Imagem: Jennifer Foster
Quem conta uma história tem que
ter compromisso com a veracidade dos fatos contados...
Afinal, pouco importa se a
história contada chegou a um ou a milhares de ouvidos.
Publiquei há alguns dias um fato
acontecido em Nova York, onde o policial Larry DePrimo, em sua ronda normal
pela cidade, acabou por ganhar as manchetes do mundo por fazer algo que deveria
ser comum, normal...
DePrimo comprou do seu próprio
bolso, um par de botas e um par de meias e doou a um mendigo que descalço
sofria com o frio.
Aproveitei e contei como meu
filho, membro do Corpo de Segurança Operacional do metrô de Brasília, costuma
tratar com meninos e meninas de rua que povoam as imediações do metrô,
consumindo crack e cola de sapateiro.
Ambas as histórias me pareceram
dignas de compartilhar...
DePrimo não reclamou, nem podia –
ele não lê o Fernando Amaral FC...
Mas meu filho sim...
Leu e me ligou para me repreender...
- “Pai, isso não era para ter ido
parar no seu blog”...
Ouvi, desliguei e ri...
Fiquei pensando como os tempos
mudaram...
Meu filho me repreendeu.
Entretanto, compreendo seus
motivos...
O conheço, somos mais que pai e
filho, somos amigos, parceiros, cumplices – enfim, somos uma dupla e tanto.
Mas voltado a Larry DePrimo e o mendigo...
Continuei a monitorar a história,
sabia que haveria desdobramentos...
Uma coisa assim, não tem fim sem
que antes os veículos de comunicação mexam e remexam em busca de mais
informações.
Sabia que o mendigo seria
procurado, sabia que iriam tentar entrevistá-lo, fotografá-lo e torná-lo uma
celebridade.
Vivo nesse meio, sem como
funciona.
Para a mídia, a estrela era o
mendigo e não o policial...
Policia só vende quando o
policial erra.
Eu estava certo, os jornais americanos
“caçaram” o mendigo.
No entanto, o que encontraram vai
causar profunda decepção na maioria...
Não em mim – explico depois.
O nome do mendigo é Hillman...
Hillman tem um apartamento no Bairro
do Bronx, cedido pelo Departamento de Assunto de Veteranos em 2011...
Hillman, paga aluguel usando um
voucher para veteranos sem teto e sua renda é complementada pelo Seguro Social.
Segundo Seth Diamond, assistente
social que trabalha com moradores de rua em Nova York, Hillman é conhecido por
não aceitar nenhum tipo de ajuda...
"Ele tem uma casa estável.
Nós trabalhamos com Hillman por anos"...
"Sei como isso pode ser
frustrante para a população. Temos tentado ajudá-lo, mas ele tem um histórico
de negar qualquer ajuda", disse Diamond à rede NBC.
O assistente social ainda diz
que, além de eventuais drogas e problemas mentais, Hillman deve ir para a rua
descalço para poder receber mais doações das pessoas.
Bem, como fui eu que propaguei a
história aqui no Facebook, achei ser meu dever, contar a verdade sobre Hillman...
Porém, quem Hillman é e o que
faz, não diminui DePrimo, nem apaga o gesto.
DePrimo é sim, o policial que
todos gostaríamos de cruzar num rua escura às 4 horas da manhã, quando a lei
dorme e a truculência está acordada.
DePrimo é sim, exemplo e seu
gesto não foi em vão.
Quanto ao fato de não me
decepcionar, explico como prometi...
Já andei demais, já vi demais, já
li demais e já vivi demais para sofrer com as falhas de caráter de meus semelhantes...
Cunhei numa brincadeira, mas que gosto muito:
“Devia existir prótese para
caráter. Só assim, saberíamos quem perdeu e como”.
Por fim, a vida e as coisas que
vivi me ensinaram a não crer que todo pobre é bom, que todo gay é vítima, que
todo negro é perseguido e violentado em seus direitos...
Assim como, nem todo rico é
perverso e insensível, nem todo heterossexual é homofóbico e nem todo branco é
membro da Ku Kux Klan...
Canalhas e cafajestes permeiam
todas as classes, todos os credos e todos os gêneros...
Por isso, não me assusto mais e
nem sofro mais...
Apenas lamento, mas meu lamento é
meu e como sou um só, morrerei sem ver um mundo sem canalhas e cafajestes.
Ah, quando conversei com meu
filho, soube que um de seus “companheiros de lanche”, morreu...
Foi assassinado por um traficante
a quem devia uns trocados...
Perguntei a meu filho o que ele
sentiu quando soube...
Depois de um longo silencio ele
disse:
“Ela já estava morto em vida pai,
o Estado apenas sepultou seu corpo”.
“Se o senhor quer saber, fora
aqueles que conviviam com ele e eu, que me senti impotente e vazio quando soube
– ninguém mais ligou”...
“Ele foi enterrado como
indigente. Não havia ninguém, além da policia e dos coveiros”...
“Infelizmente pai, esse é o mundo
real”.