‘Futebol brasileiro está fincado no passado’,
diz técnico da seleção no Pan
Por Rodrigo Mattos
Ao contrário das vozes
majoritárias do futebol nacional, o técnico da seleção Pan-Americana, Rogério
Micale entende que, sim, o país enfrenta uma crise grave no esporte:
“Temos um problemão.''
Seu diagnóstico é de um Brasil
estagnado em termos táticos, e incapaz de enxergar que está agarrado a
conceitos ultrapassados.
“Não estamos tentando aprender com o nosso passado. Estamos fincados no
nosso passado porque ganhamos no nosso passado. E não olhamos para a frente. É
como um carro. Se olhar para o retrovisor o tempo inteiro vai bater o carro. E
já estamos com o carro todo batido'', analisou ele, em uma metáfora.
Para ele, é imprescindível
agregar conceitos táticos e tipos de treinos praticados na Europa, embora
adaptados às características nacionais.
Na sua opinião, não há um
problema técnico dos atletas nacionais, que ainda são de bom nível apesar de
algumas carências.
“Estamos estagnados taticamente. Precisamos enxergar que o mundo
melhorou. Nós, como profissionais, precisamos melhorar.''
Nesta análise, ele entende que o
Brasil não conseguiu ainda traçar um norte do que precisa ser feito.
“Temos um problemão na mão. E não vai ter fácil de resolver. A não ser
que exista uma mudança drástica de rumo'', contou.
Questionado se a CBF entendeu
essa necessidade de alterar tudo, respondeu:
“Me contratou. E estou sempre questionando tudo.''
Ainda não teve tempo de conversar
muito tempo com o treinador da seleção principal Dunga ou com o coordenador
Gilmar Rinaldi, por conta do calendário.
Os principais questionamentos de
Micale são contra os conceitos arraigados no futebol.
Há uma lista deles: goleiro não
pode jogar com o pé, linha de zagueiros não pode atuar avançada, lateral tem
que ir à linha de fundo e não cruzar por dentro, a bola não deve sair como o
volante para evitar lances de perigo.
Para ilustrar seu ponto, relatou
uma história do recente Mundial sub-20.
Micale instruiu o seu goleiro
Jean para jogar avançado no estilo Neuer para interceptar bolas de ataques
adversários.
Só que enfrentou uma barreira: o
medo que há no futebol brasileiro dos goleiros de serem encobertos.
Adiantou o goleiro até a linha da
área e mandou jogadores tentarem chutes do meio.
Após várias tentativas, ninguém
acertou.
Assim convenceu seus comandados
de era improvável acertar o chute de longe e valia a pena ter o um “líbero'' no
gol.
Jean interceptou mais de 30 bolas
durante o Mundial.
Seu time armado para o Pan, assim
como o Mundial, tem o goleiro adiantado, a linha de quatro zagueiros deve atuar
bem avançada próxima do meio, os quatro jogadores da frente têm que pressionar
a saída adversária o tempo inteiro.
A ideia é que o time tenha uma
distância de 35 metros entre o homem mais avançado e o mais atrás.
“Estou sentido muita diferença. Todo jogo é mais difícil para o
zagueiro'', contou o zagueiro Gustavo Henrique, que atua no Santos.
“Talvez o Brasil esteja atrasado na parte tática, no tipo de
treinamento.''
Mais embasado está Lucas Piazon,
que atua no Frankfurt, para ter opinião similar.
No Brasil, só atuou na base do
São Paulo, que diz ter uma boa estrutura.
Ainda assim, viu bastante
diferença quando chegou no Chelsea.
“No Brasil, tem três horas de treino, mas tem bate-papo, toma aguinha.
Na Europa, é uma hora e meia, mas o treino é intenso durante esse período'',
contou.
Uma opinião que corrobora o que
disse Daniel Alves à ESPN ao comparar treinos de Dunga aos da Europa, apesar
dos elogios ao treinador brasileiro.
Piazon vê em Micale a intenção de
jogar de forma mais próxima a da europeia com linha de zagueiros avançada e os
quatro da frente.
Os treinos mais intensos tentam
fazer o jogador entender o que está realizando taticamente e exercitar sua
capacidade cognitiva, explicou Micale.
Mas um problema é que, no Brasil,
a pressão sobre os treinadores os impede de desenvolver trabalhos a longo
prazo, na sua opinião.
Mas ele não exime a si mesmo à
aos colegas de culpa.
Falta mais estudo a todos que só
se aplicam quando são demitidos.
Professor do curso da CBF de
técnicos há cinco anos, em parceria com a Universidade de Minas Gerais, e
técnico da base do Atlético-MG por seis anos, ele admitiu, no entanto, que não
é qualquer seminário ou palestra que vai acrescentar a um profissional.
“70% são horríveis''.
Ressaltou que a discussão no
futebol brasileiro, em geral, é rasa, seja entre técnicos, seja na mídia.
“Pessoas jogam conversa no ar, discussão vazia. Muitas vezes me pego
pensando em desistir de tentar acrescentar alguma coisa porque me sinto frágil.
Hoje, talvez as pessoas me ouçam porque fui vice-campeão mundial e isso não
serve para nada. Vai servir para me manter no emprego'', disse, sincero.
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