terça-feira, março 19, 2019

São Paulo FC... Anatomia de uma década em crise.

Imagem: Goal.com


Anatomia Tricolor de uma década em crise

O São Paulo já foi modelo de gestão, transformando eficiência administrativa em títulos, hoje é engolido por uma crise sem precedentes que faz o torcedor amargar sete anos sem taças e sofrer com incontáveis eliminações.

Pedro Henrique Brandão Lopes

Os resultados adversos que decretaram a precoce eliminação do São Paulo na fase pré grupos da Libertadores da América, escancararam a crise que corrói a reputação de clube bem administrado que começava vencer seus títulos nos bastidores e nas decisões de seus dirigentes.

A derrota e o empate frente ao Talleres, um modesto time da Argentina, são o retrato da fase que vive o São Paulo: não consegue repetir bons momentos de outrora e sequer ser competitivo nos campeonatos que disputa.

Afinal a Libertadores foi a especialidade no Morumbi, quando em 13 anos o Tricolor faturou 3 taças.

Neste período, o São Paulo foi responsável por criar nos times e torcedores brasileiros o sentimento de importância e desejo pela competição continental e, para além disso, a consciência de que era necessário se organizar financeira e administrativamente para alcançar conquistas em campo.

O conceito de gestão Tricolor virou modelo a ser implementado por todos os clubes que almejassem a grandeza do Soberano.

Mas a política atrapalhou os planos são-paulinos. Juvenal Juvêncio é figura central da desordem que se abateu sobre o clube mais organizado do futebol brasileiro.

Porém o estopim para a crise que se estende até hoje, atende pelo nome de Carlos Augusto de Barros e Silva, ou simplesmente, o Leco.

Foi o então vice-presidente de futebol que capitaneou o movimento pela demissão de Muricy Ramalho em junho de 2009.

Leco nunca gostou de Muricy e se aproveitou da eliminação Tricolor para o Cruzeiro na Libertadores daquele ano, para demitir o único técnico tricampeão brasileiro de maneira consecutiva.

A demissão de Muricy não era absurda apenas por não levar em conta um aproveitamento do técnico no comando do time de 63% dos pontos disputados, como também por ignorar a liderança que o treinador exercia sobre o elenco que desde então não seria mais vista no CT da Barra Funda.

Se em campo as coisas começaram desandar com a saída de Muricy Ramalho, os fatores extracampo também não ajudavam o São Paulo.

Quando o Brasil venceu a concorrência e foi indicado como país sede da Copa do Mundo de 2014, era praticamente garantida a participação do Morumbi como o estádio a sediar os jogos do Mundial na maior cidade brasileira.

O que todos sabemos hoje, sequer passava pela cabeça de Juvenal Juvêncio e a cúpula política do clube.

Um grande esquema de lobby que envolveu o presidente da república, Lula, um corintiano declarado, empreiteiras, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira que nunca teve boa relação com o São Paulo e tão menos com Juvenal Juvêncio, e a diretoria do clube de Parque São Jorge, viabilizou a construção do estádio corintiano em Itaquera e frustrou os planos são-paulinos de sediar a Copa do Mundo em seu estádio.

O Morumbi, até então, o mais importante estádio de São Paulo estava fora da lista de sedes da Copa do Mundo.

Foi uma surpresa, já que durante décadas, Palmeiras e Corinthians foram obrigados a mandar seus jogos mais importantes no Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi.

Casa são-paulina que sempre foi motivo de orgulho do clube que fazia questão de propagandear o “maior estádio particular do mundo”.

Com as construções da Arena Itaquera e Allianz Parque nos primeiros anos dos anos 2010, o Morumbi foi relegado ao posto de terceiro estádio da capital paulista.

Pior ainda, hoje é taxado como estádio ultrapassado e desconfortável.

Até o Pacaembu, com seus quase 80 anos e seu charme histórico, é mais atrativo que o Morumbi.

A desvalorização do Morumbi resultou no enfraquecimento político e esportivo do clube.

Se já não era possível barganhar datas com outros times e nem receber os aluguéis, cada vez mais caros cobrados aos rivais que utilizavam o gramado Tricolor, a força política e até financeira do São Paulo foi afetada.

Sem tantos atrativos no time e no estádio a torcida também deixou de lotar o Morumbi, descaracterizando o famoso “estádio caldeirão” que intimidava adversários e era arma fundamental nas vitoriosas campanhas.

Com tantos problemas dentro e fora das quatro linhas, o São Paulo caiu na armadilha da politicagem e fez o que todo clube que passa por momentos difíceis faz: alterou o estatuto.

A mudança aconteceu no início de 2011 e foi aprovada para permitir o terceiro mandato presidencial, na prática, a reeleição de Juvenal Juvêncio.

Um verdadeiro golpe, já que ao final do terceiro mandato o lendário dirigente teria presidido o clube por longos e dinásticos 10 anos.

Reconhecidamente, a alternância no poder é um dos pilares de um regime democrático.

Juvenal Juvêncio com sua sanha pelo poder acabou fazendo alianças nem tão boas para o clube para conseguir o apoio para se manter no poder.

Para angariar o número necessário de votos para alterar o estatuto, Juvenal retirou do limbo político do clube e se aliou a Carlos Miguel Aidar, uma sinistra figura da política Tricolor e que, desde um mandato como presidente do São Paulo no final dos anos 1980, estava marginalizado da cúpula que dirigia o clube.

Claramente a estratégia era que Juvenal fizesse seu último mandato como presidente e ao final passasse o bastão para Aidar.

E assim se fez, em abril de 2014, Carlos Miguel Aidar assumiu a presidência do São Paulo Futebol Clube para enterrar qualquer possibilidade de recuperação administrativa e esportiva nos próximos anos.

O modelo Aidar de governança foi desastroso para o São Paulo tanto interna quanto externamente.

O sucessor e até então aliado de Juvenal, simplesmente demitiu todo o staff da presidência que era ligado ao ex-presidente.

O destino de Juvenal foi ainda mais cruel, enviado para gerenciar o CT e as categorias de base em Cotia, quase um gulag para afastar o ex-aliado do convívio do clube.

‘Tudo o que está ruim pode piorar’ e com Aidar na presidência o ruim é péssimo e o pior é o caos total.

Apenas 5 meses depois de isolar Juvenal em Cotia, Aidar demitiu o histórico dirigente e declarou guerra a todos que ainda fossem aliados de JJ.

Uma caça às bruxas aconteceu no Morumbi e vários dirigentes foram demitidos ou se demitiram.

A máquina de polêmicas também atirava para fora do clube.

Não contente em impossibilitar uma relação amistosa com a oposição e declarar guerra à situação, Aidar ainda tinha tempo para ridicularizar rivais às custas de negócios antiéticos e desvantajosos para o próprio clube.

Quando o Napoli mostrou interesse em contratar Paulo Henrique Ganso, em 2014, Aidar respondeu:

“esse negócio não será feito nem com todo o dinheiro da máfia italiana. Não somos mafiosos”.

Fez pior ainda em relação ao Palmeiras.

Em abril de 2014, convocou uma coletiva de imprensa para anunciar a contratação de Alan Kardec, principal jogador alviverde no momento e que foi aliciado por intermediários de Aidar mesmo com contrato vigente com o Palmeiras.

Era uma estratégia para fazer o clube parecer mais estruturado e com mais condições do que realmente tinha.

O clássico beber água e arrotar champagne.

Além da contratação ter sido feita de maneira bastante antiética, Carlos Miguel Aidar contrariou a orientação de sua própria assessoria de imprensa para aparecer em público com um cacho de bananas verdes e proferir a seguinte frase:

“A manifestação do presidente Paulo Nobre chega a ser patética. Demonstra, infelizmente, o atual tamanho da Sociedade Esportiva Palmeiras, que, ano após ano, se apequena com manifestações dessa natureza”.

Paulo Nobre, então presidente palmeirense, rompeu relações com o São Paulo.

Os outros clubes não fizeram declarações oficialmente, mas a frase de Aidar causou tal desconforto entre os dirigentes brasileiros que acabou por isolar o São Paulo.

Isolado Aidar teve tempo e ferramentas suficientes para depredar o patrimônio e a imagem do clube.

Episódios como a própria filha indicada a chefe da assessoria de imprensa do clube; a quebra de contrato com a Puma e a assinatura com a Under Armour pagando uma comissão de 15% a um emissário chamado ‘Jack’ que nunca apareceu; o site de buscas e compras gerenciado por Douglas Schwartzmann e que nunca saiu do papel, a procuração dada à Cinira Maturana, namorada de Aidar, para representar o São Paulo em negociações como a frustrada venda de Rodrigo Caio ao Valencia.

Por fim o caso que derrubou Aidar em 2015. A equipe de olheiros do São Paulo monitorava o zagueiro Iago Maidana há meses, o valor estimado era de R$ 400 mil, mas o zagueiro foi comprado junto ao Monte Cristo de Goiás por R$ 2 milhões, apenas duas semanas depois de ter sido vendido ao clube goiano que pertence a empresários.

O caso desencadeou uma investigação da CBF e o São Paulo poderia ser até rebaixado e proibido de contratar por 2 anos, mas acabou apenas pagando uma multa de R$ 100 mil.

Ataíde Gil Guerreiro chegou a agredir fisicamente Carlos Miguel Aidar após uma discussão no restaurante de um hotel paulistano.

O clima na diretoria são-paulina era insustentável.

Aidar não suportou a pressão pelo envolvimento de sua namorada no escândalo e consequentemente seu próprio envolvimento.

Renunciou ao cargo em 13 de outubro de 2015, deixando para trás um caótico cenário político, um desmembrado setor administrativo e o pior, o catastrófico Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, na presidência.

Durante o período de transição Juvenal entre Juvêncio e Carlos Miguel Aidar, as coisas dentro do gramado acompanharam o mesmo ritmo dos bastidores do Morumbi.

Exceção feita ao segundo semestre de 2012, quando o São Paulo conquistou a Copa Sul-Americana vencendo um adversário que abandonou o jogo no intervalo.

Antes e depois do raro título Tricolor nos últimos 10 anos, o planejamento herdava os erros dos cartolas que brincavam com a política do clube.

O erro mais persistente estava na escolha do treinador.

Começando com Leão, passando por Muricy Ramalho, Edgardo Bauza, Ney Franco, Juan Carlos Osório, entre outros, até chegar a Diego Aguirre, o planejamento ou não considerou o perfil do grupo ou não chegou ao final pelos mais diferentes motivos.

Foram 15 treinadores em 16 trocas desde a demissão de Muricy há dez anos.

Nem Rogério Ceni, ídolo máximo do clube, resistiu ao turbulento ambiente Tricolor e foi demitido após 37 partidas com 49,5% de aproveitamento.

A falta de estabilidade não é privilégio do banco de reservas, na diretoria de futebol também aconteceram muitas trocas com perfis completamente diferentes.

Do mais estudioso, jovial e com estilo de gestão amparado no conhecimento, passando pelo tradicional boleiro, até aquele pragmático que acredita na repetição do trabalho da última campanha de sucesso para resolver qualquer problema.

São treze profissionais em dez anos, o que rende menos de um ano de trabalho na média para cada.

Um verdadeiro triturador de cartolas que esmagou nomes como: Marco Aurélio Cunha (duas vezes), João Paulo de Jesus Lopes, Adalberto Baptista, Gustavo Oliveira (duas passagens), Ataíde Gil Guerreiro, José Eduardo Chimello, Luiz Cunha, José Jacobsen Neto, José Alexandre Médicis, Vinicius Pinotti, Ricardo Rocha e, os atuais, Raí e Alexandre Pássaro.

Em 2018, o planejamento que previa um novo comando no departamento de futebol com o resgate de personalidades identificadas com o clube, Raí e Ricardo Rocha assumiram o comando do futebol Tricolor, contratações de peso e a manutenção do treinador, indicava um novo rumo.

Mesmo com a inevitável demissão de Dorival Júnior em março, a contratação de Diego Aguirre foi o indicador de um caminho mais organizado na temporada 2018.

Aguirre além de ter sido companheiro de time de Raí e Ricardo Rocha, tinha sua filosofia de futebol compatível a dos atuais dirigentes.

Com as chegadas de Diego Souza, Nenê e Éverton, jogadores disputados no mercado, Aguirre conseguiu dar padrão de jogo ao time e no Brasileirão engrenou boa campanha chegando à liderança do campeonato.

O que poderia ter sido um alívio para o torcedor que sofreu tantas temporadas fracassadas, acabou gerando a falsa expectativa de ser campeão brasileiro e a consequente pressão sobre o elenco que não tinha efetivas condições de vencer o campeonato, mas fazia uma boa campanha.

Na metade final do segundo turno o desempenho caiu muito e o São Paulo, que já não era líder, estacionou na quinta posição e ficou ameaçado de não conseguir a vaga direta na Libertadores.

Ao invés de respeitar o planejamento de continuidade anunciado na apresentação de Aguirre, a diretoria resolveu da forma mais simples, demitiu o treinador.

Pior do que demitir um técnico a cinco jogos do fim do campeonato foi confirmar André Jardine no cargo para a próxima temporada.

Um técnico sem experiência e que faz o São Paulo ter o péssimo saldo de ter três treinadores em apenas uma temporada.

Mesmo assim a receita foi repetida para 2019 e os cofres tricolores foram abertos para tirar o atacante Pablo do Athlético Paranaense por R$26 milhões.

Porém com a eliminação precoce frente ao modesto Talleres mais uma reviravolta mexeu as peças do tabuleiro são-paulino.

Jardine foi enviado de volta às categorias de base. Vágner Mancini, que havia sido contratado para gerenciar o futebol do clube, foi promovido ao cargo de treinador do time profissional e Cuca foi contratado para assumir apenas em maio, quando estará recuperado de recente cirurgia no coração.

Uma bagunça!

Neste confuso cenário, algumas contratações mostram insegurança como o goleiro Thiago Volpi e a campanha no Campeonato Paulista é frustrante com derrotas e empates contra times do interior, além de não vencer nenhum clássico, chaga à última rodada da primeira fase ameaçado de não se classificar às quartas de final.

A afirmação de Carlos Miguel Aidar, há cinco anos, sobre “o apequenamento do Palmeiras”, hoje se volta contra o Tricolor que tem justamente no Palmeiras seu principal algoz dos últimos anos, sofrendo incontáveis goleadas do rival e sendo o único dos grandes paulistas que nunca venceu no Allianz Parque.

Parece que a torcida entendeu que o problema não está apenas em campo e desistiu de vaiar ou protestar somente contra o time.

Ao final do Choque-Rei deste sábado, 16, os pouco mais de 17 mil presentes no Pacaembu gritaram contra Leco após mais uma derrota em clássico.

Se a classificação à segunda fase do Paulistão realmente não acontecer, cresce o risco de mais uma temporada em crise e sem títulos.

Pelos erros da última temporada repetidos no início desta, a crise Tricolor tem tudo para durar mais tempo e talvez exija deste blog um novo capítulo sobre o declínio do clube.

O tempo dirá até onde vai a queda Tricolor e se uma possível queda à segunda divisão pode ser o antídoto contra o mal que consome de dentro para fora o São Paulo Futebol Clube.

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