Futebol sem conexões: qualquer
cidadão chinês pode se candidatar para se tornar um jogador de futebol
profissional
Você só precisa se registrar em
um banco de dados para ser avaliado por um Comitê de Especialistas.
A China tentou de tudo para
melhorar seu futebol, desde contratações de estrelas até academias multimilionárias,
mas a corrupção e a falta de talentos locais frustraram todas as tentativas.
Agora, a Associação Chinesa de
Futebol (CFA) está apostando em uma mudança radical: permitir que qualquer
jogador de futebol, homem ou mulher, solicite avaliação.
O 'Sistema de Auto Recomendação'
foi lançado em 1º de março com o objetivo de democratizar o acesso ao futebol
profissional, eliminando intermediários e favoritismos na contratação de
talentos.
O CFA promete um processo aberto
e transparente, onde qualquer pessoa com nacionalidade chinesa pode se
registrar e tentar a sorte.
Um sistema aberto a todos
Para verificar como funciona, a
EFE acessou a plataforma oficial do sistema e criou um perfil de uma jogadora
como se ela fosse uma candidata.
O registro é fácil: tudo o que
você precisa é de um documento de identidade chinês válido e algumas
informações pessoais, sem restrições de idade ou experiência anterior.
Após preencher um perfil com seu
histórico futebolístico e posição em campo, o jogador pode enviar vídeos
demonstrando suas habilidades, fator fundamental na avaliação.
Eles devem então passar por
testes físicos, como corrida de 30 metros, salto em distância e flexões de
barra, cujos resultados são verificados com inteligência artificial e
blockchain para evitar fraudes.
Um painel de especialistas da CFA
analisa os perfis e seleciona os mais promissores, que podem ser convocados
para treinos, torneios ou até mesmo serem alvos de seleções juvenis.
Em teoria, o sistema remove
barreiras para aqueles sem conexões ou apoio institucional, mas ainda há
dúvidas no futebol de base sobre se isso realmente fará a diferença.
Entre a esperança e o
ceticismo
Para as academias privadas, que
têm sido o esteio do treinamento de jovens na China, essa mudança não é
necessariamente uma boa notícia.
Chen Zhe, proprietário da
academia de futebol DSF em Pequim, expressou seu ceticismo à EFE.
“No momento, esse sistema não
nos afeta diretamente, embora possa beneficiar nossos jogadores em 5 ou 10
anos. No entanto, por si só, não resolverá o problema de detecção de talentos
na China”, comentou.
Este sistema por si só não
resolverá o problema da detecção de talentos na China
Da sua perspectiva, o Sistema de Auto
Recomendação só seria útil se combinado com uma estrutura sólida de liga
juvenil, algo que a CFA também anunciou como parte de suas reformas.
“Se a China puder construir um
sistema estável de liga juvenil multinível e combiná-lo com essa plataforma de auto
recomendação, então poderemos estar olhando para uma mudança positiva. Mas
hoje, esse sistema não tem impacto real em jogadores de base”, acrescentou
Chen.
Ele também dúvida que esse
mecanismo possa ser um caminho de volta para jogadores amadores ou
profissionais que abandonaram o esporte.
“Este sistema não oferece
nenhuma garantia de que jogadores que estavam inativos possam retornar ao
futebol profissional, mesmo em divisões inferiores, como a China League Two ou
a Liga dos Campeões da China”, afirmou.
Este sistema não oferece nenhuma
garantia de que jogadores que estiveram inativos possam retornar ao futebol
profissional.
A crítica de Chen reflete o medo
de muitos treinadores: que esse sistema se torne uma mera vitrine digital sem
um modelo real de desenvolvimento por trás dele.
Fraude e resistência à mudança
Apesar do entusiasmo que
despertou, o sistema não está isento de riscos.
Especialistas alertam que a falta
de controles pode facilitar registros falsos, manipulação de votos e fraudes em
avaliações, o que colocaria em questão sua credibilidade.
Além disso, o modelo enfrenta
resistência dentro do próprio sistema de futebol chinês. Autoridades da CFA
disseram a vários meios de comunicação chineses que algumas associações locais
veem a auto recomendação como uma ameaça à sua influência, enquanto academias e
escolas de futebol juvenil temem perder seu papel na formação de talentos.
A história do futebol asiático
oferece exemplos de problemas semelhantes.
Em 2001, a J.League do Japão
sofreu um escândalo quando jogadores falsificaram seus registros para entrar em
programas de recrutamento, levantando questões sobre a viabilidade de um
sistema aberto sem supervisão rigorosa.
Mudança real ou estratégia
insuficiente?
O futebol chinês ainda não
encontrou uma fórmula eficaz para desenvolver talentos.
Com 1,4 bilhão de pessoas, o país
ainda não formou um time competitivo, e a participação dos jovens no esporte
caiu drasticamente nos últimos anos, de acordo com dados da Administração Geral
de Esportes da China.
Soma-se a isso um histórico de
corrupção: entre 2010 e 2022, foram registrados mais de 300 milhões de yuans em
subornos e escândalos, afetando a confiança em qualquer nova iniciativa.
O novo sistema, no entanto, gerou
um impacto imediato nas redes sociais.
Em plataformas como Douyin e
Hupu, milhares de jogadores compartilharam suas inscrições, e alguns, como o
chamado “Xinjiang Cristiano Ronaldo”, ganharam popularidade entre os
fãs.
Esse fenômeno reacendeu o debate
sobre se a abertura de novos canais de recrutamento realmente servirá para
elevar o nível do futebol chinês ou se apenas impulsionará conteúdo viral sem
uma estrutura real de desenvolvimento.
Casos recentes no Vietnã e na
Tailândia mostraram que reformas bem implementadas podem melhorar a
competitividade do futebol nacional, mas somente quando apoiadas por um plano
sólido.
Nesse sentido, a auto
recomendação pode ser uma ferramenta útil, mas sem uma estrutura de liga
juvenil bem-organizada, dificilmente garantirá o salto para o profissionalismo.
Como o ex-jogador de futebol Fan Zhiyi alertou: “Não precisamos apenas de quantidade, precisamos de qualidade”.
Fonte: EFE
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