sábado, março 08, 2025

China cria banco de dados que permite que qualquer cidadão pode se candidatar para ser jogador de futebol

Montagem: Fernando Amaral

Futebol sem conexões: qualquer cidadão chinês pode se candidatar para se tornar um jogador de futebol profissional

Você só precisa se registrar em um banco de dados para ser avaliado por um Comitê de Especialistas.

A China tentou de tudo para melhorar seu futebol, desde contratações de estrelas até academias multimilionárias, mas a corrupção e a falta de talentos locais frustraram todas as tentativas.

Agora, a Associação Chinesa de Futebol (CFA) está apostando em uma mudança radical: permitir que qualquer jogador de futebol, homem ou mulher, solicite avaliação.

O 'Sistema de Auto Recomendação' foi lançado em 1º de março com o objetivo de democratizar o acesso ao futebol profissional, eliminando intermediários e favoritismos na contratação de talentos.

O CFA promete um processo aberto e transparente, onde qualquer pessoa com nacionalidade chinesa pode se registrar e tentar a sorte.

Um sistema aberto a todos

Para verificar como funciona, a EFE acessou a plataforma oficial do sistema e criou um perfil de uma jogadora como se ela fosse uma candidata.

O registro é fácil: tudo o que você precisa é de um documento de identidade chinês válido e algumas informações pessoais, sem restrições de idade ou experiência anterior.

 

Após preencher um perfil com seu histórico futebolístico e posição em campo, o jogador pode enviar vídeos demonstrando suas habilidades, fator fundamental na avaliação.

Eles devem então passar por testes físicos, como corrida de 30 metros, salto em distância e flexões de barra, cujos resultados são verificados com inteligência artificial e blockchain para evitar fraudes.

Um painel de especialistas da CFA analisa os perfis e seleciona os mais promissores, que podem ser convocados para treinos, torneios ou até mesmo serem alvos de seleções juvenis.

Em teoria, o sistema remove barreiras para aqueles sem conexões ou apoio institucional, mas ainda há dúvidas no futebol de base sobre se isso realmente fará a diferença.

Entre a esperança e o ceticismo

Para as academias privadas, que têm sido o esteio do treinamento de jovens na China, essa mudança não é necessariamente uma boa notícia.

Chen Zhe, proprietário da academia de futebol DSF em Pequim, expressou seu ceticismo à EFE.

“No momento, esse sistema não nos afeta diretamente, embora possa beneficiar nossos jogadores em 5 ou 10 anos. No entanto, por si só, não resolverá o problema de detecção de talentos na China”, comentou.

Este sistema por si só não resolverá o problema da detecção de talentos na China

Da sua perspectiva, o Sistema de Auto Recomendação só seria útil se combinado com uma estrutura sólida de liga juvenil, algo que a CFA também anunciou como parte de suas reformas.

“Se a China puder construir um sistema estável de liga juvenil multinível e combiná-lo com essa plataforma de auto recomendação, então poderemos estar olhando para uma mudança positiva. Mas hoje, esse sistema não tem impacto real em jogadores de base”, acrescentou Chen.

Ele também dúvida que esse mecanismo possa ser um caminho de volta para jogadores amadores ou profissionais que abandonaram o esporte.

“Este sistema não oferece nenhuma garantia de que jogadores que estavam inativos possam retornar ao futebol profissional, mesmo em divisões inferiores, como a China League Two ou a Liga dos Campeões da China”, afirmou.

Este sistema não oferece nenhuma garantia de que jogadores que estiveram inativos possam retornar ao futebol profissional.

A crítica de Chen reflete o medo de muitos treinadores: que esse sistema se torne uma mera vitrine digital sem um modelo real de desenvolvimento por trás dele.

Fraude e resistência à mudança

Apesar do entusiasmo que despertou, o sistema não está isento de riscos.

Especialistas alertam que a falta de controles pode facilitar registros falsos, manipulação de votos e fraudes em avaliações, o que colocaria em questão sua credibilidade.

Além disso, o modelo enfrenta resistência dentro do próprio sistema de futebol chinês. Autoridades da CFA disseram a vários meios de comunicação chineses que algumas associações locais veem a auto recomendação como uma ameaça à sua influência, enquanto academias e escolas de futebol juvenil temem perder seu papel na formação de talentos.

A história do futebol asiático oferece exemplos de problemas semelhantes.

Em 2001, a J.League do Japão sofreu um escândalo quando jogadores falsificaram seus registros para entrar em programas de recrutamento, levantando questões sobre a viabilidade de um sistema aberto sem supervisão rigorosa.

Mudança real ou estratégia insuficiente?

O futebol chinês ainda não encontrou uma fórmula eficaz para desenvolver talentos.

Com 1,4 bilhão de pessoas, o país ainda não formou um time competitivo, e a participação dos jovens no esporte caiu drasticamente nos últimos anos, de acordo com dados da Administração Geral de Esportes da China.

Soma-se a isso um histórico de corrupção: entre 2010 e 2022, foram registrados mais de 300 milhões de yuans em subornos e escândalos, afetando a confiança em qualquer nova iniciativa.

O novo sistema, no entanto, gerou um impacto imediato nas redes sociais.

Em plataformas como Douyin e Hupu, milhares de jogadores compartilharam suas inscrições, e alguns, como o chamado “Xinjiang Cristiano Ronaldo”, ganharam popularidade entre os fãs.

Esse fenômeno reacendeu o debate sobre se a abertura de novos canais de recrutamento realmente servirá para elevar o nível do futebol chinês ou se apenas impulsionará conteúdo viral sem uma estrutura real de desenvolvimento.

Casos recentes no Vietnã e na Tailândia mostraram que reformas bem implementadas podem melhorar a competitividade do futebol nacional, mas somente quando apoiadas por um plano sólido.

Nesse sentido, a auto recomendação pode ser uma ferramenta útil, mas sem uma estrutura de liga juvenil bem-organizada, dificilmente garantirá o salto para o profissionalismo.

Como o ex-jogador de futebol Fan Zhiyi alertou: “Não precisamos apenas de quantidade, precisamos de qualidade”.

Fonte: EFE

Nenhum comentário: