terça-feira, abril 14, 2015

Os clubes ingleses podem ser obrigados a ter membros da torcida na diretoria e a Premier League, a repassar mais dinheiro para as bases e o futebol amador... Não são as federações que salvam o futebol... o que salva é o dinheiro que nunca chega.

Clubes ingleses podem ser obrigados por lei a ter membros da torcida na diretoria

Por Felipe Lobo para o site Trivela

A Premier League fechou a maior venda de direitos de um campeonato no mundo em um valor de € 6,9 bilhões e o Partido Trabalhista Britânico quer obrigar a liga e os clubes a distribuírem ao menos uma pequena parte deste dinheiro. 

Atualmente, o acordo é que a Premier League invista 5% do que recebe da TV em projetos de infraestrutura do futebol inglês e no futebol de formação das divisões inferiores.

Mais do que isso, o projeto é que os clubes tenham dois representantes escolhidos pelos torcedores nas diretorias de cada um dos clubes, como uma forma de dar mais poder àqueles que fazem do futebol o que ele é.

Tudo isso por um motivo: para que a Premier League não fique cada vez mais rica e esqueça o que os britânicos chamam de “grassroot football”, ou futebol de base.

O termo é usado para descrever o futebol amador, jogado em gramados pelo país e nas divisões amadoras, que é onde está a base do futebol.

Tanto que há centenas de ligas amadoras chamadas de Sunday Leagues (“Ligas de Domingo”), que ficam abaixo da estrutura de futebol profissional, a chamada pirâmide do futebol inglês.

São ligas formadas por times de entidades profissionais, clubes amadores e até bares.

Frequentemente há uma luta para que os campos sejam preservados na Inglaterra para esse tipo de futebol continuar existindo – algo parecido com a várzea nas grandes cidades brasileiras.

O manifesto divulgado pelos trabalhistas quer obrigar a Premier League a investir 5% do total dos direitos de TV, e não apenas dos recebidos de emissoras britânicas.

Isso significa investir não apenas os € 6,9 bilhões já garantidos da Sky Sports e BT Sport para os direitos no Reino Unido, mas também todo o valor de venda no exterior, que ainda não foi negociado e é estimado em € 4,1 bilhões.

Com isso, o investimento que a Premier League teria que fazer na base da pirâmide do futebol inglês seria de € 555 milhões.

No Reino Unido há um conceito curioso de “ministro sombra”, que é um ministro da oposição para o mesmo cargo.

O ministro sombra do esporte, Clive Efford, deu a ideia em novembro de 2014 que os clubes deveriam ter representantes dos torcedores nas suas diretorias de modo compulsório.

Esta ideia foi recuperada no manifesto divulgado pelos trabalhistas.

“Os clubes de futebol são uma parte importante da identidade e do senso de pertencimento de muitas pessoas. Eles são mais do que apenas negócios. Mas apesar da importância nas vidas dos seus membros e torcedores, com muita frequência não há modo efetivo para os torcedores terem voz no modo como seus clubes são administrados”, diz o manifesto do partido trabalhista.

“O Partido Trabalhista irá fornecer meios para os torcedores de serem genuinamente parte de seus clubes. Nós vamos introduzir uma legislação que permita entidades credenciadas de representantes dos torcedores nomear e remover pelo menos dois dos diretores de um clube de futebol e comprar ações quando o clube mudar de dono. Nós também iremos rever o papel da participação dos torcedores em outros esportes”, diz ainda o comunicado.

“Nós iremos garantir que a Premier League cumpra a sua promessa de investir 5% das suas receitas de direitos televisivos nacionais e internacionais para o financiamento das bases do futebol”.

A participação dos torcedores é um assunto bastante sensível no Reino Unido.

Nas últimas eleições, os dois grandes partidos, conservador e trabalhista, fizeram promessas em relação a permitir que os torcedores tenham mais voz e mais participação nos clubes.

O momento da eleição era complicado, porque tinha o Portsmouth em crise e correndo risco de fechar, Liverpool também em crise e os protestos dos torcedores do Manchester United usando verde e amarelo contra os donos americanos.

A Federação dos Torcedores de Futebol, que reúne representantes dos torcedores de diversos clubes ingleses, apoiou o manifesto divulgado pelos trabalhistas.

A pauta da entidade é ampla e eles fazem questão de falar sobre isso.

“Seja preço dos ingressos, posse de clubes, diversidade ou ficar de pé nos estádios, os torcedores devem estar envolvidos na reforma do jogo. Os torcedores de futebol deveriam ter voz na diretoria”, afirmou a entidade.

“Os torcedores são a alma do jogo e suas opiniões devem ser ouvidas por aqueles que tomam decisões dentro dos clubes e pelas autoridades”, continuou a entidade.

A Premier League, por sua vez, se defendeu dizendo que a liga tem continuado a investir “muito acima” de 5% dos direitos de TV domésticos em futebol de formação.

“Somente no mês passado, os clubes da Premier League se comprometeram a investir ao menos € 1,3 bilhão fora da liga de 2016 a 2019. Isso significará ainda mais investimento no futebol amador, de formação”, afirmou porta-voz da Premier League.

“Atualmente, nós investimos € 77,7 milhões por temporada neste importante trabalho e o futebol da Premier League irá gerar mais de € 1,6 bilhão em impostos para a Tesouro Nacional só neste ano”, defendeu-se a liga.

A pressão é para que o futebol da Premier League, cada vez mais rico, não tenha o dinheiro apenas girando dentro dela mesma.

O futebol das divisões inferiores da Inglaterra por vezes é deixado de lado e a própria Premier League inclui na conta de investimento no futebol de base os pagamento chamados paraquedas, pagos aos times rebaixados da Premier League à Championship, a segunda divisão.

Esse pagamento é muito discutido no país porque dá aos times rebaixados uma vantagem em relação aos demais que já estão na segunda divisão, com um reforço de caixa.

O governo britânico tem falado em criar comissões para discutir a questão dos clubes terem os torcedores como seus donos, algo que aconteceu justamente com o Portsmouth, que chegou a entrar em concordata, e como já foi discutido outras vezes em mais clubes em crise.

A ideia de obrigar os clubes a terem representantes dos seus torcedores na mais alta diretoria, onde se toma decisões sobre o futuro do clube, parece um passo óbvio.

Como diz o comunicado, os clubes, embora sejam empresas potencialmente lucrativas e que movimentam bilhões, são, essencialmente, parte de uma comunidade e tem nos seus torcedores a sua mais alta riqueza.

São os torcedores que geram valor – e dinheiro, efetivamente – aos clubes.

É justo que, portanto, tenham uma participação maior nas decisões que o clube irá tomar.

Ainda que de forma minoritária.

É uma discussão importante não só na Inglaterra, mas no mundo.

Qualquer lugar deveria pensar, ou repensar, o papel do seu torcedor.

É para ele que vive o clube de futebol, e não o contrário.

No fim, a ideia é que o futebol se mantenha vivo nas suas raízes, e não só na sua parte bilionária, o que faz todo sentido.

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