terça-feira, julho 07, 2015

O que acontece com a maioria dos jogadores quando acaba o estadual? Desemprego. A longa, mas excelente matéria do Zero Hora, mostra dura realidade dos jogadores...

O Jornal Zero Hora de Porto Alegre publicou matéria sobre o que acontece com a maioria dos jogadores ao término do campeonato estadual do Rio Grande do Sul.

A matéria está focada no futebol gaúcho, mais exatamente naqueles que disputaram a primeira fase do campeonato, onde Grêmio e Internacional não tiveram participação...

Foram 196 atletas inscritos na disputa.

O mais incrível é que destes, apenas 6 estão disputando o campeonato brasileiro...

4 na Série A e um, na Série B.

Certamente, o que você vai ler serve para a maioria absoluta dos Estados.

A vida depois do estadual

Por: Cristiel Gasparetto, Rafael Diverio e Roberto Azambuja

Para o jornal Zero Hora

Entre o desemprego e a Série A: saiba onde estão 196 jogadores do Gauchão

Zero Hora foi atrás dos atletas que entraram em campo no dia 5 de abril, última rodada da primeira fase da competição...

Lembra do meia Wagner, destaque do Cruzeiro no Gauchão? 

E o lateral Paulinho, do Novo Hamburgo, que errou o pênalti que poderia ter eliminado o Grêmio do Estadual?

Em junho, dois meses após a última rodada da fase classificatória do campeonato, Zero Hora consultou os registros da Federação Gaúcha de Futebol (FGF) para descobrir onde estão os jogadores que disputaram a principal competição do Rio Grande do Sul em 2015.

Foram pesquisados os 196 atletas que entraram em campo no dia 5 de abril (somente Grêmio e Inter ficaram de fora). 

O resultado mostrou que, em junho, apenas 51 (26%) permaneciam nos mesmos clubes. 

Outros 83 jogadores tomaram os mais diferentes rumos, da Terceirona do Gauchão à Série A do Campeonato Brasileiro.

Também há boleiros no Espírito Santo, Acre, Amazonas e até na Malásia. 

Teve ainda os que foram para times da Divisão de Acesso e que já estão, outra vez, desempregados. 

Falando nos sem clube, no momento da consulta à FGF, eles eram 62 (31,6%). 

Ah, sobre o Wagner, ele agora está na Chapecoense. 

E o Paulinho defende o Luverdense-MT na Série B.

Artilheiro do Gauchão vive dias vazios sem o gol pela frente

Michel marcou 11 gols, foi comprado por um empresário, mas segue sem clube
Para cada exercício específico em uma cadeia muscular, Michel faz uma série de abdominais. 

Quer fortalecer o púbis. Seu agente, José Lorenzo, espanhol que comprou os direitos econômicos do goleador do Gauchão, contou que, no país de Real Madrid e Barcelona, as pré-temporadas sacrificam essa região do corpo.

É na academia quase vazia, que, sozinho, o jogador se dedica a garantir uma boa forma física para, se tudo der certo, chegar bem à Europa. 

Mas o levantamento repetido dos halteres serve, principalmente, para conter sua ansiedade: dois meses depois de fazer 11 gols em 15 jogos, o artilheiro do Passo Fundo segue desempregado.

Sua situação, porém, ainda não é desesperadora, ao menos financeiramente. 

Representado pelo empresário cujo escritório está localizado em frente ao Estádio Santiago Bernabéu, tenta aparentar tranquilidade de que irá para algum clube da primeira divisão espanhola nos próximos dias.

Negou propostas de clubes das séries B e C brasileira e até do famoso "mundo árabe". 

Sua esperança é chegar a uma equipe da altura de um Levante, um Elche ou Getafe, onde o agente tem bom trânsito.

Aos 26 anos, Michel das Chagas Henrique, 1m85cm, sabe que uma possível ida para a Espanha é a grande chance de estourar uma carreira que já estava praticamente encravada entre clubes menores do Rio Grande do Sul e Santa Catarina — com breves passagens por São Paulo.

O bom posicionamento na área, a altura que possibilita disputar na cabeça com zagueirões e uma velocidade até certo ponto surpreendente ajudaram-no a ser destaque na segunda divisão de Santa Catarina pelo Concórdia no ano passado.

Procurado pelo Passo Fundo, aceitou o convite de comandar o ataque do time do norte gaúcho em troca da promessa de salários em dia e uma expectativa de um time forte, que brigasse pelo título do Interior. 

Houve investimento, mas faltou resultado para isso. 

Mesmo assim, recebeu o valor prometido.

Surgiram propostas para jogar em divisões menores enquanto não tem o futuro definido. 

A única que realmente interessava seria uma do São Gabriel, time da cidade em que vive com a mulher e dois filhos pequenos. 

Mas o salário não valia o risco. 

Assim, acabou vendo da arquibancada a equipe ser eliminada na quarta rodada do quadrangular final da Divisão de Acesso, marcando apenas um gol.

Demonstrou tristeza pelos companheiros de profissão e funcionários, e até pela cidade que nasceu e escolheu para viver enquanto não confirma sua viagem para a Península Ibérica. 

Quando pisou o gramado do Estádio Sílvio de Faria Corrêa, exclamou, naturalmente:

— Ah! Que saudade disso aqui!

É na sua São Gabriel que passa os dias com a família em uma rotina pacata para quem, três meses atrás, estava em todos os noticiários esportivos. 

A jornada se vai mais ou menos assim: pelas manhãs, assume o papel de babá dos filhos. 

As tardes são distribuídas entre puxar ferro na academia e correr pelas ruas da cidade.

Em algumas noites, joga bola com outros ex-jogadores — e nesses dias, segura no peso dos exercícios, "para não endurecer os músculos". 

Noutras, acende a lareira para assistir a DVDs em uma TV de tubo ou receber alguns parentes em seu apartamento de dois quartos. 

Orgulhoso, deixa a chuteira dourada, que recebeu na festa dos melhores do Gauchão, bem à vista, para se lembrar de sua campanha entre fevereiro e abril de 2015.

E está sempre com o celular à mão, com a internet ligada, seja no WiFi ou no 3G. 

Porque é pelo WhatsApp sua principal comunicação com José Lorenzo. 

Nem reclama de ter sido acordado, dia desses, às 5h. 

O empresário mandou-lhe uma mensagem de voz garantindo que estava encaminhando alguns acertos.

O objetivo, na verdade, era transmitir uma mensagem de tranquilidade quanto ao seu futuro. 

Como se fosse possível tranquilizar um centroavante que está há três meses sem fazer gols.

Sem clube, volante virou sócio de loja de autopeças

Hoje aos 27 anos, Almir relata que passou por dificuldades no segundo semestre de 2014.

Na tarde de 12 de março de 2011, o volante Almir teve seu grande momento como jogador. 

Em uma partida do Campeonato Gaúcho, no Estádio Olímpico, ele recebeu passe na entrada da área e chutou forte, marcando o segundo gol da vitória do Cruzeiro sobre o Grêmio.

Hoje, aos 27 anos, o meio-campista está longe dos gramados. 

Depois de disputar o Estadual pelo União Frederiquense, não recebeu uma boa proposta financeira. 

A alternativa foi se aventurar em outra área. 

O atleta virou sócio de uma autopeça na cidade de Portão, no Vale do Caí.

— Agora, eu tenho uma renda fixa. 

Futebol não é uma certeza para quem joga em time de Interior — justifica.

Natural de Porto Alegre, criado no bairro Vila Nova, o mesmo de Ronaldinho, Almir sempre quis ser jogador. 

O sonho virou realidade no Cruzeiro, onde chegou em 2005, com 17 anos, e saiu somente em 2013.

— Fomos vice-campeões gaúchos de juniores em 2008 — recorda o volante.

Na temporada passada, o primeiro aperto financeiro assustou. 

O ano começou no Vilhena, de Rondônia. 

Depois, o destino foi o União de Frederico Westphalen. 

Porém, mesmo após subir com o time de Frederico Westphalen para a Série A do Gauchão, as propostas para jogar no segundo semestre não apareceram. 

A saída foi ajudar a mulher, Ana, na produção de eventos e até trabalhar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) durante as eleições.

— Ano passado, a gente passou dificuldades. Tive que me virar — destaca Almir.

Por isso, há três meses, quando o sogro resolveu investir em uma autopeça e oferecer para o jogador e a filha tocarem o negócio, o meio-campista resolveu aceitar.

— É complicado sempre ficar correndo atrás para pagar as contas. Preciso pensar no futuro — enfatiza.

E com o encerramento do Gauchão, a rotina mudou radicalmente. 

Os treinos, jogos e concentrações foram trocados por um expediente mais tradicional, das 8h às 12h e das 13h30min às 18h, mas não menos puxado.

— O futebol te priva de muita coisa, tu fica longe da família, sofre pressão, nem sempre os momentos são bons — comenta Almir.

Sobre sua estreia no ramo de autopeças, destaca que no começo estranhou, mas está pegando o jeito.

— Estou aprendendo as peças, ganhando experiência. 

Tem coisas que nem imaginava que existia — diverte-se.

Morador de São Leopoldo, Almir e a mulher compraram um apartamento pelo programa Minha Casa, Minha Vida. 

Com o que conseguiu juntar no futebol, deu uma entrada e agora pagará o restante em 20 anos. 

Para manter a forma, frequenta uma academia e joga em um time de várzea. 

No momento, sua atuação é fora dos gramados, mas se aparecer proposta de algum clube...

— Se pintar uma boa, eu jogo.

O volante também faz faculdade de Educação Física no IPA. 

Começou em 2007, mas devido à rotina do futebol, teve que trancar o curso várias vezes. 

Atualmente, está no sexto semestre.

— A frustração que tenho no futebol foi por não ter feito um contrato longo, de não ter oportunidades em um time grande. 

Quando poderia ter, no meu melhor momento, em 2011, me machuquei. 

Não era para ser, mas não me arrependo, conquistei bastante coisa. 

Joguei na Arena, no Beira-Rio e no Olímpico.

Meio-campista optou pela faculdade

A instabilidade como jogador do Interior está incomodando o meio-campista Régis, 25 anos, que disputou o Gauchão pelo União Frederiquense. 

Já pensando em uma vida longe dos gramados, o atleta começou a cursar Direito em uma universidade de Santiago, cidade da Região Central do Estado, onde reside.

— Quero fazer concursos, evitar a instabilidade. 

É horrível depender do primeiro semestre — ressalta o jogador, que ainda não arrumou emprego para o restante do ano.

— Estou sem clube, não apareceu nada. E não tenho outra fonte de renda. Guardo o que ganho no Estadual e fico correndo atrás, ligando para amigos e empresários. Meu planejamento básico é guardar o que ganho no Estadual para o ano inteiro — explica Régis.

A campanha ruim do União-FW no Gauchão é apontada pelo atleta como um complicador para despertar o interesse de outros times. 

O fato de ficar sem emprego no segundo semestre angustia o jogador, que não descarta até abandonar os gramados:

— Se ficar sem clube até o final do ano, terei dificuldade. Nunca tinha ficado parado. Se for para ficar rodando ou jogar só um semestre, talvez eu pare.

Meio-campista do Avenida no Gauchão, o mineiro Elias, 26 anos, é outro que sofre com o desemprego. 

Desde abril sem clube, ele conta com a ajuda da mulher para se manter.

— Estou sem renda nenhuma. Jogo campeonato de amadores e a esposa segura. É complicado — desabafa o atleta, com passagem pela base do Botafogo e que já jogou no Juventude, na Tailândia e na Moldávia. 

Atualmente, mora em Santa Cruz do Sul e tem como rotina cuidar dos filhos e se exercitar para manter a forma.

— É muito difícil, estou dividido se continuo ou não. Prefiro trabalhar ganhando menos, mas que seja um emprego estável.

Na Série A do Gauchão, a média salarial é de R$ 5 mil a R$ 10 mil. 

Na Divisão de Acesso, o valor médio cai para cerca de R$ 3 mil. 

E nas Copinhas do segundo semestre, diminui ainda mais.

Atacante já recebeu em dólar e agora se mantém no futebol sete

Anderson, ex-Cruzeiro, complementa a renda de casa com o futebol amador
Anderson Pereira de Oliveira já recebeu em dólares. 

Hoje, desempregado, mantém a forma jogando a Série Prata do Campeonato de Futebol Sete de Porto Alegre. 

Para complementar a renda familiar, conta com ajuda da mulher, secretária em uma universidade.

O atacante de 25 anos, que mora no bairro Partenon, deixou o Cruzeiro após a eliminação nas quartas de final do Gauchão. 

Mesmo ainda jovem, garante que conseguiu guardar dinheiro suficiente para sobreviver a períodos sem clube e sem contracheque.

Afirma que teve proposta de um clube da Divisão de Acesso, mas recusou. 

Havia promessa de um contrato melhor no Rio de Janeiro, que acabou não vingando.

— Quando você está empregado, tem que saber administrar. O segundo semestre é mais complicado para jogadores de time pequeno. Em muitos lugares do Interior, tu acabas não recebendo. Gasta mais estando fora do que em Porto Alegre — comenta Anderson.

Anderson iniciou no futebol atuando no Grêmio, em 2001. 

Mais tarde, passou por São José de Porto Alegre, times do Paraná e São Paulo. 

Em 2008, chegou a trabalhar com o grupo principal do Fluminense, à época comandado por Renato Portaluppi.

Três anos depois, passou 10 meses no Irã, onde teve dificuldades com a língua e a solidão. 

Mas pôde fazer o pé de meia com os petrodólares do Oriente Médio. 

Conseguiu dar uma casa para a mãe em Cachoeirinha. 

De volta ao Brasil, passou pelo Boa, de Minas Gerais, e retornou ao Rio Grande do Sul.

No dia em que conversou com a reportagem de Zero Hora, Anderson participava de um jogo-treino de seu time em uma quadra sintética na zona sul de Porto Alegre. 

A equipe se preparava para um torneio no fim de semana seguinte. 

Fazia frio, mas o jogo era quente. 

Até que uma pegada mais forte foi o suficiente para iniciar uma briga generalizada. 

Anderson se afastou.

— O futebol sete me mantém jogando, treinando. Não é muito, mas dependendo dos jogos, consigo ganhar um dinheirinho bom. Aí equilibra — pondera. — O problema é que fico sujeito a me lesionar em um treino como este e ter que ficar muito mais tempo parado — admite.

O atleta lamenta que teve "azar" com empresários, por isso mantém apenas um agente que lhe ajuda na busca por clubes. 

A tratativa que mais lhe enche os olhos é uma oportunidade no futebol de Malta, um minúsculo arquipélago ao sul da Itália, com menos de 500 mil habitantes.

— Tenho um pensamento muito fixo de daqui a dois ou três anos não estar passando mais por isso. Tenho muita vontade de jogar fora de novo. A começar pelo ano inteiro de contrato. O futebol é uma carreira incerta. Contratos de quatro, cinco meses não têm estabilidade alguma. Eu ainda não tenho filhos, mas tenho família. E as contas não esperam — resume Anderson.

Grifes do Interior também sofrem com o desemprego

Eduardinho, 31 anos, e Marcelo Pitol, 33, contam como se viram para pagar as contas no segundo semestre.

Não são só os jogadores menos conhecidos que têm dificuldades para arrumar emprego após o Gauchão. 

Atletas rodados, verdadeiras grifes do Interior, também seguem sem emprego três meses após o encerramento da primeira fase do Estadual.

É o caso, por exemplo, do meia Eduardinho, 31 anos. 

Desde 2009, ele disputa o Gauchão pelo Veranópolis. 

Porém, como o clube da Serra interrompe as atividades após o Estadual, o jogador tem de ir atrás de emprego no segundo semestre. 

Neste ano, não apareceram boas propostas.

— Cada vez piora mais, são muitos jogadores parados. Estou gastando o que tenho guardado, não é fácil — reclama Eduardinho. — Não tenho a vida ganha, se tivesse, já tinha parado de jogar — acrescenta.

Morador de Caxias do Sul, casado e pai de um filho, o meia destaca que não aceita ofertas que considera muito baixas pois tem medo de ter uma lesão grave e comprometer sua participação no Gauchão do ano seguinte, quando a remuneração é garantida.

— No Veranópolis, sei que o pagamento é certinho — enfatiza.

Mesmo assim, Eduardinho diz que pretende jogar alguma das Copinhas organizadas pela FGF no segundo semestre, para não ficar muito tempo parado.

— Infelizmente, vou ter que correr o risco.

— Estou vivendo com pouco, mas vivendo bem, com saúde — pondera o jogador.

Marcelo Pitol

Goleiro formado no Grêmio e com passagens por vários times do Interior, Marcelo Pitol, 33 anos, é mais um nome tarimbado no futebol gaúcho que está sem emprego há três meses, desde que o Aimoré foi eliminado do Estadual. 

É a primeira vez, conforme ele, que fica tanto tempo sem trabalho.

— Estou esperando uma coisa legal, mas está muito difícil. A cada ano vai piorando, não há um calendário para toda a temporada — comenta.

Para manter a forma, o goleiro se exercita em uma academia e também treina com a equipe sub-20 do Aimoré, comandada pelo ex-jogador Arílson. 

A punição de nove jogos sofrida após uma expulsão no Gauchão também é apontada por Pitol como um fator que dificultou o acerto com outros clubes. 

A situação financeira do goleiro só não é mais complicada pois tem, em sociedade com o irmão, uma pizzaria em São Leopoldo.

— Não é uma receita muito alta, mas já dá para pagar as contas — revela.

Para Pitol, além da questão do calendário, a desorganização dos clubes é um dos motivos para o desemprego de muitos atletas.

Divisão de Acesso é a salvação depois do fim do Gauchão

São Gabriel recrutou cinco jogadores que disputaram a primeira divisão

Vem de São Gabriel um dos principais exemplos da destinação de jogadores quando acaba o Gauchão. 

O time da região central do Estado importou cinco atletas para tentar voltar à elite do futebol estadual em 2016. 

Não conseguiu, mas ao menos chegou à fase final.

Quatro destes jogadores estavam em campo na última rodada da primeira fase do Gauchão, em 5 de abril: o goleiro Lúcio, o zagueiro Carlão Farias e os volantes Toto e Henrique. 

O último acabou acertando sua saída após sofrer uma lesão. 

Márcio Bambu, que não disputou a partida derradeira do Estadual, completa o time de reforços da Série A.

Ao todo, a Divisão de Acesso recrutou 19 jogadores do Gauchão. 

Para evitar os times de aluguel, a Federação incluiu no regulamento que só são permitidos três novos vínculos por clube. 

A solução das equipes foi contratar os atletas antes de o torneio começar “emprestando” para o representante da primeira divisão.

Por isso, Carlão ficou fora do banco na maior parte dos jogos. 

Deu lugar a Lúcio, Toto e Bambu. 

Mas mesmo essa condição não incomodou tanto. 

Vinculado ao clube, o zagueiro que atuou pelo Cruzeiro/RS conseguiu receber seu salário, se manter na vitrine e garantir mais uns meses de tranquilidade.

— É uma segurança (jogar a Divisão de Acesso). Dá um fôlego para o segundo semestre, quando a coisa aperta. As copinhas pagam menos — explica o defensor de 25 anos.

As "copinhas" a que se refere são os torneios criados pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF) para movimentar o Interior na metade final do ano. 

Lúcio sabe bem disso. 

Dois anos atrás, tinha contrato com a Portuguesa e foi emprestado para dois times. 

No fim do segundo empréstimo, deveria retornar ao time da capital paulista.

Não foi aproveitado e passou seis meses só treinando. 

E não recebendo, é claro. 

Por isso, nem sempre um acordo mais longo é uma segurança. 

Não se opõe a fazer contratos mais curtos desde que garantam valores e condições prometidas, mesmo sabendo que pode acabar desempregado por um tempo.

— Já estamos acostumados a essa condição. Não dá para desanimar. Basta fazer um trabalho bom que logo já aparecem outras oportunidades — diz o goleiro de 25 anos que se notabilizou no último Gauchão ao defender um pênalti de Alex, do Inter.

Além do bom trabalho, é importante ter amizades e contatos. 

Muitos dos contratos de divisões inferiores e copas de segundo semestre são feitos por indicações de técnicos e atletas. 

A necessidade de algum reforço é dividida com jogadores e treinadores que acabam lembrando de amigos que tiveram sucesso.

É nisso que se apegam os jogadores que estão quase ficando desempregados novamente.

— Até porque não dá para desistir. Mesmo quando pensamos em largar tudo, lembramos de tudo o que já sacrificamos para viver esse sonho de jogar e ganhamos o gás que precisamos para não abandonar o que mais gostamos de fazer — conclui Lúcio.

Os jogadores que se deram bem e agora disputam o Brasileirão

Cinco atletas que estiveram na última rodada do Gauchão conseguiram o sonho da Série A

Dos 196 jogadores do Interior que entraram em campo na última rodada da fase classificatória do Gauchão, cinco atingiram o objetivo sonhado por todos: foram contratados por um time da Série A do Campeonato Brasileiro. 

Dois deles estão no Goiás, o lateral-esquerdo Rafael Forster, ex-Brasil de Pelotas, e o volante Patrick, ex-Caxias.

— O Gauchão foi uma coisa boa. Como o Brasil foi campeão do Interior em 2014 e 2015, tu acaba aparecendo mais, e o Goiás me deu oportunidade. Para quem está no Interior é muito difícil conquistar isso (jogar a Série A) — destaca o catarinense Forster, 24 anos, que elogia a estrutura da equipe da Região Centro-Oeste.

— As condições de trabalho são muito boas, a diretoria é qualificada e o pagamento é em dia. No Interior, o pessoal se esforça, mas às vezes tem essa dificuldade — enfatiza.

Além de Forster e Patrick, o Goiás conta com mais dois jogadores que disputaram o Gauchão — o zagueiro Fred (ex-Novo Hamburgo) e o centroavante Wesley (ex-São José) —, mas eles não estão entre os 196 pesquisados nesta reportagem pois não entraram em campo na última rodada do Estadual.

Forster e Wesley, inclusive, viajaram no mesmo voo rumo a Goiânia para se apresentar ao novo clube. 

Os quatro "gaúchos" foram titulares no jogo do último domingo, na derrota de virada para o Fluminense por 2 a 1.

Para os jogadores do Interior que estão desempregados ou em clubes menores, o lateral-esquerdo deixa uma mensagem de esperança. 

Acredita que vale a pena insistir na carreira e usa o próprio exemplo, já que em 2011 e 2012, pensou em largar o futebol. 

Agora, é titular em uma das principais equipes do país e joga nos modernos estádios da Copa do Mundo.

— Às vezes, as coisas fogem do controle, tu não tens poder de decisão. Para mim, valeu a pena ter esperado, ter me dedicado, me esforçado um pouco mais. Futebol é o que gostamos de fazer. Mas se chegar ao ponto de não ter mais vontade de ter contato com a bola, aí não dá mais — conclui Forster.

Os outros jogadores que disputaram o Gauchão e estão em clubes da Série A são o goleiro Bruno Grassi, que saiu do Cruzeiro e foi para o Grêmio, o meia Wagner, ex-Cruzeiro e agora na Chapecoense, e Matheus Ribeiro, lateral que foi do Ypiranga e se transferiu para o Atlético-PR.

Sindicato define desemprego no futebol como "descarte de homens"

Entidade cobra planejamento dos clubes a longo prazo e maior suporte da CBF.

Para o Sindicato dos Atletas Profissionais do RS, dois dados chamam a atenção. 

O primeiro é o baixo número de atletas que seguem no mesmo time pelo qual jogaram no Gauchão. 

Para o presidente da entidade, Paulo Cesar Mocellin, a informação comprova que não há qualquer planejamento de longo prazo entre os clubes.

Os 31% de desempregados após o Estadual também assustam. 

Segundo o advogado Décio Neuhaus, coordenador jurídico do sindicato, o percentual aponta para um "descarte de homens".

— É como mercadoria. Usa até enquanto serve e depois põe fora — comenta.

O sindicato tem um termo para definir os lugares em que a maioria dos atletas vai quando acaba o Gauchão: "futebol de subsistência". 

Trata-se das divisões inferiores tanto do Rio Grande do Sul quanto de fora.

— Muitas vezes os salários acordados não são pagos e as situações em que vivem são precárias — diz Mocellin.

Outra dificuldade reclamada pela entidade é a dificuldade de ter acesso a dados dos atletas. 

A mudança no sistema de registro tornou quase impossível acompanhar um atleta. 

O BID só apresenta os dados do dia, sem a função cumulativa, que facilitaria a pesquisa.

Para eles, duas mudanças são necessárias — e urgentes. 

A primeira é a necessidade de mais transparência na CBF no setor de transferências e registros. 

A segunda, e mais complicada, é a elaboração de um novo calendário nacional de competições, que permita que os times do Interior joguem durante todo o ano.

Três perguntas para Lúcio Flávio, meia do Coritiba, representante do Bom Senso F.C.

Qual a posição do Bom Senso sobre esta situação?

Definimos como lamentável. O certo é termos calendário anual para todos os clubes profissionais. Não é somente no Rio Grande do Sul, isso afeta todos os estados. A culpa disso é das entidades de administração do futebol, especialmente a CBF, que é o órgão máximo.

Como mudar o quadro?

Democratizando as decisões. Estabelecendo a participação de atletas nos órgãos de deliberação da CBF e das federações. Assim teremos uma oxigenação das propostas e voz para apresentar outras propostas.

Qual o modelo para alterar isso?

Em 2014, o Bom Senso elaborou uma proposta de calendário com campeonatos estaduais, regionais, Copa do Brasil e cinco divisões nacionais. Assim poderíamos oferecer calendário anual para cerca de 600 equipes profissionais.

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