segunda-feira, dezembro 02, 2019

Garrincha: o Embaixador do Café Brasileiro na Europa...

Imagem: Veja/Editora Abril

Mané Garrincha e o copo, aliás, as xícaras de café

Em decadência após não conseguir novos contratos para jogar futebol e praticamente liquidado pela dependência alcoólica, Garrincha foi contratado pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC) como Embaixador do Café Brasileiro na Europa

Pedro Henrique Brandão Lopes

O dia 24 de maio é considerado o dia do café no Brasil.

O grão já foi o principal produto exportação do Brasil e de tamanha importância econômica tinha um órgão público exclusivo para gerir o produto no exterior.

O Instituto Brasileiro do Café (IBC) foi extinto em 1990, mas em 1970 o órgão empregou ninguém menos que Mané Garrincha, a Alegria do Povo.

Apesar do apelido, Garrincha andava bem triste naquele período.

Junto a Elza Soares, sua esposa, o ex-jogador que não admitia o fim da carreira, foi viver em Roma para respirar novos ares, acompanhar Elza numa tentativa de turnê internacional e, por que não, buscar um contrato em algum time europeu.

Aos 37 anos, Garrincha sofria com a decadência física natural a idade, uma lesão seríssima que o atormentava desde 1963 e o principal adversário que o levaria a morte anos depois: o alcoolismo.

Na capital italiana, a dependência de álcool virou o jogo sobre Garrincha.

O homem que atormentou os maiores zagueiros do mundo, passou a perambular pelas ruas de Roma e chegou a ser visto apanhando bitucas de cigarros do chão. Tudo isso, claro, cambaleante não pela ginga que encantou o mundo, mas pela embriaguez persistente.

Elza Soares, que já sofria com o alcoolismo de Garrincha há pelo menos uma década, pedia ajuda aos conhecidos e a situação do craque chegou aos ouvidos de ilustres fãs do Anjo das pernas tortas no Brasil.

Jarbas Passarinho, então ministro da educação, era um dos muitos brasileiros que consideravam Garrincha maior que Pelé.

O ministro deu o aval para uma engenharia que já estava sendo montada por figuras influentes no Ministério da Indústria.

Até o então presidente Ernesto Geisel, interveio junto ao IBC para que Garrincha fosse contratado, já que um ídolo brasileiro passando necessidades no exterior não era exatamente a propaganda que o regime queria.

Enfim o emprego saiu, mas como a sede do IBC ficava em Milão, Elza e Garrincha se mudaram para a cidade da moda naqueles anos.

A mudança calhou bem ao casal que já devia aluguéis e estava prestes a ser despejado.

O salário proposto era de 1000$ dólares mensais, para se ter ideia o chefe do IBC recebia 1200$, os valores causaram desavenças naturais dentro do órgão, mas a função que não existia e foi criada sob medida para Garrincha, também foi motivo para o craque sofrer com os olhares atravessados.

A atividade do cargo de Embaixador do Café Brasileiro na Europa, na verdade se reduzia a ida de Garrincha às feiras gastronômicas onde o IBC promovia a venda do café brasileiro.

Em resumo, Garrincha seria um garoto propaganda de um dos principais produtos brasileiros de exportação e compareceria apenas às tais feiras.

Porém o problema é que Garrincha não conseguia comparecer aos compromissos por conta de seu alcoolismo.

Para se ter ideia, das 20 feiras agendadas para 1971, Mané foi apenas a três, em Zagreb, Bolonha e Marselha.

Nas poucas oportunidades em que cumpriu com sua nova ocupação, Garrincha dava gafes por conta de sua famosa ingenuidade.

Na biografia Estrela Solitária, Ruy Castro resgata um diálogo de Garrincha com um italiano que foi ao estande do IBC apenas para conhecê-lo, mas resolveu perguntar sobre o café do Brasil:

“E esse café do Brasil, é bom mesmo?”

Ao que o inocente Garrincha não sucumbiu à mentira:

“Não sei, nunca tomo. O que sei que é o fino é a pinga do Brasil”.

O intérprete preferiu não traduzir e inventou outra coisa para não constranger os presentes.

Com episódios como este e diversas ausências nas ocasiões em que deveria promover o produto brasileiro na Europa, o emprego no IBC não duraria muito e tudo indicava para uma demissão.

Garrincha se antecipou.

Aproveitou um convite recebido por Elza Soares para uma turnê brasileira e pediu seu desligamento do Instituto Brasileiro do Café para acompanhar a esposa de volta ao Brasil, em dezembro de 1971.

No retorno ao país, o calvário de Garrincha com o alcoolismo continuaria até 20 de janeiro de 1983, quando morreu aos 49 anos de idade, completamente liquidado pela dependência e com passagens folclóricas como o período em que foi o Embaixador do Café Brasileiro.

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