Clubes ingleses podem ser
obrigados por lei a ter membros da torcida na diretoria
Por Felipe Lobo para o site
Trivela
A Premier League fechou a maior
venda de direitos de um campeonato no mundo em um valor de € 6,9 bilhões e o
Partido Trabalhista Britânico quer obrigar a liga e os clubes a distribuírem ao
menos uma pequena parte deste dinheiro.
Atualmente, o acordo é que a
Premier League invista 5% do que recebe da TV em projetos de infraestrutura do
futebol inglês e no futebol de formação das divisões inferiores.
Mais do que isso, o projeto é que
os clubes tenham dois representantes escolhidos pelos torcedores nas diretorias
de cada um dos clubes, como uma forma de dar mais poder àqueles que fazem do
futebol o que ele é.
Tudo isso por um motivo: para que
a Premier League não fique cada vez mais rica e esqueça o que os britânicos
chamam de “grassroot football”, ou futebol de base.
O termo é usado para descrever o futebol
amador, jogado em gramados pelo país e nas divisões amadoras, que é onde está a
base do futebol.
Tanto que há centenas de ligas
amadoras chamadas de Sunday Leagues (“Ligas de Domingo”), que ficam abaixo da
estrutura de futebol profissional, a chamada pirâmide do futebol inglês.
São ligas formadas por times de
entidades profissionais, clubes amadores e até bares.
Frequentemente há uma luta para
que os campos sejam preservados na Inglaterra para esse tipo de futebol
continuar existindo – algo parecido com a várzea nas grandes cidades
brasileiras.
O manifesto divulgado pelos
trabalhistas quer obrigar a Premier League a investir 5% do total dos direitos
de TV, e não apenas dos recebidos de emissoras britânicas.
Isso significa investir não
apenas os € 6,9 bilhões já garantidos da Sky Sports e BT Sport para os direitos
no Reino Unido, mas também todo o valor de venda no exterior, que ainda não foi
negociado e é estimado em € 4,1 bilhões.
Com isso, o investimento que a
Premier League teria que fazer na base da pirâmide do futebol inglês seria de €
555 milhões.
No Reino Unido há um conceito
curioso de “ministro sombra”, que é um ministro da oposição para o mesmo cargo.
O ministro sombra do esporte,
Clive Efford, deu a ideia em novembro de 2014 que os clubes deveriam ter
representantes dos torcedores nas suas diretorias de modo compulsório.
Esta ideia foi recuperada no
manifesto divulgado pelos trabalhistas.
“Os clubes de futebol são uma
parte importante da identidade e do senso de pertencimento de muitas pessoas.
Eles são mais do que apenas negócios. Mas apesar da importância nas vidas dos
seus membros e torcedores, com muita frequência não há modo efetivo para os
torcedores terem voz no modo como seus clubes são administrados”, diz o manifesto
do partido trabalhista.
“O Partido Trabalhista irá
fornecer meios para os torcedores de serem genuinamente parte de seus clubes. Nós vamos introduzir uma legislação que permita entidades credenciadas de
representantes dos torcedores nomear e remover pelo menos dois dos diretores de
um clube de futebol e comprar ações quando o clube mudar de dono. Nós também
iremos rever o papel da participação dos torcedores em outros esportes”, diz
ainda o comunicado.
“Nós iremos garantir que a
Premier League cumpra a sua promessa de investir 5% das suas receitas de
direitos televisivos nacionais e internacionais para o financiamento das bases
do futebol”.
A participação dos torcedores é
um assunto bastante sensível no Reino Unido.
Nas últimas eleições, os dois
grandes partidos, conservador e trabalhista, fizeram promessas em relação a
permitir que os torcedores tenham mais voz e mais participação nos clubes.
O momento da eleição era
complicado, porque tinha o Portsmouth em crise e correndo risco de fechar,
Liverpool também em crise e os protestos dos torcedores do Manchester United
usando verde e amarelo contra os donos americanos.
A Federação dos Torcedores de
Futebol, que reúne representantes dos torcedores de diversos clubes ingleses,
apoiou o manifesto divulgado pelos trabalhistas.
A pauta da entidade é ampla e
eles fazem questão de falar sobre isso.
“Seja preço dos ingressos, posse
de clubes, diversidade ou ficar de pé nos estádios, os torcedores devem estar
envolvidos na reforma do jogo. Os torcedores de futebol deveriam ter voz na
diretoria”, afirmou a entidade.
“Os torcedores são a alma do jogo
e suas opiniões devem ser ouvidas por aqueles que tomam decisões dentro dos
clubes e pelas autoridades”, continuou a entidade.
A Premier League, por sua vez, se
defendeu dizendo que a liga tem continuado a investir “muito acima” de 5% dos
direitos de TV domésticos em futebol de formação.
“Somente no mês passado, os
clubes da Premier League se comprometeram a investir ao menos € 1,3 bilhão fora
da liga de 2016 a 2019. Isso significará ainda mais investimento no futebol
amador, de formação”, afirmou porta-voz da Premier League.
“Atualmente, nós investimos €
77,7 milhões por temporada neste importante trabalho e o futebol da Premier
League irá gerar mais de € 1,6 bilhão em impostos para a Tesouro Nacional só
neste ano”, defendeu-se a liga.
A pressão é para que o futebol da
Premier League, cada vez mais rico, não tenha o dinheiro apenas girando dentro
dela mesma.
O futebol das divisões inferiores
da Inglaterra por vezes é deixado de lado e a própria Premier League inclui na
conta de investimento no futebol de base os pagamento chamados paraquedas,
pagos aos times rebaixados da Premier League à Championship, a segunda divisão.
Esse pagamento é muito discutido
no país porque dá aos times rebaixados uma vantagem em relação aos demais que
já estão na segunda divisão, com um reforço de caixa.
O governo britânico tem falado em
criar comissões para discutir a questão dos clubes terem os torcedores como
seus donos, algo que aconteceu justamente com o Portsmouth, que chegou a entrar
em concordata, e como já foi discutido outras vezes em mais clubes em crise.
A ideia de obrigar os clubes a
terem representantes dos seus torcedores na mais alta diretoria, onde se toma
decisões sobre o futuro do clube, parece um passo óbvio.
Como diz o comunicado, os clubes,
embora sejam empresas potencialmente lucrativas e que movimentam bilhões, são,
essencialmente, parte de uma comunidade e tem nos seus torcedores a sua mais
alta riqueza.
São os torcedores que geram valor
– e dinheiro, efetivamente – aos clubes.
É justo que, portanto, tenham uma
participação maior nas decisões que o clube irá tomar.
Ainda que de forma minoritária.
É uma discussão importante não só
na Inglaterra, mas no mundo.
Qualquer lugar deveria pensar, ou
repensar, o papel do seu torcedor.
É para ele que vive o clube de
futebol, e não o contrário.
No fim, a ideia é que o futebol
se mantenha vivo nas suas raízes, e não só na sua parte bilionária, o que faz
todo sentido.
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