Craques dentro do campo e da quadra mostram um abismo quando o assunto é
a gestão de carreira
Ricardo Fort, especial para a Máquina do Esporte
Os torneios de “Grand Slam”, também chamados de “Majors”, são os quatro
eventos anuais mais importantes do tênis mundial.
Eles oferecem o maior número de pontos no ranking, premiação em dinheiro,
atenção do público e da mídia.
São, pela ordem, Australian Open, Roland-Garros, Wimbledon e US Open.
Há alguns dias, Rafael Nadal, até então número 6 no ranking da ATP,
ganhou o bicampeonato do Australian Open se isolando como recordista masculino
de títulos de simples em Grand Slams, com 21 taças (Serena Williams é a maior
ganhadora no feminino com 23 títulos de simples em Grand Slams).
A partida final, contra o russo Daniil Medvedev, número 2 no ranking da
ATP, durou 5 horas e 24 minutos.
Medvedev, dez anos mais novo que o espanhol, ganhava por dois sets a zero
quando Nadal começou sua vitoriosa reação.
Depois da vitória histórica, exausto e visivelmente emocionado, Nadal
recebeu seu troféu em frente a uma audiência global de milhões de fãs do
esporte.
E o que aconteceu nos minutos seguintes foi uma aula de como se comunicar
em público.
Nadal parabenizou seu adversário, seu time e sua família, dizendo que já
havia perdido finais na Austrália e sabia como aquele momento era difícil.
Disse que Medvedev era um jogador excepcional, que não tinha dúvidas que
ganharia o Australian Open algumas vezes no futuro e que havia sido uma honra
dividir a quadra com ele naquela partida.
Depois, Nadal agradeceu aos australianos pelo apoio recebido nas três
semanas que passou no país dizendo que a experiência ficará no seu coração pelo
resto da vida.
Agradeceu sua equipe, reconhecendo como eles o ajudaram nos momentos mais
difíceis.
Lembrou-se dos voluntários e dos executivos da Tênis Austrália, órgão que
rege a modalidade em território australiano, parabenizando-os pelo excelente
trabalho na organização do evento em circunstâncias tão difíceis.
Nadal também agradeceu a Kia, patrocinadora do evento e sua patrocinadora
pessoal.
“Obrigado por investir no esporte e me apoiar nos momentos mais
difíceis”.
Finalmente, encerrou seu discurso prometendo voltar em 2023.
Mesmo que você não goste de tênis, da Espanha ou de Nadal, não há como
não admirar o profissionalismo dele, ainda mais em um momento de tamanha
pressão.
O que muita gente não sabe é que o discurso do Nadal não aconteceu por acaso
ou porque ele tem um talento nato para se comunicar.
Muito pelo contrário.
O espanhol é o resultado de um trabalho de anos de uma equipe
profissional que cuida dele e o prepara dentro e fora das quadras para
enfrentar adversários e microfones.
O investimento se paga a cada discurso e a cada entrevista.
Se quiser saber o que acontece quando esse trabalho não é bem-feito,
assista “Neymar: O caos perfeito”, na Netflix.
Os 164 minutos da série são uma propaganda pessoal de Neymar, mas não de
Neymar Jr.
Uma tentativa frustrada de apresentar seu pai e administrador como um
profissional visionário a serviço do atleta.
Ele, sim, é o ator central da história.
O roteiro parece ter sido escrito para valorizar o pai em detrimento do
filho, que é apresentado como uma pessoa imatura, dependente dos amigos e
incapaz de tomar suas próprias decisões.
O excessivo e desnecessário foco nas fraquezas e erros de Neymar Jr.,
como os longos minutos descrevendo a gravidez da namorada, o nascimento do
filho e o fato dele ter dinheiro suficiente para assumir a responsabilidade da
paternidade, reforça as razões da rejeição quase que universal do jogador.
Nenhuma equipe profissional responsável por administrar a carreira e a
imagem de atletas teria aprovado esse roteiro.
Se uma série como “Neymar: O caos perfeito” fosse lançada sobre a
carreira de qualquer outro atleta, todos os responsáveis pelas aprovações
deveriam ter sido demitidos.
Foi um desserviço à construção de imagem que os administradores se
propõem.
É importante dizer que Neymar e Nadal são dois excepcionais atletas com
sucesso nos campos e quadras e também fora deles.
São famosos e ganham fortunas todos os anos em prêmios, salários e
patrocínios.
A principal diferença entre eles é que Nadal é um sucesso também graças à
sua equipe, enquanto Neymar é um sucesso apesar da sua.
Depois da aposentadoria, Nadal terá uma longa e bem-sucedida carreira no
esporte ou fora dele.
Será lembrado com carinho pelos fãs e continuará sendo um orgulho para
seu país, por representá-lo tão bem mundo afora.
Já Neymar certamente se aposentará muito rico, mas será apenas mais um
jogador.
Assim como os torcedores do Barcelona não o querem mais, o mesmo
acontecerá com os do PSG e do Brasil.
Tudo isso poderia ser evitado com uma melhor administração de sua imagem
e carreira, mas não foi e não é.
Game, set e match para Nadal.
Ricardo Fort é fundador da Sport by Fort e escreve mensalmente na Máquina
do Esporte