Imagem: El País
Sem glamour e sem dinheiro: a dura realidade do Barcelona brasileiro
Xará do gigante catalão, time que revelou Diego Costa disputa a quarta
divisão de São Paulo
Por Breiller Pires para o El País
Nada de Messi, Suárez e Iniesta.
Às margens da represa
Guarapiranga e das lonas de um circo, na zona sul de São Paulo, quem desfila
pelo campo de grama carcomida são nomes como Liomar, Leisson, Klayver, Talono e
Piscina.
Diferentemente do xará da
Espanha, o Barcelona brasileiro, que disputa a quarta divisão paulista, tem
elenco e estrutura bem menos glamorosos.
Cores, escudo e uniforme remetem
ao Barcelona mais famoso.
Porém, garantem seus fundadores,
a origem do nome nada tem a ver com o gigante catalão.
O Barcelona Esportivo Capela, que
abriu as portas no início da década de 2000, é um produto genuinamente
nacional.
Segundo o fundador e presidente
Paulo Sérgio Moura, a inspiração para o batismo da equipe veio da própria
comunidade da Vila Barcelona, na região da Capela do Socorro, onde amigos
decidiram montar um time amador.
Nome criado, faltava uma
identidade visual – essa, sim, assumidamente copiada da equipe espanhola.
“Pegamos carona na fama do Barcelona. Não deixa de ser uma propaganda
espontânea”, explica o presidente, que chegou a jogar pelo time de
veteranos do clube que fundou.
Em 2004, ano em que Lionel Messi debutava
oficialmente pelo Barcelona, a agremiação paulistana fazia sua estreia como
equipe profissional na última divisão do Estado, de onde jamais saiu.
Nesta temporada, o Barcelona
Capela terminou a competição em penúltimo lugar, com apenas uma vitória em 14
jogos.
Sofreu 35 gols.
Mas engana-se quem pensa que os
seguidos tropeços em campo decepcionam a diretoria.
“Resultado é o de menos”, afirma Moura.
“Lutamos pela sobrevivência e para tentar realizar o sonho dos nossos
garotos. Somos um clube formador. Não temos ambição de subir de divisão, mas
sim de revelar atletas.”
A média de idade do elenco
principal gira em torno de 19 anos.
Boa parte dos atletas é recrutada
nas próprias categorias de base.
Do sub-15 ao profissional, o
Barcelona Capela mantém 200 jogadores.
A maioria deles não recebe
salário, apenas alimentação oferecida pelo clube com a ajuda de parceiros que
doam mantimentos.
Na sede de Guarapiranga, o clube
realiza trabalhos sociais com adolescentes da região e também repassa parte da
comida preparada em suas dependências a famílias carentes.
O maior patrimônio do Barcelona
genérico é um ônibus Mercedes Benz 1989, que serve para transportar atletas aos
treinos e jogos.
Recursos financeiros são
escassos, assim como a torcida, que praticamente se restringe aos familiares de
jogadores e comissão técnica.
O público médio na quarta divisão
deste ano foi de 144 torcedores.
Registrou sua maior renda jogando
em casa na partida de estreia contra o não menos modesto Elosport, em abril,
quando 344 pessoas presenciaram a derrota por 8 x 0.
O clube arrecadou 1.995 reais na
bilheteria.
No entanto, como não possui
dependências com pelo menos 5.000 lugares – exigência da Federação Paulista de
Futebol (FPF) para disputar o campeonato –, o Barcelona tem de alugar estádio e
amarga um prejuízo médio de 10.000 reais por partida com as despesas.
Em um eventual acesso à terceira
divisão, a equipe precisaria de um estádio ainda maior, com capacidade para
6.000 torcedores.
“Por isso o clube até hoje não subiu de patamar”, argumenta o
presidente.
“Temos pouco mais de 100 torcedores, mas somos obrigados a jogar num
estádio de 5.000 lugares. São muitas exigências, que acabam atrapalhando nosso
trabalho.”
A dificuldade em atender tais
exigências já culminou em episódios insólitos ao longo da curta história do
Barcelona.
Em 2015, o time perdeu uma
partida por W.O. depois de o médico decidir não viajar com a equipe.
Ele reivindicava remuneração
extra para percorrer um trajeto de mais de 400 quilômetros até o estádio do
adversário – pelo regulamento da FPF, todos os clubes que participam de
competições oficiais em São Paulo devem contar com um médico em sua delegação.
Naquele ano, o Barcelona ficou em
último lugar de seu grupo.
Em busca do “novo Diego Costa”
Para manter o clube na ativa, o
Barcelona Capela precisa desembolsar cerca de 600.000 reais por ano – o
equivalente ao salário mensal de um jogador top do futebol brasileiro.
A venda de atletas é a principal
fonte de receitas da equipe paulistana, que já viu brotar nomes como Renato
Abreu, ex-Flamengo, e o lateral Pará, que atualmente joga pelo rubro-negro
carioca.
Mas a principal revelação
garimpada nas canteras do clube é o atacante Diego Costa, naturalizado espanhol
em 2013.
“Por ironia do destino, descobrimos um jogador que se tornaria o
carrasco do Barcelona na Espanha”, diz Paulo Sérgio Moura, em referência ao
sucesso de Diego Costa no Atlético de Madri.
O atacante chegou ao time da
Capela do Socorro aos 16 anos para disputar a Copa Rio sub-17.
Logo no primeiro torneio, foi
artilheiro da equipe e fez os olhos do técnico Roderlei Pachani brilharem.
“Já dava para ver que ele era um jogador diferente. Muito forte
fisicamente, sempre teve um estilo ‘brigador’, no bom sentido. Mesmo quando
jogava contra adultos, o Diego sobressaia”, conta seu primeiro treinador.
Devido ao mecanismo de
solidariedade da FIFA, que obriga as equipes a pagarem um percentual dos
valores de transferência ao clube formador, a venda de Diego Costa ao Chelsea,
em 2014, ajudou a revigorar o Barcelona, que ficou seis anos afastado de
competições profissionais por falta de recursos.
A transação rendeu 70.000 euros
(300.000 reais) aos cofres do time.
“O dinheiro do Diego Costa nos ajudou, claro, só que não bancou nem
metade do nosso orçamento anual. Não foi uma fortuna, como muitos imaginaram”,
afirma Moura.
Mas o legado de Diego Costa ao
Barcelona se sobrepôs ao campo e às finanças.
Graças à fama de ter revelado um
goleador para o futebol europeu, o clube conseguiu firmar parceria com o
empresário Jorge Mendes, agente de Cristiano Ronaldo, que tem ajudado a
emplacar as revelações do time paulistano em Portugal.
Uma delas é o atacante Igor
Rocha, 21, que jogou pelo Barcelona no ano passado e hoje defende o Benfica.
Todavia, Diego Costa segue sendo
a inspiração para os jogadores do atual elenco.
Assim como o artilheiro natural
de Lagarto, em Sergipe, o atacante Ícaro, 18, deixou a família em Salvador para
tentar a sorte no futebol de São Paulo.
“Tenho saudade de casa, mas, se o Diego, que também veio do Nordeste,
conseguiu, eu também posso me dar bem aqui”, diz o garoto. Seu companheiro de
time, o volante Alê, 19, é outro que se espelha na trajetória de Diego Costa. E
vai além. “Todos sonham jogar no verdadeiro Barcelona. Não sou diferente. O
Barcelona Capela pode ser o nosso trampolim.”
Ao contrário do Barcelona, o time
paulistano não se notabiliza pelos dribles do trio MSN ou a posse de bola, mas
essa é uma missão que o gerente de futebol Écio Pasca, que acumula experiência
de cinco décadas no circuito da bola, pretende cumprir.
Descendente de espanhóis, ele foi
chamado para arquitetar um estilo de jogo baseado no lendário tiki-taka
catalão.
A utopia no clube é poder
estreitar os laços com o legítimo Barcelona.
“Ainda buscamos uma identidade em campo”, diz Pasca.
“Queremos um time que jogue de forma ofensiva e vistosa. Quem sabe um
dia o Barcelona não possa nos proporcionar um intercâmbio ou até mesmo nos
credenciar como uma filial no Brasil? Seria uma realização e tanto.”
Resiliente a goleadas e
contratempos, o Barcelona brasileiro prova – de um jeito bem peculiar – que
também é “mais que um clube”.
Separados pelas cifras
FC Barcelona
150.000 sócios
75.000 (média de público)
96.290 (maior público em 2017)
2,5 bilhões (orçamento anual)
180 reais (ingresso mais barato)
Barcelona Capela
100 sócios
144 torcedores (média de público)
337 (maior público em 2017)
600.000 reais (orçamento anual)
5 reais (ingresso mais barato)
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