Imagem: Goal.com
Anatomia Tricolor de uma década em crise
O São Paulo já foi modelo de gestão, transformando eficiência
administrativa em títulos, hoje é engolido por uma crise sem precedentes que
faz o torcedor amargar sete anos sem taças e sofrer com incontáveis
eliminações.
Pedro Henrique Brandão Lopes
Os resultados adversos que
decretaram a precoce eliminação do São Paulo na fase pré grupos da Libertadores
da América, escancararam a crise que corrói a reputação de clube bem
administrado que começava vencer seus títulos nos bastidores e nas decisões de
seus dirigentes.
A derrota e o empate frente ao
Talleres, um modesto time da Argentina, são o retrato da fase que vive o São
Paulo: não consegue repetir bons momentos de outrora e sequer ser competitivo
nos campeonatos que disputa.
Afinal a Libertadores foi a
especialidade no Morumbi, quando em 13 anos o Tricolor faturou 3 taças.
Neste período, o São Paulo foi
responsável por criar nos times e torcedores brasileiros o sentimento de
importância e desejo pela competição continental e, para além disso, a
consciência de que era necessário se organizar financeira e administrativamente
para alcançar conquistas em campo.
O conceito de gestão Tricolor
virou modelo a ser implementado por todos os clubes que almejassem a grandeza
do Soberano.
Mas a política atrapalhou os
planos são-paulinos. Juvenal Juvêncio é figura central da desordem que se
abateu sobre o clube mais organizado do futebol brasileiro.
Porém o estopim para a crise que
se estende até hoje, atende pelo nome de Carlos Augusto de Barros e Silva, ou
simplesmente, o Leco.
Foi o então vice-presidente de
futebol que capitaneou o movimento pela demissão de Muricy Ramalho em junho de
2009.
Leco nunca gostou de Muricy e se
aproveitou da eliminação Tricolor para o Cruzeiro na Libertadores daquele ano,
para demitir o único técnico tricampeão brasileiro de maneira consecutiva.
A demissão de Muricy não era
absurda apenas por não levar em conta um aproveitamento do técnico no comando
do time de 63% dos pontos disputados, como também por ignorar a liderança que o
treinador exercia sobre o elenco que desde então não seria mais vista no CT da
Barra Funda.
Se em campo as coisas começaram
desandar com a saída de Muricy Ramalho, os fatores extracampo também não
ajudavam o São Paulo.
Quando o Brasil venceu a
concorrência e foi indicado como país sede da Copa do Mundo de 2014, era
praticamente garantida a participação do Morumbi como o estádio a sediar os
jogos do Mundial na maior cidade brasileira.
O que todos sabemos hoje, sequer
passava pela cabeça de Juvenal Juvêncio e a cúpula política do clube.
Um grande esquema de lobby que
envolveu o presidente da república, Lula, um corintiano declarado,
empreiteiras, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira que nunca teve boa relação
com o São Paulo e tão menos com Juvenal Juvêncio, e a diretoria do clube de
Parque São Jorge, viabilizou a construção do estádio corintiano em Itaquera e
frustrou os planos são-paulinos de sediar a Copa do Mundo em seu estádio.
O Morumbi, até então, o mais
importante estádio de São Paulo estava fora da lista de sedes da Copa do Mundo.
Foi uma surpresa, já que durante
décadas, Palmeiras e Corinthians foram obrigados a mandar seus jogos mais
importantes no Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi.
Casa são-paulina que sempre foi
motivo de orgulho do clube que fazia questão de propagandear o “maior estádio particular do mundo”.
Com as construções da Arena
Itaquera e Allianz Parque nos primeiros anos dos anos 2010, o Morumbi foi
relegado ao posto de terceiro estádio da capital paulista.
Pior ainda, hoje é taxado como
estádio ultrapassado e desconfortável.
Até o Pacaembu, com seus quase 80
anos e seu charme histórico, é mais atrativo que o Morumbi.
A desvalorização do Morumbi
resultou no enfraquecimento político e esportivo do clube.
Se já não era possível barganhar
datas com outros times e nem receber os aluguéis, cada vez mais caros cobrados
aos rivais que utilizavam o gramado Tricolor, a força política e até financeira
do São Paulo foi afetada.
Sem tantos atrativos no time e no
estádio a torcida também deixou de lotar o Morumbi, descaracterizando o famoso
“estádio caldeirão” que intimidava adversários e era arma fundamental nas
vitoriosas campanhas.
Com tantos problemas dentro e
fora das quatro linhas, o São Paulo caiu na armadilha da politicagem e fez o
que todo clube que passa por momentos difíceis faz: alterou o estatuto.
A mudança aconteceu no início de
2011 e foi aprovada para permitir o terceiro mandato presidencial, na prática,
a reeleição de Juvenal Juvêncio.
Um verdadeiro golpe, já que ao
final do terceiro mandato o lendário dirigente teria presidido o clube por
longos e dinásticos 10 anos.
Reconhecidamente, a alternância
no poder é um dos pilares de um regime democrático.
Juvenal Juvêncio com sua sanha
pelo poder acabou fazendo alianças nem tão boas para o clube para conseguir o
apoio para se manter no poder.
Para angariar o número necessário
de votos para alterar o estatuto, Juvenal retirou do limbo político do clube e
se aliou a Carlos Miguel Aidar, uma sinistra figura da política Tricolor e que,
desde um mandato como presidente do São Paulo no final dos anos 1980, estava
marginalizado da cúpula que dirigia o clube.
Claramente a estratégia era que
Juvenal fizesse seu último mandato como presidente e ao final passasse o bastão
para Aidar.
E assim se fez, em abril de 2014,
Carlos Miguel Aidar assumiu a presidência do São Paulo Futebol Clube para
enterrar qualquer possibilidade de recuperação administrativa e esportiva nos
próximos anos.
O modelo Aidar de governança foi
desastroso para o São Paulo tanto interna quanto externamente.
O sucessor e até então aliado de
Juvenal, simplesmente demitiu todo o staff da presidência que era ligado ao
ex-presidente.
O destino de Juvenal foi ainda
mais cruel, enviado para gerenciar o CT e as categorias de base em Cotia, quase
um gulag para afastar o ex-aliado do convívio do clube.
‘Tudo o que está ruim pode
piorar’ e com Aidar na presidência o ruim é péssimo e o pior é o caos total.
Apenas 5 meses depois de isolar
Juvenal em Cotia, Aidar demitiu o histórico dirigente e declarou guerra a todos
que ainda fossem aliados de JJ.
Uma caça às bruxas aconteceu no
Morumbi e vários dirigentes foram demitidos ou se demitiram.
A máquina de polêmicas também
atirava para fora do clube.
Não contente em impossibilitar
uma relação amistosa com a oposição e declarar guerra à situação, Aidar ainda
tinha tempo para ridicularizar rivais às custas de negócios antiéticos e
desvantajosos para o próprio clube.
Quando o Napoli mostrou interesse
em contratar Paulo Henrique Ganso, em 2014, Aidar respondeu:
“esse negócio não será feito nem com todo o dinheiro da máfia italiana.
Não somos mafiosos”.
Fez pior ainda em relação ao
Palmeiras.
Em abril de 2014, convocou uma
coletiva de imprensa para anunciar a contratação de Alan Kardec, principal
jogador alviverde no momento e que foi aliciado por intermediários de Aidar
mesmo com contrato vigente com o Palmeiras.
Era uma estratégia para fazer o
clube parecer mais estruturado e com mais condições do que realmente tinha.
O clássico beber água e arrotar
champagne.
Além da contratação ter sido
feita de maneira bastante antiética, Carlos Miguel Aidar contrariou a
orientação de sua própria assessoria de imprensa para aparecer em público com
um cacho de bananas verdes e proferir a seguinte frase:
“A manifestação do presidente Paulo Nobre chega a ser patética. Demonstra,
infelizmente, o atual tamanho da Sociedade Esportiva Palmeiras, que, ano após
ano, se apequena com manifestações dessa natureza”.
Paulo Nobre, então presidente
palmeirense, rompeu relações com o São Paulo.
Os outros clubes não fizeram
declarações oficialmente, mas a frase de Aidar causou tal desconforto entre os
dirigentes brasileiros que acabou por isolar o São Paulo.
Isolado Aidar teve tempo e
ferramentas suficientes para depredar o patrimônio e a imagem do clube.
Episódios como a própria filha
indicada a chefe da assessoria de imprensa do clube; a quebra de contrato com a
Puma e a assinatura com a Under Armour pagando uma comissão de 15% a um
emissário chamado ‘Jack’ que nunca apareceu; o site de buscas e compras
gerenciado por Douglas Schwartzmann e que nunca saiu do papel, a procuração
dada à Cinira Maturana, namorada de Aidar, para representar o São Paulo em
negociações como a frustrada venda de Rodrigo Caio ao Valencia.
Por fim o caso que derrubou Aidar
em 2015. A equipe de olheiros do São Paulo monitorava o zagueiro Iago Maidana
há meses, o valor estimado era de R$ 400 mil, mas o zagueiro foi comprado junto
ao Monte Cristo de Goiás por R$ 2 milhões, apenas duas semanas depois de ter
sido vendido ao clube goiano que pertence a empresários.
O caso desencadeou uma
investigação da CBF e o São Paulo poderia ser até rebaixado e proibido de
contratar por 2 anos, mas acabou apenas pagando uma multa de R$ 100 mil.
Ataíde Gil Guerreiro chegou a
agredir fisicamente Carlos Miguel Aidar após uma discussão no restaurante de um
hotel paulistano.
O clima na diretoria são-paulina
era insustentável.
Aidar não suportou a pressão pelo
envolvimento de sua namorada no escândalo e consequentemente seu próprio
envolvimento.
Renunciou ao cargo em 13 de
outubro de 2015, deixando para trás um caótico cenário político, um desmembrado
setor administrativo e o pior, o catastrófico Carlos Augusto de Barros e Silva,
o Leco, na presidência.
Durante o período de transição
Juvenal entre Juvêncio e Carlos Miguel Aidar, as coisas dentro do gramado
acompanharam o mesmo ritmo dos bastidores do Morumbi.
Exceção feita ao segundo semestre
de 2012, quando o São Paulo conquistou a Copa Sul-Americana vencendo um
adversário que abandonou o jogo no intervalo.
Antes e depois do raro título
Tricolor nos últimos 10 anos, o planejamento herdava os erros dos cartolas que
brincavam com a política do clube.
O erro mais persistente estava na
escolha do treinador.
Começando com Leão, passando por
Muricy Ramalho, Edgardo Bauza, Ney Franco, Juan Carlos Osório, entre outros,
até chegar a Diego Aguirre, o planejamento ou não considerou o perfil do grupo
ou não chegou ao final pelos mais diferentes motivos.
Foram 15 treinadores em 16 trocas
desde a demissão de Muricy há dez anos.
Nem Rogério Ceni, ídolo máximo do
clube, resistiu ao turbulento ambiente Tricolor e foi demitido após 37 partidas
com 49,5% de aproveitamento.
A falta de estabilidade não é
privilégio do banco de reservas, na diretoria de futebol também aconteceram
muitas trocas com perfis completamente diferentes.
Do mais estudioso, jovial e com
estilo de gestão amparado no conhecimento, passando pelo tradicional boleiro,
até aquele pragmático que acredita na repetição do trabalho da última campanha
de sucesso para resolver qualquer problema.
São treze profissionais em dez
anos, o que rende menos de um ano de trabalho na média para cada.
Um verdadeiro triturador de
cartolas que esmagou nomes como: Marco Aurélio Cunha (duas vezes), João Paulo
de Jesus Lopes, Adalberto Baptista, Gustavo Oliveira (duas passagens), Ataíde
Gil Guerreiro, José Eduardo Chimello, Luiz Cunha, José Jacobsen Neto, José
Alexandre Médicis, Vinicius Pinotti, Ricardo Rocha e, os atuais, Raí e
Alexandre Pássaro.
Em 2018, o planejamento que
previa um novo comando no departamento de futebol com o resgate de
personalidades identificadas com o clube, Raí e Ricardo Rocha assumiram o
comando do futebol Tricolor, contratações de peso e a manutenção do treinador,
indicava um novo rumo.
Mesmo com a inevitável demissão
de Dorival Júnior em março, a contratação de Diego Aguirre foi o indicador de
um caminho mais organizado na temporada 2018.
Aguirre além de ter sido
companheiro de time de Raí e Ricardo Rocha, tinha sua filosofia de futebol
compatível a dos atuais dirigentes.
Com as chegadas de Diego Souza,
Nenê e Éverton, jogadores disputados no mercado, Aguirre conseguiu dar padrão
de jogo ao time e no Brasileirão engrenou boa campanha chegando à liderança do
campeonato.
O que poderia ter sido um alívio
para o torcedor que sofreu tantas temporadas fracassadas, acabou gerando a
falsa expectativa de ser campeão brasileiro e a consequente pressão sobre o
elenco que não tinha efetivas condições de vencer o campeonato, mas fazia uma
boa campanha.
Na metade final do segundo turno
o desempenho caiu muito e o São Paulo, que já não era líder, estacionou na
quinta posição e ficou ameaçado de não conseguir a vaga direta na Libertadores.
Ao invés de respeitar o
planejamento de continuidade anunciado na apresentação de Aguirre, a diretoria
resolveu da forma mais simples, demitiu o treinador.
Pior do que demitir um técnico a
cinco jogos do fim do campeonato foi confirmar André Jardine no cargo para a
próxima temporada.
Um técnico sem experiência e que
faz o São Paulo ter o péssimo saldo de ter três treinadores em apenas uma
temporada.
Mesmo assim a receita foi
repetida para 2019 e os cofres tricolores foram abertos para tirar o atacante
Pablo do Athlético Paranaense por R$26 milhões.
Porém com a eliminação precoce
frente ao modesto Talleres mais uma reviravolta mexeu as peças do tabuleiro
são-paulino.
Jardine foi enviado de volta às
categorias de base. Vágner Mancini, que havia sido contratado para gerenciar o
futebol do clube, foi promovido ao cargo de treinador do time profissional e
Cuca foi contratado para assumir apenas em maio, quando estará recuperado de
recente cirurgia no coração.
Uma bagunça!
Neste confuso cenário, algumas
contratações mostram insegurança como o goleiro Thiago Volpi e a campanha no
Campeonato Paulista é frustrante com derrotas e empates contra times do
interior, além de não vencer nenhum clássico, chaga à última rodada da primeira
fase ameaçado de não se classificar às quartas de final.
A afirmação de Carlos Miguel
Aidar, há cinco anos, sobre “o apequenamento do Palmeiras”, hoje se volta
contra o Tricolor que tem justamente no Palmeiras seu principal algoz dos
últimos anos, sofrendo incontáveis goleadas do rival e sendo o único dos
grandes paulistas que nunca venceu no Allianz Parque.
Parece que a torcida entendeu que
o problema não está apenas em campo e desistiu de vaiar ou protestar somente
contra o time.
Ao final do Choque-Rei deste
sábado, 16, os pouco mais de 17 mil presentes no Pacaembu gritaram contra Leco
após mais uma derrota em clássico.
Se a classificação à segunda fase
do Paulistão realmente não acontecer, cresce o risco de mais uma temporada em
crise e sem títulos.
Pelos erros da última temporada
repetidos no início desta, a crise Tricolor tem tudo para durar mais tempo e
talvez exija deste blog um novo capítulo sobre o declínio do clube.
O tempo dirá até onde vai a queda
Tricolor e se uma possível queda à segunda divisão pode ser o antídoto contra o
mal que consome de dentro para fora o São Paulo Futebol Clube.