Por que eu sou contra a
Paralimpíada
Por: Lucas de Abreu Maia (*)
(*) Lucas de Abreu Maia é jornalista e doutorando em Ciência Política
na Universidade da Califórnia. É cego de nascença.
Os ingressos oficiais mais caros
para a Olimpíada do Rio chegaram a ser vendidos a 1200 reais.
Na paralimpíada que começa em 7
de setembro, os melhores assentos serão vendidos, no máximo, a 130 reais, mais
de nove vezes menos.
Se a diferença de preço não diz
nada ao leitor, deveria: é sinal de que tem ao menos nove vezes menos gente
disposta a assistir aos atletas paralímpicos competirem.
Conforme são estruturadas, as
paralimpíadas são um evento excludente para espremer o resto de lucro possível
dos Jogos Olímpicos e, de troco, dar uma sensação de empatia aos
telespectadores sem deficiência que veem histórias de superação pela televisão.
Não fui sempre dessa opinião.
Em 2007, recebi um convite para
ser repórter no Parapan.
Aceitei porque era um moleque
inseguro de 21 anos, louco para ter uma experiência jornalística real.
Mas aceitei cheio de receios.
A ideia de uma competição para
deficientes me incomodava, mas eu não sabia exatamente o porquê.
Profissionalmente, eu não cursava
faculdade de jornalismo para virar repórter sobre deficiência, ou para pessoas
com deficiência.
Queria ser um repórter com
deficiência, ponto.
Isso não deveria dizer nada sobre
a qualidade ou o foco do meu trabalho.
Durante a cobertura, todos os
meus receios se confirmaram.
É esse o problema do paraesporte
– a ideia de que exista qualquer coisa para deficientes.
No caso da paralimpíada, cria-se
uma competição de segunda classe, com ingressos a preços ridículos, porque
ninguém quer pagar caro para assistir um evento de segunda classe.
A mensagem é uma só: os atletas
são de segunda classe.
Mascara-se o fato de que pessoas
com e sem deficiência podem perfeitamente concorrer em pé de igualdade em
vários esportes.
Judô, natação e adestramento de
cavalos, por exemplo, não são em princípio inacessíveis a pessoas cegas.
Já houve ginasta sem uma perna
competindo nas olimpíadas.
O esporte é, por definição, um
estímulo às diferenças biológicas entre pessoas.
Michael Phelps só é Michael
Phelps porque tem pulmões anormalmente grandes.
Os maiores maratonistas do mundo
têm, invariavelmente, uma proporção maior de hemácias no sangue.
Por que diferenças mais visíveis
não podem também ser celebradas nas olimpíadas?
Claro que vários esportes exigem
adaptações para que pessoas com deficiência possam neles competir.
Exemplos clássicos são vôlei ou
basquete em cadeira-de-rodas.
A solução, no entanto, é tão
óbvia que me espanta ninguém a ter posto em prática ainda.
O Comitê Olímpico Internacional
já admite que há vários esportes em que atletas com diferenças biológicas não
conseguem concorrer em pé de igualdade – por isso há modalidades femininas e
masculinas.
Por que não adicionar aos Jogos
Olímpicos modalidades de esportes adaptados?
O movimento por direitos de
pessoas com deficiência pode ser sintetizado como o esforço para que sejamos
integrados à sociedade – na escola, no trabalho e no lazer.
Diferentes nas necessidades,
porém iguais no talento.
Mas, em vez de criar condições
para que compitamos em pé de igualdade, a Paralimpíada aproxima a linha de
chegada para que a alcancemos mais facilmente – sem competição externa.
Claro que a diversidade física
deve ser celebrada.
Mas essa celebração deve se dar
no mesmo estádio; não quando as luzes do evento principal já se apagaram.
Poucas coisas são mais ofensivas
para uma pessoa com deficiência que a tal da história de superação.
Ninguém tem de se orgulhar de
viver uma vida completa, independentemente de desafios.
Não é essa a história de todos
nós, com ou sem deficiência?
A paralimpíada é um evento
discriminatório porque ignora todos os aspectos mais interessantes da
personalidade e da história de um indivíduo para reduzi-lo a suas limitações
físicas.
É um sinal da falta de
visibilidade das pessoas com deficiência que ainda seja considerado um avanço
um evento feito para excluir, em vez de integrar.