Arte Digital: Fernando Amaral.
Ontem foi uma tarde como as
velhas tardes de domingo dos anos idos...
Cá estava eu, longe do Rio de Janeiro,
sentindo falta do velho Maracanã...
Cá estava eu, longe de Brasília,
sentindo falta do sofá que dividia com meu pai...
Cá estava eu, coração apertadinho,
remoendo saudades e torcendo para que o tricolor Nélson Rodrigues, permanecesse
em seu justo e plácido descanso e não, sentado em algum canto do Engenhão ao
lado de seu fiel companheiro, o Sobrenatural de Almeida...
Juntos, poderiam invocar das sombras, as
velhas chuteiras imortais de Samarone, Doval, Romerito, Rivelino, Ézio e tantos
outros que por tantas vezes calaram minha voz e me fizeram ficar por tantos
minutos tentando encontrar respostas.
Quando eles, os adversários
entraram em campo, senti aquele friozinho que qualquer ser lúcido sente, ao ver
que o oponente tem porte, tamanho e vontade igual a sua...
O sorriso confiante do Fred me
fez pensar que ele, Nélson e o Sobrenatural de Almeida talvez, tivessem batido
aquele papinho antes dos degraus que separam o vestiário e o gramado serem transpostos
pelo artilheiro tricolor.
Olhei para os meus e não vi temor
em seus olhos...
Vi respeito e isso me deu
confiança.
Quando a bola rolou, no ainda
para mim, desconhecido e inóspito Engenhão; pensei: vai ser sofrido, suado,
pegado e disputado palmo a palmo...
Era um encontro de gigantes e
nesses encontros, qualquer descuido é fatal.
A bola rolava e não havia como
despregar os olhos da tela...
O jogo corria solto e cada um
buscava encontrar aquela pequena fenda por onde fosse possível transpor a
marcação...
Repentinamente, ele, o Fred,
recebe uma bola gira, da um toque e chuta...
A maldita, toca no zagueiro e muda
o rumo, encobre Fernando Prass e vai toda serelepe para o gol...
Olhando com calma, percebi que a
bola não bateu no zagueiro e sim, foi desviada pelo Sobrenatural de Almeida,
que se antecipou e com o bico do pé, mudou a trajetória da bola...
Não sei o que aconteceu depois,
mas por puro capricho, a rota que parecia certa em direção as redes do Vasco, sofreu
um milimétrico desvio e então, lá estava à branca e doce trave para tocá-la de
volta...
Precisei de um longo trago no
cigarro e de mais um gole de Coca-Cola para me acalmar, pois tudo o que eu não
queria, se confirmou...
Nelson Rodrigues e o Sobrenatural
de Almeida estavam lá!
Pouco tempo depois, Elton livre,
solto, solitário e com o gol escancarado a sua frente, chuta no travessão, o
rebote de Diego Cavalieri..
.
Porra Elton!
Como você consegue fazer o mais
difícil?
Foi quando mais uma vez, percebi
o Sobrenatural de Almeida, levantando com um sorriso nos lábios a limpar as
mãos que haviam espalmado a bola que tinha endereço mais que certo.
Irritado, gritei que aquilo não
era justo...
Contra o ótimo time do Fluminense
e os dois, a tarefa seria hercúlea.
Quase impossível.
No intervalo, reabasteci a velha caneca
de metal de Coca-Cola, abri mais um maço de hollywood e entre ansioso e quase
histérico, comecei há contar os minutos no relógio, quando a bola voltou a
rolar...
Algo mudara, o Vasco estava menos
agressivo, mais cadenciado e para piorar, o Cristóvão mexeu e ao mexer, piorou
tudo.
O Fluminense cresceu, apertou e
assustou.
Foi quando entrou Alecsandro...
Bem, quem não tem cão, caça com
gato...
Queimei a língua, pois ao receber
um passe de cabeça de Rômulo, ele, o Alecsandro, tocou para o gol e a bola,
depois e se embaraçar com o goleiro Diego Cavalieri, correu mansa para o fundo
das redes do Fluminense...
Procurei o Sobrenatural de
Almeida e não vi: acho que ele e o Nelson, também não levavam fé no
Alecsandro...
Azar o deles...
Bem, é melhor ficar calado, pois eu
também não levava a menor fé.
A partir daí, só deu Fluminense e
meu coração já não batia, saltava...
Até que uma bola marota chega
pelo alto e encontra Fred, ele desloca o zagueiro, amortece no peito e bate
para o gol...
Fernando Prass e eu, saltamos,
mas ela toca no Fernando, desvia de mim e vai se aconchegar no fundo da meta...
Que m...
Logo agora, o Corinthians está
vencendo e com esse resultado, acabou...
Procurei o Sobrenatural de
Almeida e não o vi...
Lá da arquibancada, eles gritavam
em minha direção: “quem tem Fred, não precisa de ajuda extra”.
Fiquei puto...
Os sacanas esqueceram-se do primeiro
tempo?
Esqueceram nada, porra...
Estavam era curtindo com minha
cara.
Desabei.
Aquele gosto amargo tomou conta
de minha boca e aquela sensação de fim de mundo, invadiu meu quarto.
Fiquei olhando para tela com cara
de paisagem...
Entretanto, quando já me preparava
para levantar, alguém esticou uma bola pela direita e Alecsandro corre, olha e
sei lá como, faz o mais sensacional cruzamento que já vi em minha vida...
Grudei os olhos na bola e vi
quando Bernardo entrou como um bólido e tocou de cabeça...
O filho da puta do Diego
Cavalieri salva...
Isto é, rebate...
A bola volta, Bernardo chuta e é gol...
Gol, porra foi gol...
Chutei o cesto de lixo, dei um
murro no ar, estirei o dedo para o Nelson e para o Sobrenatural de Almeida e
berrei uns dois mil palavrões...
Depois fiquei tentando manter no
peito o coração que insistia em comemorar fora do meu corpo e assoprando os
ponteiros do relógio.
Quando excelentíssimo árbitro que
amarelou o time inteiro do Vasco só para afastar do jogo com o Flamengo, nossos
melhores jogadores encerrou a partida, suspirei fundo...
Foi então, que ouvi baixinho em
meu ouvido uma voz que há muitos anos não ouço e que disse:
“Filho, eu juro que no primeiro
gol não fiz nada, mas no segundo, dei um tapa na mão do Cavalieri para ele
soltar aquela maldita bola”...
Meus olhos ficaram cheios de
lágrimas...
Não vi, mas acho que meu pai
depois disso, se afastou e seguiu envolto pelas sombras das chuteiras imortais
de Russinho, Niginho, Ademir, Saulzinho, Paulinho, Dé, Roberto, Romário e Edmundo...
Chuteiras que tantas vezes me
fizeram explodir de felicidade.