segunda-feira, dezembro 31, 2018

São Silvestre: a corrida dos desconhecidos... a história de Marcos Vale.

Imagem: Autor Desconhecido


Na correria: a Corrida de São Silvestre dos desconhecidos

O lado B da prova de corrida de rua mais tradicional do país contado a partir da história de Marcos Vale, um entre os mais de 30 mil atletas amadores que disputarão a charmosa corrida do último dia do ano.

Por Pedro Henrique Brandão, repórter e comentarista do Universidade do Esporte

Acontece hoje, nas ruas do centro de São Paulo, a 94° Corrida de São Silvestre.

Criada em 1924, pelo jornalista Cásper Líbero, a corrida era disputada à noite e em um percurso menor que os atuais 15 km, eram apenas 8,8 km em sua primeira edição que contou com apenas 60 inscritos, dos quais somente 37 completaram a prova.

O nome da prova é uma homenagem ao Santo Silvestre que na época era papa e anos mais tarde foi canonizado.

Noventa e quatro anos depois, a Corrida de São Silvestre cresceu e é a mais tradicional e charmosa corrida de rua do país, conta com mais de 30 mil corredores e leva às ruas, além de atletas profissionais, os atletas amadores no melhor sentido da palavra, pois são aqueles que praticam o esporte por amor.

São as histórias desses milhares de amadores que fazem a festa da corrida que encerra o ano, que merecem ser contadas.

Marcos Vale é um desses atletas que buscou na corrida uma prática esportiva para acompanhar a correria do cotidiano e fazer o corpo entrar no ritmo acelerado da mente de quem vive e trabalha na metrópole.

Trabalhando no escritório de uma ONG em São Paulo, com as idas e vindas no trânsito caótico da região metropolitana, praticamente não restava tempo para se exercitar.

Aos 35 anos de idade, Marcos se viu acima do peso e percebeu a necessidade de praticar uma atividade física.

Como sempre gostou muito de futebol decidiu voltar a praticar a paixão nacional, mas pela falta de tempo acabou tendo problemas em conciliar seus horários profissionais com os dos jogos.

“Decidi voltar a jogar futebol, mas acabei esbarrando na dificuldade de encontrar pessoas que tivessem horários compatíveis com os meus. Fiquei uns meses procurando o pessoal e acabei desistindo” conta Marcos.

O que poderia ser a frustração responsável por manter Marcos no sedentarismo acabou sendo a motivação para buscar uma atividade que pudesse ser praticada individualmente e no horário que coubesse na agenda.

Foi então que a corrida entrou na vida de Marcos Vale, no primeiro semestre de 2016.

“Eu precisava encontrar uma maneira de melhorar minha qualidade de vida, com 35 anos me sentia muito mais velho, sem disposição para acompanhar o pique do dia a dia” recorda.

A história de Marcos Vale corre na esteira de uma tendência que cresce rapidamente no Brasil: a prática da corrida amadora.

Em janeiro de 2014, a consultoria espanhola Relevance divulgou uma pesquisa com mil entrevistados em que estima que 5% da população brasileira acima de 16 anos, cerca de seis milhões de pessoas, pratique algum tipo de corrida.

Apenas em 2013, a Federação Paulista de Atletismo registrou 323 eventos sob sua supervisão contra 240 em 2009 - crescimento de 35%.

No mesmo período, as corridas autorizadas pela CET (Companhia de Engenharia do Tráfego) em São Paulo foram de 81 para 131 - aumento de 62%.
Com tantos eventos de corrida de rua, Marcos não demorou para participar de sua primeira corrida.

Apenas três meses depois de iniciar os treinamentos, correu os 5 km da Global Energy 2016, disputada na Cidade Universitária, na Zona Oeste da capital paulista.

“Fui pegando umas dicas com amigos que já tinham experiência na corrida e li o livro ‘Correr: O exercício, a cidade e o desafio da maratona’ que o Dráuzio Varela publicou naquele período. Cerca de três meses depois que comecei treinar sozinho disputei minha primeira prova”.

Em quatro meses de corrida o auxiliar administrativo já havia perdido 16 quilos e levava uma vida muito mais saudável já que para manter o ritmo de treinamentos precisou fazer uma mudança completa na alimentação, trocando o fast food com refrigerantes e frituras por legumes, verduras e frutas.

“Enquanto as pernas permitirem”

O ano de 2016 foi de ambientação na corrida.

Marcos tomou gosto pelos treinos e decidiu dar um passo adiante: correria a São Silvestre em 2017.

A preparação para atletas amadores costuma ser árdua já que não há tempo para dedicar somente aos treinamentos.

Com a vida profissional tomando boa parte do dia dos atletas cada um, procura espaço em sua agenda para treinar.

“Faço de duas a três vezes por semana o trajeto entre minha casa e o local onde trabalho. Aproximadamente 12 km considerando que a prova tem 15 km acredito ser uma boa preparação”.

Explica Marcos que mora em Taboão da Serra, cidade da Grande São Paulo, e trabalha em Santo Amaro, bairro na Zona Sul da capital.

Durante os treinos sozinho encontrou um grupo que estava se preparando para a prova, ganhou companhia nos treinamentos e a motivação extra das amizades para a preparação.

Junto ao grupo fazia simulados no trajeto oficial da São Silvestre.

Além dos treinamentos existe a preocupação com a alimentação e o sono, na vida de um atleta profissional é mais fácil cuidar de tudo isso, mas na vida de um ser humano comum que decide correr uma São Silvestre é um desafio e tanto passar por esse processo.

“Nos simulados eu treinava o conhecimento do percurso, como superar os aclives, onde dar um gás mais forte, como resistir à Brigadeiro que com certeza é o ponto mais difícil do circuito”.

Foram doze meses de preparação para executar uma prova no último dia do ano.

Até que em 31 de dezembro de 2017, Marcos Vale pisou na Avenida Paulista com o número de inscrição no peito, tênis e disposição para completar o trajeto.

Conseguiu e foi pego pelo “barato” dos corredores que prende quem disputa uma corrida. Sobre a emoção de disputar a quase centenária corrida, Marcos exalta: “É um ano inteiro da sua vida que você vai diluir nos 15 km. A São Silvestre é percurso extremamente exigente e seletivo, mas que tem a questão de tudo que envolve a prova. As superações, as amizades que fiz durante a preparação ou durante a prova. A principal lição que a São Silvestre nos deixa é que todos podem correr, ali na largada não tem classe social, gênero, raça. Nada nos distingue e somos pessoas iguais que dependemos apenas de nossos esforços. Por isso quero continuar até quando as pernas permitirem”.

A vida depois da corrida

A corrida muda a vida das pessoas que a praticam.

É o que garante o corredor Garth Battista, autor da coletânea de história de outros corredores, intitulada “Runner´s High”, uma expressão que em português se refere ao “barato” que os praticantes da corrida sentem.

"É um estado em que a corrida parece não exigir esforço, em que o corpo e a mente se libertam de qualquer peso. É raro, mas todo corredor sente isso de tempos em tempos" descreve Garth Battista.

Já Marcos Vale vai além ao falar das mudanças que a corrida levou a sua vida.

“Primeiro mudou a minha qualidade de vida, hoje me sinto uma pessoa muito mais preparada e disposta fisicamente. Mentalmente também estou mais forte, mais focado para superar os desafios que a gente encontra no trabalho, em casa e na vida como um todo. A corrida é um exercício que exige disciplina e isso é bom para qualquer área da vida. Acredito que liberar endorfina é algo que faz muito bem, que faz enxergar a vida com a perspectiva do ‘copo d’água cheio’. Trouxe minha esposa para o universo da corrida e hoje treinamos junto, o que nos aproximou ainda mais”.

Neste ano vai disputar sua segunda São Silvestre, não se preparou tanto como no ano passado, mas foi por um ótimo motivo: a chegada do pequeno Heitor, seu segundo filho, que fez as noites ficarem mais curtas e agitadas, por isso o sono não tem sido o necessário para descansar dos treinos e preparar para a prova.

Nada que o impeça de disputar novamente a prova que tem tudo para virar tradição da família Vale já que Ana Carolina, sua esposa, planeja debutar na edição 2019 da corrida.

Em meio a tanta mudança Marcos não deixa de lado os planos.

Tem como meta para o próximo ano disputar sua primeira meia maratona.

Mas isso é só para o ano que vem, por enquanto vive os preparativos finais para enfrentar a subida da avenida Brigadeiro Luís Antônio.

Mesmo sem a preparação ideal como no ano anterior, ele vai, literalmente, passo a passo, porque o importante é competir e nessa corrida o Marcos e os 30 mil atletas amadores são os grandes campeões.

Imagem: Marcos Vale

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