sexta-feira, junho 17, 2016

Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro: Rússia vem ou não vem?

E se Putin retirasse a Rússia da Rio 2016?

Jamil Chade, especial para o ESPN.com.br

O COI está às vésperas de tomar uma decisão que pode marcar um momento chave nos Jogos Olímpicos: afastar ou não a Rússia do evento no Rio de Janeiro, em agosto.

Desta vez, o motivo da tensão entre o movimento olímpico e os russos é o doping organizado pelo Estado.

A Federação Internacional de Atletismo anunciará, hoje, sua decisão final sobre a suspensão dos russos de suas competições na Rio 2016.

Nos corredores da entidade em Lausanne, dirigentes não escondem que temem uma reação enfurecida de Vladimir Putin que, diante da punição, ameaçaria retirar seu país inteiro do evento no Brasil.

O golpe ainda seria duro para o presidente do COI, Thomas Bach.

Lembro-me como, na final da Copa de 2014, Bach e Putin acompanharam o jogo no Maracanã lado a lado e num clima de total confiança.

Mas se a decisão promete causar um sério impacto político, a realidade é que os arquivos nos mostram que a relação de tensão entre Moscou e o movimento olímpico se confunde com a própria história da Olimpíada.

Após a Revolução Bolchevique de 1917, uma das primeiras medidas adotadas por Moscou foi a de se negar a participar das federações esportivas internacionais, alegando que representavam uma "ideologia burguesa".

Os próprios Jogos Olímpicos - que anos mais tarde seriam usados pela União Soviética para demonstrar ao mundo que era uma potência - foi alvo de duros ataques.

Para o Kremlin, o evento não passava de uma "distração das massas" e uma tentativa de desviar a atenção dos trabalhadores de sua luta de classe.

A participação dos soviéticos em torneios no exterior era limitada e essa realidade apenas mudou quando o Kremlin passou a estar convencidos de que seus atletas poderiam sair vencedores dessas competições.

Quando essa participação ocorreu, o objetivo era o dar uma mensagem política de que a classe proletária poderia vencer representantes da burguesia.

Numa esperança de estar criando de fato um sistema político paralelo ao modelo capitalista-ocidental, Moscou bancou a criação de novas entidades internacionais que agrupariam associações esportivas com a ideologia comunista.

A mais poderosa delas seria a Associação Internacional do Esporte Vermelho que, em sua própria descrição, era a entidade que reagrupava "todas as associações esportivas operárias e campesinas que apoiam a luta da classe proletária".

Sua constituição ainda deixava explícito o papel do esporte na vida soviética: "A cultura física, a ginástica, os jogos e o esporte são meios da luta de classes. Não um fim em si mesmos".

A declaração simplesmente colocava por terra qualquer tentativa de garantir a neutralidade e caráter apolítico do esporte.

Para fazer frente aos Jogos Olímpicos, criado por barões e apoiado pela monarquia da Europa Ocidental, os soviéticos estabeleceram em 1928 seu primeiro evento internacional.

No lugar do Olimpo, pleno de valores individualistas e a cultura da beleza, Moscou promoveria as Spartakiadas.

O nome usado era uma homenagem ao escravo rebelde que lutou contra seus opressores.

Era um grito de alerta contra o movimento olímpico e seus ideais de individualismo.

Em uma entrevista concedida à Radio Suisse Romande, no dia 4 de agosto de 1935, o barão Pierre de Coubertin resumia os princípios do evento que ele havia criado no final do século XIX e insistia que "o verdadeiro herói olímpico era o indivíduo masculino adulto".

Por definição, essa classificação de herói teria dificuldades para encontrar apoio em uma sociedade soviética baseada no coletivismo e na predominância do estado.

Cada participação de Moscou em eventos no exterior era cuidadosamente avaliada: apenas se autorizava a viagem quando havia uma garantia de vitórias.
O editorial do jornal soviético Shakhmatny Listok, de 7 de outubro de 1925, explicitava essa ambição política do esporte.

"A Associação de Xadrez considera possível para a organização de xadrez proletárias tomar parte nos encontros internacionais a fim de que, por meio das vitórias sobre os mestres burgueses, a dignidade das massas proletárias e a fé em sua força e os talentos da juventude sejam realçados".

A realidade é que, a partir dos anos 20 e até a dissolução da União Soviética, o esporte em Moscou estaria à serviço de sua política externa e da promoção de uma ideologia.

Todas as missões de esportistas eram consideradas como ações de diplomacia no exterior e cuidadosamente avaliadas em sua conveniência política.

Com a Guerra Fria ganhando força nos anos 50, a rejeição aos Jogos Olímpicos desapareceria diante do cálculo de Moscou de que poderia usar o evento para mostrar sua superioridade.

Assim, a cada quatro anos, americanos e soviéticos disputariam medalha a medalha a imagem de maior potência do mundo.

O esporte, sim, foi uma arma política.

E jamais deixou de ser.

Muito menos para Vladimir Putin.

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