Assim a Rússia fazia desaparecer
o doping positivo de seus melhores atletas
Sistema de controle empregado em
2011 e 2015 burlava o controle das agências internacionais
Carlos Arribas/Lausanne/Para o El
País
Sem muitos superlativos
disponíveis depois de ter chamado, há anos, o caso de Armstrong de “sistema
mais sofisticado de doping já implementado”, Travis Tygart, presidente da USADA,
a agência antidoping dos Estados Unidos, encontrou, no entanto, um adjetivo
chamativo para descrever o que acontece no caso de doping da Rússia.
“É um nível alucinante de
corrupção”, afirmou Tygart, que imediatamente pediu a exclusão da Rússia da
Olimpíada no Rio.
Depois da leitura de algumas
passagens do relatório, classificado por alguns de romance de ficção científica
ou de espionagem, é possível concluir que o habitualmente exaltado Tygart não
exagerava muito nessa ocasião.
O sistema de doping de Estado
usado na Rússia entre 2011 e 2015 recorria a um método para esconder os
resultados positivos de seus atletas das agências e federações internacionais.
É o que o relatório chama de
Metodologia dos positivos que desaparecem, conhecida em código pelas autoridades
russas como o método de Salva ou Quarentena e que serviu para transformar em
negativos pelo menos 312 amostras positivas de vinte esportes.
As amostras vinham de controles
fora de competição e chegavam ao laboratório de Moscou.
Lá, o diretor, Grigory
Rodchenkov, analisava e quando encontrava um resultado positivo consultava a
agência antidoping, RUSADA, para saber a quem correspondia.
Depois, informava diretamente o
vice-ministro de Esportes da Rússia, Yuri Nagornykh: “Tal atleta deu positivo”.
O político só podia responder com
uma palavra em código das duas que tinha: salva ou quarentena.
Se respondesse “salva”,
Rodchenkov devia informar que o controle era negativo no sistema informático
ADAMS, pelo qual a AMA e as federações internacionais são informadas sobre os
controles, e depois falsificar o relatório do laboratório.
Se o dirigente respondesse
“quarentena”, o caso continuava em frente.
Os “salva”, que de acordo com as
poucas contas que McLaren pôde fazer, classificaram 312 do 577 positivos que
foram revisados, geralmente correspondiam aos melhores atletas russos, às
esperanças de medalha.
A ginástica se salva
Foram afetados quase todos os
esportes olímpicos de verão: atletismo, 139 positivos desaparecidos;
levantamento de peso, 117; luta, 28; canoagem, 27; ciclismo, 26; natação, 18;
futebol e remo, 11 cada um; judô e vôlei, oito cada um; boxe e handebol, cada
um com sete; taekwondo, seis; esgrima e triatlo, quatro cada um; pentatlo
moderno e tiro, três; vôlei de praia, dois, e basquete, vela, tênis de mesa e
polo aquático, um.
Somente ginástica, entre os
grandes esportes, se salvou.
Os “quarentena” (265) condenaram
estrangeiros ou russos de segundo nível.
Houve uma exceção, no entanto, um
estrangeiro de um time de futebol russo que foi salvo pessoalmente pelo
ministro dos Esportes, Vitaly Mutko, também presidente da Federação Russa de
Futebol, membro do Comitê Executivo da FIFA e presidente do comitê organizador
da Copa do Mundo de 2018.
Durante um grande evento como os
Jogos de Inverno de Sochi, o FSB (antiga KGB) construiu um prédio anexo ao
laboratório antidoping, fora do controle dos inspetores da Agência Mundial
Antidoping (AMA), que vigiavam o bom desenvolvimento dos controles.
Esta construção tinha uma
comunicação através de uma passagem do tamanho de um buraco de rato, com a sala
em que Rodchenkov realizava a distribuição das partes divididas de urina para
os controles em diferentes horários do dia.
Durante as madrugadas dedicava-se
a passar através do buraco as amostras de atletas que o ministério tinha
informado que tinham usado doping.
Embora os frascos fossem apenas
identificados por um código, Rodchenkov sabia a quem pertencia, pois, os
atletas tinham tirado secretamente fotos dos frascos ao enchê-los e enviado por
WhatsApp.
Até 15 deles tinham ganhado
medalhas.
Em sua instalação, os
especialistas da polícia possuíam uma geladeira com urina limpa que os
suspeitos tinham enviado a Moscou meses antes.
Com uma técnica desconhecida, mas
que deixou traços microscópicos nas tampas, a FSB abria os frascos, tirava a
urina suja e substituía pela limpa.
Por meio do buraco, devolvia os
frascos a Rodchenkov, que adicionava sal para fazer com que a gravidade
específica do líquido fosse a mesma que tinha apontada anteriormente em uma
análise preliminar.
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