dá cartaz a
eles.
Na Argentina, os torcedores
organizados são muito populares, têm tratamento de estrelas.
O chefe da torcida do Boca e dá
tantos autógrafos quanto Riquelme ou Palermo.
O futebol retroalimenta a relação
deles com os políticos.
Porque, se põem uma bandeirão no
jogo do Boca, têm enorme visibilidade.
Um jogo do Boca tem 30% de
audiência, 9 milhões de pessoas.
Então a eles é conveniente falar
com o chefe da torcida.
Então o futebol ainda representa
uma ou parte da receita desse negócio, mesmo com as atividades extracampo?
Representa muito.
Sem o futebol, todos os outros
negócios ilegais não existiriam.
Eles conseguem todos os outros
negócios por serem os chefes de torcidas.
Eles vendem ingressos, até 5 mil
em uma partida.
Se um ingresso médio está US$ 12,
são US$ 60 mil em um jogo.
Eles controlam o trabalho de
guardador de carro, de flanelinha.
Não sei como é aqui.
Aqui são “profissionais
autônomos”.
Então, lá são controlados pelos
barras bravas.
Em março, houve um tiroteio muito
grande por causa disso.
Uma parte da torcida queria essa
fatia do negócio e outra parte não queria abrir mão.
Trocaram tiros, a poucas quadras
de La Bombonera.
Isso dá muito dinheiro.
Há também as festas com os
jogadores.
Ao contrário do que ocorre no
Brasil, onde as equipes de fora de Rio e São Paulo têm muita força, as equipes
provinciais não são tão fortes na Argentina.
Mesmo em Rosário, é provável que
o Boca tenha mais torcida que o Central ou o Newell’s.
Aí, a barra brava leva jogadores
do time as filiais no interior.
Digamos, levam Riquelme a Luján,
a 200 km de Buenos Aires.
Montam um evento para mil
pessoas, cobrando ingresso para quem quiser ver, tirar foto e pegar o autógrafo
com o ídolo.
Era algo que o clube poderia
explorar?
Sim, mas deixa para os barras
bravas fazerem.
É uma coisa muito grande.
Para cada evento desses, faturam
US$ 20 mil.
E quanto se pode ganhar com isso?
Mauro Martín, presidente de La
Doce, não tem trabalho reconhecido.
Já vi suas declarações de imposto
de renda e ele alega que é instrutor de boxe em um clube.
Ele nunca vai lá.
E basta ver o nível de vida que
ele tem para perceber que tem algo errado.
Ele possui uma picape Honda nova,
que custa uns US$ 150 mil na Argentina, um Mini Cooper e uma casa de dois
andares, com campo oficial de futebol.
Imagina o tamanho do terreno.
E diz que é instrutor de boxe ou
que trabalha no escritório de seu advogado, que é um dos mais famosos da
Argentina.
Ele teria de ser instrutor de
boxe de Manny Pacquiao?
Pois é.
E ele faz tudo isso e não é pego.
Por quê?
Bem, ele é casado com a
secretária particular do governador de Buenos Aires.
O chefe da barra brava do Boca
Juniors é casado com a secretária da segunda pessoa mais importante da
Argentina.
Então, ele pode fazer qualquer
coisa que ninguém vai incomodar.
Nas equipes provinciais, acontece
a mesma coisa?
Tudo o que eu conto com La Doce
ocorre igual em todas as equipes da Argentina.
Pelo menos, coisas da mesma
natureza.
A única diferença é o peso de
cada torcida pelo volume que mexe de acordo com o tamanho do clube.
Eu sou torcedor do Ferro Carril,
um time pequeno que está na segunda divisão.
Lá acontece a mesma coisa, mas em
menor quantidade porque é uma equipe pequena.
O chefe da torcida do Ferro
também não tem trabalho, mas, ao invés de uma picape Honda e um Mini Cooper,
tem um carro normal.
Ao invés de uma casa com dois
andares, tem um apartamento de 150 m².
Mas a forma de organização é a
mesma nos clubes.
Economicamente, a diferença entre
o futebol brasileiro e o argentino está aumentando. Quanto o futebol argentino perde
por não explorar tudo o que pode por repartir com as barras bravas?
É muito dinheiro que perdem.
Mas os dirigentes não têm
interesse em mudar.
Os clubes são associações civis
sem fins lucrativos.
Se o clube abre falência, o
dirigente vai embora e não é responsabilizado.
Fora que eles também ganham uma
parcela.
É algo conjunto.
Como assim?
Um bom exemplo foi à venda do
Higuaín ao Real Madrid.
Foi uma operação fraudulenta.
O que apareceu no balanço do
River Plate foi muito menor do que o pago pelo Real.
O Real disse que pagou € 14
milhões, mas o River registrou a entrada de € 9 milhões.
O balanço só foi aprovado porque
os dirigentes de oposição foram ameaçados de morte pela barra brava.
Eles entraram no recinto onde era
a votação e ameaçaram de morte se não votassem a favor.
Era algo contra o caixa do clube.
Os € 5 milhões de diferença entre
os valores foram repartidos entre todos, com 10% para os Borrachos del Tablón.
Há barras bravas menores nos
clubes, que brigam por “mercado” com as maiores?
Não.
Não há concorrência de barras de
um mesmo clube.
Não é que existe La Doce e “La
Fiel de Boca” brigando por espaço como barras bravas do Boca.
Há uma só por clube, e os
confrontos são por poder e negócios dentro de cada uma.
A polícia também tem participação
no esquema das organizadas?
De várias formas.
Na temporada passada, naquele
jogo em que o River caiu contra o Belgrano, o placar estava empatado.
Se terminasse assim, o River
caía.
No intervalo, os dirigentes e os
policiais liberaram o acesso para 12 torcedores conhecidos da organizada do River
descessem das arquibancadas, andassem internamente pelos corredores do
Monumental de Núñez e chegassem aos vestiários do árbitro, onde o ameaçaram de
morte.
Se ele não marcasse um pênalti,
seria morto.
Bem, o pênalti foi marcado, mas o
River o desperdiçou e acabou caindo mesmo.
Insólito!
O incrível é que esses torcedores
tiveram apoio dos dirigentes e da chefia da polícia.
Tive acesso ao vídeo e se vê
claramente como os policiais orientam os torcedores por aonde ir para chegar
aos vestiários.
E não acontece nada quando isso
chega à Justiça.
Isso aconteceu há um ano e ainda
estão discutindo se o tal vídeo é uma prova válida ou não para o caso.
E, claro, nada aconteceu com os
responsáveis até agora.
É conveniente para a polícia que
a violência siga.
Conveniente como?
Ela tira vantagem da violência.
Há dois anos, houve uma
investigação grande que envolveu até a cúpula da divisão de esportes da
polícia.
Consegui provas de como eles
combinavam com os torcedores para criar violência.
Porque, se há violência, eles têm
argumentos para pedir mais efetivo para a segurança nas partidas, um serviço
cobrado dos clubes e da AFA.
Cada policial recebe US$ 40 por
partida trabalhada.
Então, no jogo que teria 300
agentes eles pedem mil, alegando que a partida anterior teve diversos
problemas.
Mas ficou comprovado que não
levam mil policiais.
Levam 500 e embolsam o resto.
O Congresso tomou a denúncia e
demitiu diretores da polícia.
Há grupos políticos ou algum
setor da sociedade que se coloquem contra os barras bravas?
Há uma ONG, que se chama
“Salvemos al Fútbol”, que trabalha contra a violência no futebol.
Mas não tem muito poder.
Até organizam mobilizações, mas
não são muito populares.
Eles levam à Justiça as questões
que eu apresento no jornal, mas é um grupo pequeno.
Eu já falei que o único jeito de
mudar o cenário atual é uma greve de torcedores, ninguém mais ir ao estádio.
Se a TV mostrar um Boca x River
com estádio vazio, só com mil torcedores organizados de cada lado, os políticos
perceberão que está acontecendo algo muito grave.
Mas os torcedores dizem que se
pode fazer tudo, menos deixar de ir ao estádio.
Na Argentina há movimentos de
indignação quando morre alguém, mas depois passa.
O presidente do Independiente
entrou em conflito com a barra brava do clube. Foi o único dirigente a tentar
fazer isso?
Foi.
O Independiente era completamente
dominado pela barra brava.
Ela tinha o passe dos jogadores,
o campo de treino.
O chefe da torcida era o diretor
da ONG de torcedores que o governo armou.
Então, começaram a ganhar muito
dinheiro e muito poder.
E o Independiente era um desastre
sob o controle da organizada.
Ninguém queria ir mais lá, era
muita violência.
Então, o Javier Cantero fez uma
campanha dizendo que tiraria a barra se votassem nele e ganhou.
Ele está tendo sucesso?
Mais ou menos.
Ele assumiu em
dezembro de 2011 e tentou acertar as coisas com a torcida.
Em março eu descobri
que ele ainda dava alguns benefícios.
Até entendo que não dá para cortar tudo
pela raiz, mas aí tem de explicar isso a todos.
Ele dava muito menos que antes,
mas ainda dava algo para mantê-los tranquilos.
Quando publiquei a reportagem,
ele admitiu publicamente seu erro, disse que acreditava que era uma forma de
manter a barra brava controlada e que passaria a combater seriamente a partir
dali.
E, quando começou a fazer isso, as coisas ficaram piores.
De que forma?
São suspeitas, porque os
jogadores negam.
Mas, desde que o Cantero cortou
todos os benefícios dos barras bravas, a equipe estranhamente começou a perder
uma partida atrás da outra.
Perguntam aos jogadores se estão
sendo ameaçados pela torcida, exigindo que entreguem o jogo para derrubar o
presidente.
Eles dizem que não, mas não dá
para saber se é verdade.
Hoje, o time está brigando para
não cair.
Quando começar a próxima
temporada, o Independiente estará em posição de rebaixamento direto pela média
de pontos das últimas temporadas.
E é o único clube, ao lado do
Boca, que nunca caiu para a segunda divisão.
Se os torcedores do Ferro
concordassem em fazer uma greve contra a barra brava do clube, você
participaria?
Claro!
Porque é o que tem de ser feito
para que isso fique explicitado.
Quando eu escrevi umas matérias
sobre a torcida do Ferro, o líder da torcida me perguntou por que eu o atacava:
“Eu faço com que não roubem dentro do nosso bairro.
Mandamos roubar fora”.
Bem, não tem de roubar em lugar
nenhum!
São padrinhos da máfia, cada um
em seu setor.
É uma situação cada vez pior,
porque a política, ao invés de combatê-los, os incluiu.
A pessoa que gerencia o futebol
do Ferro é uma figura muito importante do Partido Justicialista (peronista,
partido do governo).
Como foi fazer a investigação de
tudo isso, para ter acesso?
Tenho uma vantagem, que é
trabalhar a 16 anos com esse tema.
Conheço todas as partes
envolvidas.
Eu colaboro muito com a Justiça
ou os advogados que trabalham nesse meio.
No caso dos barras bravas que
invadiram o vestiário do árbitro no River x Belgrano, a polícia só conhecia
dois dos 12.
Me chamaram para ver as imagens e
identificar os demais.
Com isso, acabei tendo acesso ao
vídeo e tendo os nomes dos envolvidos.
Muitas vezes, acabo tendo mais
informações das leis supostamente violadas em um processo que os próprios
advogados dos torcedores.
Quando precisam de uma informação
sobre o que está acontecendo, acabam me passando muita coisa também.
Como as pessoas viram seu livro?
Há três públicos diferentes.
Um público é o torcedor normal
que admira a barra brava.
Na Argentina, um dos problemas é
que o torcedor que vai ao estádio admira a torcida organizada e só repudia
quando há violência forte.
Aí, diz “não, não quero mais”.
Depois, passa um tempo, eles
voltam a dizer que a torcida é necessária, porque organizam a festa, as
bandeiras.
Esse público é muito importante e
há muitos boquenses que dizem que “hoje, somos os únicos com um livro sobre sua
torcida organizada”.
Viram seu livro como prova da
grandeza do Boca?
Isso.
Cada vez que o Boca é campeão,
sai uma revista.
E, agora, sai um livro sobre a
torcida.
Eles encaram La Doce como um
livro sobre a história deles próprios, e não é.
É sobre o grupo mafioso.
E quais os outros dois públicos
do livro?
Outro tipo é o torcedor comum que
repudia a torcida organizada.
E dizem que o livro comprova o
que eles sempre disseram: são máfias e é preciso eliminá-las.
Até porque, as relações das
torcidas organizadas mostram como são as relações corruptas na Argentina como
um todo.
E há o grupo de barras bravas.
No início, foi um pouco
complicada a relação.
Quando saiu o livro, reclamaram
que me haviam me dito coisas, contado os crimes que cometem, sem saber que
sairia um livro sobre isso.
Mas, depois, ficam orgulhosos
porque saíram um livro sobre eles, com fotos deles.
Então, sentem como
reconhecimento.
Os barras bravas chegaram a
ameaçá-lo?
Sim, mas eu trabalho no Grupo
Clarín, o maior da Argentina.
Ele tem muito poder.
Quando há um problema sério,
isso ajuda.
E nunca tive um problema grave com os barras bravas.
Se eles
reclamam, eu digo que vou processá-los pelas ameaças e passa.
O problema é
quando houve investigações que esbarraram na polícia, no caso da fraude nos
efetivos utilizados para fazer segurança nas partidas.
E eu tenho mais medo da
polícia do que dos barras bravas.
Aí tive ameaças sérias.
O que fizeram?
Invadiram minha conta de e-mail,
me telefonaram dizendo que horas eu deixava meus filhos na escola.
No segundo
dia em que isso aconteceu, fui falar com o presidente do Clarín.
Ele ligou para
o diretor geral da polícia e contou o que acontecia comigo.
Disse que, se
acontecesse algo comigo no dia seguinte, essa história seria a capa do jornal,
com ataques diretos à cúpula da polícia.
Não aconteceu mais nada.
Mas isso só
aconteceu porque trabalho no Clarín.
Se trabalhasse em um veículo menor, não
teria esse suporte.
Os barras bravas o conhecem. Por
que contam os crimes que cometem?
Porque gostam de aparecer no
jornal.
Gostam de se mostrar.
Outro dia, houve um julgamento
contra várias figuras importantes de La Doce.
Quando terminou o julgamento, 500
barras bravas fecharam a rua, no centro de Buenos Aires, para comemorar.
Rafael Di Zeo, chefe de La Doxe e
barra brava mais popular da Argentina, se mostrava para fotos.
Depois, me deu uma entrevista
exclusiva porque eu cubro esse assunto sempre.
Ele ainda ficou me perguntando se
ia aparecer na capa do jornal!
Não queria página interna.
Aqui no Brasil, muita gente
acredita que a festa na arquibancada faz o torcedor comum ter alguma simpatia
pelas organizadas, mas a violência é importante para atrair novos membros,
sobretudo os mais jovens que querem alguma adrenalina e poder. Na Argentina, ser reconhecido
como um criminoso que está acima do bem e do mal ajuda também a ter seguidores?
Sim, claro.
Há muita gente que veem nesses
barras bravas exemplos de pessoas que começaram de baixo e estão ali no topo.
Aí, imaginam que podem conseguir
o mesmo.
De qualquer modo, a festa no
estádio também é importante porque transforma a questão da torcida em “folclore
do futebol”, como se diz lá na Argentina.
Mas eu acho que nenhum folclore
pode ser admitido se uma pessoa morre por violência.
E já foram 268 mortos.
Não é festa nenhuma, é um funeral
enorme.
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