Juiz do caso Marin não sabia nada
de futebol e desconhecia a Fifa
Jamil Chade - O Estado de S.
Paulo
Até o nome da entidade soava
estranho para o magistrado
Na última quarta-feira, o
ex-presidente da CBF, José Maria Marin, teve um mal-estar ao chegar à corte de
Nova York.
Mas não foi um policial ou seu advogado quem primeiro saiu em seu
socorro.
“O senhor está bem? ”, questionou Raymond Dearie, o juiz da Corte do
Brooklyn e que assumiu a responsabilidade de julgar Marin e todos os demais
cartolas encrencados com o escândalo da Fifa.
Um dos nomes mais reconhecidos da
Justiça americana, Dearie era um total desinformado há apenas dois anos no que
se refere ao futebol.
Na transcrição de uma das primeiras audiências, em 2013
com Chuck Blazer, o juiz foi sincero ao declarar que não sabia nem mesmo como
pronunciar a palavra “Fifa”. “Vou soletrar, já que não estou certo sobre como
se fala isso: F.I.F.A”, disse o juiz. “Fifa, excelência”, respondeu Evan
Norris, procurador.
Mas, se o futebol e a Fifa eram
novidade para o juiz, sua história mostra que passou sua vida julgando e
condenando gângsteres, terroristas e o crime organizado.
Dearie começou a trabalhar como
promotor ainda em 1971.
Nos anos 80, seria o então presidente Ronald Reagan
quem o nomearia procurador federal.
Ele passaria uma boa parte daquela década
investigando e apresentando denúncias contra a corrupção de políticos locais.
Um dos alvos foi o deputado Charles Schumer, que acabaria inocentado e hoje é
um dos homens mais fortes do Partido Democrata.
Mas foi como juiz que Dearie
passou a ser um dos nomes mais conhecidos da Justiça americana.
Tomou decisões
sobre casos de ampla repercussão sobre tráfico de drogas, assassinatos,
terrorismo e mesmo sobre o envolvimento de dois homens com o grupo separatista
do Sri Lanka, Tamil Tigers.
Ele ainda presidiu o julgamento
de Najibullah Zazi, um imigrante afegão que confessou ter conspirado ao lado da
Al Qaeda para detonar uma bomba no metrô de Nova York.
Temas sensíveis também fizeram
parte de seu histórico de 71 anos.
Ele foi um dos onze juízes de uma corte
secreta criada para examinar a supervisão sobre a inteligência estrangeira e
questões de espionagem que não possam ser reveladas ao público.
Mas o juiz Dearie é também
conhecido por seus gestos humanos.
Nos anos 90, um comissário de bordo apareceu
diante de sua corte depois de ter tentado roubar joias de um membro da família
real britânica num voo.
Ele o ordenou uma pena relativamente leve e apenas
mandou um recado ao comissário: “Se você aparecer por aqui de novo, mando para
um tratamento médico”.
Em outro caso envolvendo um
suspeito de terrorismo, ele convocou espiões britânicos para depor e sugeriu
que cada um deles usassem perucas e maquiagem para que não fossem
identificados.
Em 2009, ele se recusou a mandar
uma imigrante da Libéria para a prisão depois que ela se declarou culpada por
estar contrabandeando animais vivos.
A condenada foi declarada como tendo
“sérios problemas mentais”.
A atenção ao cartola brasileiro
nesta semana não foi um ato isolado.
Depois da última audiência com Blazer, em
2013, o juiz o desejou “muita sorte”.
O americano estava com câncer.
Dearie não é mesmo nenhum
carrasco.
Que o diga o ex-vice da Fifa e ex-presidente da Conmebol, Jeffrey
Webb.
O cartola também está envolvido até o pescoço no escândalo de recebimento
de propinas e evasão de divisas e em julho fez acordo pelo qual pagou U$ 10
milhões para ficar em prisão domiciliar.
Acabou indo para uma residência
perto de Nova York, mas, dois meses depois, ficou sem dinheiro para pagar
despesas como as da empresa que faz sua vigilância.
Então, pediu a Dearie que
permitisse a ele ir para uma casa que tem no Estado da Geórgia.
O juiz aceitou.
AUDIÊNCIA
Dearie só deve se reencontrar com
José Maria Marin na Corte do Brooklyn no dia 16 de dezembro, data marcada para
nova audiência com o cartola brasileiro, que cumpre prisão domiciliar em seu
apartamento na Quinta Avenida, em Nova York, desde a terça-feira.
O dirigente
foi extraditado da Suíça, onde estava detido desde o dia 27 de maio, para os
Estados Unidos após fazer um acordo com a Justiça americana.
Marin corre o risco de ser
condenado a 20 anos de prisão.
Por enquanto, ele cumpre o acordo de permanecer
no seu apartamento após dar garantias de fiança no valor de cerca de R$ 57
milhões.
Na sexta-feira, o dirigente teve de depositar US$ 1 milhão na conta da
Justiça americana como parte do acordo de sua prisão domiciliar.
O julgamento de Marin, segundo
fontes próximas do processo, pode levar mais de um ano até que se chegue à
sentença final.
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