PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA
21º REGIÃO
Acórdão nº 126.989
Recurso Ordinário nº
122100-03.2012.5.21.0009
Relator: Desembargador José
Barbosa Filho
Recorrentes: Murilo Bedusco dos
Santos e ABC Futebol Clube
Advogado: Felipe Augusto Leite e
José Wilson Gomes Netto e outros
Recorridos: Murilo Bedusco dos
Santos e ABC Futebol Clube
Advogado: Felipe Augusto Leite e
José Wilson Gomes Netto e outros
Origem: 9ª Vara do Trabalho de
Natal
Recurso do reclamado.
Rescisão indireta do contrato de
trabalho – Não comprovação do abandono de emprego.
Inexiste nos autos prova efetiva
do abandono de emprego, a embasar a tese de defesa. Ao revés, ficou evidenciada
a mora salarial contumaz, prevista no artigo 31 da Lei Pelé. Assim, deve ser
mantida a condenação do Clube reclamado ao pagamento da cláusula compensatória
de que trata o artigo 28, inciso II, da Lei 9.615/98.
Direito de imagem – Natureza
salarial.
O reclamado não juntou cópia do
contrato de licença de uso de imagem do autor, limitando-se a apresentar apenas
o contrato especial de trabalho desportivo com o atleta, em desacordo com o
art. 87-A da Lei nº 9.615/98. Diante dessa realidade, os valores recebidos pelo
autor a título de direito de imagem constituem remuneração pelo trabalho
prestado e, portanto, possuem natureza salarial.
Aplicação da multa do art. 475-J
do CPC.
A CLT é omissa quanto à multa
pelo não cumprimento da sentença trabalhista transitada em julgado e, ainda, a
multa do art. 475-J do CPC é compatível com as normas trabalhistas, pois contribui
para maior celeridade na efetivação da prestação jurisdicional, o que atende
aos requisitos de que trata o art.769 da CLT. Além disso, permite ao devedor
optar por cumprir voluntariamente a decisão e eximir-se da multa.
Recurso não provido
Recurso do Reclamante
Evolução salarial – Ausência de
previsão no contrato definitivo.
A evolução salarial estipulada no
pré-contrato não foi inserida no contrato definitivo, o que a torna inexigível,
como decidido na origem.
Ajuda de custo – Moradia –
Natureza indenizatória.
Na espécie, o valor da ajuda de
custo referente à moradia não discrepa significativamente do salário
contratual. Além disso, a quantia é razoável, se comparada às despesas com
habitação, sendo compatível com a atividade de jogador profissional de futebol,
que normalmente implica mudança da residência, em virtude da movimentação entre
Clubes. Ainda, ressalte-se que a habitualidade no pagamento da verba moradia
não descaracteriza sua natureza de indenização.
Verbas rescisórias – Artigo 28, §
9°, da Lei Pelé – Período de apuração.
Para efeito de contagem dos
proporcionais de férias e 13º salário, deve ser considerado como vigência do
contrato de trabalho o período existente entre o termo inicial e final firmado
pelas partes e não apenas a duração efetiva do contrato, nos termos do §9º do
art. 28 da Lei nº 9.615/98. Sentença reformada.
Multa do art. 467 da CLT – verbas
incontroversas
A tese do abandono de emprego
suscitada na defesa e, por consequência, o não pagamento do salário, tornou controverso
o pedido dos títulos rescisórios, o que implica na confirmação do indeferimento
da multa do art. 467 da CLT.
Multa do art. 477, § 8º, da CLT –
Aplicabilidade em caso de rescisão do contrato por prazo determinado – Devida.
Inexiste qualquer óbice à
aplicação da multa do art. 477, § 8º, da CLT às rescisões de contrato de
trabalho por prazo determinado, quando configurada a mora, como no caso
analisado.
Recurso parcialmente provido.
I - Relatório
Trata-se de recursos ordinários
interpostos por Murilo Bedusco dos Santos (reclamante) e ABC Futebol Clube
(reclamado), buscando a reforma da sentença proferida pelo Juízo da 9ª Vara do
Trabalho de Natal.
O Juízo de origem julgou
procedente em parte a reclamação, confirmando a antecipação de tutela que reconheceu
a rescisão indireta do contrato de trabalho, e condenando o reclamado a pagar
ao reclamante “a quantia de R$ 108.594,51 (cento e oito mil, quinhentos e
noventa e quatro reais e cinquenta e um centavos), referente aos seguintes
títulos: a) salários dos meses de junho e julho de 2012 e 26 dias de saldo de
salário do mês de agosto de 2012 (natureza salarial); b) 13º salário
proporcional 8/12 (natureza salarial); c) Férias proporcionais (8/12),
acrescidas do terço constitucional (natureza indenizatória); d) FGTS de toda a
contratualidade aditado da multa de 40% (natureza indenizatória); e) montante
indenizatório referente ao restante dos salários mensais, dos meses de
setembro, outubro e novembro de 2012, prevista no art. 28, II, da Lei
12.395/2011 (natureza indenizatória)”. Fixou a incidência do artigo 475-J do
CPC. Ordenou a baixa da CTPS com data de 26/08/2012. Custas de R$ 2.459,76
(fls. 130/135).
O reclamante opôs embargos de
declaração (fls. 141/143), que foram julgados improcedentes (fls. 145/147).
Nas razões recursais, o
reclamante alega que tem direito à evolução salarial ajustada no pré-contrato.
Assevera que a verba moradia tem caráter salarial. Também, defende que as luvas
têm natureza de salário. Busca a indenização prevista no artigo 28, § 9°, da
Lei Pelé. Requer a incidência das multas dos artigos 467 e 477, ambos da CLT.
Ao final, pede o provimento do recurso ordinário, em todos os seus termos (fls.
149/165).
Por sua vez, o reclamado aduz que
não houve rescisão indireta, pois o atraso salarial era inferior a três meses,
sendo indevida a multa compensatória do artigo 28, inciso II, da Lei 9.615/98.
Argumenta que o direito de imagem não integra a remuneração do atleta, conforme
artigo 87-A da Lei Pelé.
Acrescenta que o salário mensal do reclamante era
menor que 10 salários mínimos, atraindo a incidência do artigo 28, § 6°, da Lei
Pelé. Ataca a multa de 40% do FGTS. Sustenta ser inaplicável ao processo
laboral a multa do artigo 475-J do CPC. Impugna a condenação em contribuição
previdenciária. Por fim, requer o provimento do recurso “para reconhecer a
improcedência da ação reclamatória” (fls. 176/188).
Contrarrazões apresentadas pelo
reclamante, sem preliminares, pedindo a negativa do recurso patronal (fls.
194/197).
Contrarrazões apresentadas pelo
reclamado, sem preliminares, pedindo a negativa do recurso da parte adversa
(fls. 199/201).
Os autos não foram remetidos ao
Ministério Público do Trabalho.
II – Fundamentos do Voto
Conheço dos recursos ordinários,
porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
Recurso do reclamado
Rescisão indireta do contrato.
Busca o recorrente a reforma da
sentença, para que seja afastado o reconhecimento da rescisão indireta do
contrato de trabalho, pois teria havido abandono de emprego.
Neste sentido, diz que “não pode
ser aceita a culpa pela rescisão indireta por parte do Clube, uma vez que
partiu do próprio atleta o interesse em abandonar suas atividades
profissionais” (fl. 73). A decisão do reclamante de deixar a agremiação
desportiva teria surgido da insatisfação “com a reserva e até mesmo com o
atraso de um ou dois meses nos salários” (fl. 177, item 3).
Sem razão.
Inicialmente, deve ser ressaltado
que o reclamado sequer comprovou que efetivamente dispensou o reclamante, muito
menos por abandono de emprego, pois não há nos autos documento que indique a
rescisão do contrato entre as partes ou de propositura de ação de consignação
em pagamento das verbas decorrentes da rescisão motivada.
A título de registro, cabe também
assentar que o Clube não produziu prova testemunhal (fl. 117) acerca do suposto
abandono de emprego, limitando-se a alegar na contestação, sem nada comprovar.
O ônus da prova era do
ex-empregador, uma vez que a demissão por justa causa é a punição disciplinar
administrativa máxima passível de ser aplicada ao empregado e deve ser
comprovada de forma robusta, diante das consequências negativas que podem
acarretar na vida profissional do atleta de futebol, como também na esfera
pessoal.
Nessa ótica, a alegação de que o
abandono do emprego pelo reclamante motivou o Clube a procurar “insistentemente
contato direito com o mesmo, visando sua presença para tratar normalmente da
sua rescisão contratual” (fl. 76) não tem respaldo no conjunto probatório.
Por outro aspecto, há diversas
reportagens de veículos eletrônicos de comunicação (fls. 38/46) dando notícia
da dispensa, por decisão da Diretoria do ABC, de cinco jogadores do clube,
dentre eles o reclamante, na data de 26.08.2012. Esta informação confere com o
depoimento prestado pelo atleta, que disse ter sido dispensado “no final do mês
de agosto” (fl. 116).
Enfim, não há prova efetiva do
abandono de emprego, a embasar a demissão por justa causa.
De outro ângulo, a rescisão
indireta do contrato de trabalho está seguramente configurada, pois os contracheques
juntados pelo reclamado, na audiência de 21.01.2013 (fl. 72), somente abrangem
o período de janeiro/2012 a maio/2012 (fls. 89/91): desta maneira, na data em
que foi prolatada a decisão interlocutória que deferiu o pedido de rescisão
indireta do contrato de trabalho (19.09.2012 – fls. 58/59) o autor se
encontrava a mais de três meses sem receber salário, incorrendo o Clube
recorrente em mora, estando sujeito às consequências do art. 31 da Lei nº
9.615/98, que regula o desporto, cuja redação é a seguinte:
“Art. 31. A entidade de prática
desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta
profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a 3
(três) meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta
rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra
entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional,
e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos.
§ 1o São entendidos como salário,
para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro
salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de
trabalho.
Assim, perde força o argumento de
que a rescisão do contrato de trabalho ocorreu por culpa do autor, e se
justifica a condenação do recorrente ao pagamento de valor a título de cláusula
compensatória prevista no artigo 28, inciso II, da Lei 9.615/98, pois, tendo
sido reconhecida a rescisão indireta do contrato de trabalho, é devida a referida
multa, exatamente nos termos do citado artigo, cujo teor é o seguinte:
“Art. 28. A atividade do atleta
profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de
trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá
constar, obrigatoriamente:
(...)
II - cláusula compensatória
desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses
dos incisos III a V do § 5°.
(...)
§ 5º O vínculo desportivo do
atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o
registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de
administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo
empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:
(...)
III - com a rescisão decorrente
do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática
desportiva empregadora, nos termos desta Lei;
IV - com a rescisão indireta, nas
demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e
V - com a dispensa imotivada do
atleta”
Portanto, correta a decisão,
quanto a este aspecto.
Direito de imagem
O reclamado alega que os valores
atinentes ao contrato de direito de imagem não se incorporam ao salário. Nesse
caminho, diz que a sentença “contraria de forma absurda tanto o artigo 28,
caput, como também o artigo 87-A da Lei Pelé, que é bem direto e específico
principalmente a partir da Lei n° 12.395/11” (fl. 179, item 9)
Analisemos.
A priori, a cessão do direito de
imagem se faz mediante contrato de natureza civil, em que o atleta concede ao
clube o direito à utilização de sua imagem, a ser veiculada nos meios de
comunicação, por intermédio de campanhas publicitárias, e o valor pago sob esse
título não possui natureza salarial, não refletindo nas demais verbas trabalhistas.
Difere do direito de arena,
tratado no artigo 42 da Lei nº 9.615/98, pago em parcela variável, da seguinte
forma: “Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento)
da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão
repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em
partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como
parcela de natureza civil”, que tem natureza salarial, e é devido, em razão da
veiculação dos espetáculos ou eventos esportivos em que o clube participa.
Difere também do contrato de
trabalho, que é disciplinado pela legislação trabalhista, ao passo que o
contrato de cessão do direito de imagem, de cunho personalíssimo, tem natureza
civil, cujo objeto é a limitação da exploração da imagem do atleta.
No caso, o reclamado juntou aos
autos apenas o contrato especial de trabalho desportivo com o atleta (fls.
47/49), mas não o contrato de licença de uso de imagem.
Não bastasse isso, o reclamante
trouxe aos autos um pré-contrato prevendo somente valores a serem pagos a
título de salário, sem especificar a quantia referente ao direito de imagem,
nem consignando as demais cláusulas acerca dos direitos e obrigações dos
contratantes (fl. 35).
Diferentemente do contrato de
trabalho, o contrato de cessão do direito de imagem deve ser formalizado por
escrito, contendo os direitos, deveres e condições inconfundíveis com as do
contrato de trabalho, por força expressa do art. 87-A da Lei nº 9.615/98,
verbis:
“Art. 87-A. O direito ao uso da
imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste
contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições
inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei
nº 12.395, de 2011)”
Ademais, não há prova de que
tenha havido a utilização ou comercialização da imagem do jogador, veiculada em
campanhas publicitárias de forma a justificar o pagamento mensal de R$ 8.000,00
(fls. 85/88), considerando-se apenas o Campeonato Estadual.
Em verdade, o que se verifica, na
prática, são os clubes de futebol, com o intuito de se eximirem das obrigações
sociais e tributárias, utilizam-se do expediente da elaboração de contratos
paralelos (de trabalho e de cessão do uso de imagem), o que, no caso, justifica
a disparidade entre o valor registrado na CTPS (R$ 5.000,00 – fl. 33) e o valor
pago a título de direito de imagem que corresponderia a R$ 8.000,00, no caso
dos autos, considerando o Campeonato Estadual (fls. 33 e 35, em cotejo).
O pseudo direito de imagem neste
formato, na realidade, é utilizado para mascarar a remuneração dos atletas, o
que é defeso por lei, devendo ser considerado nulo (art. 9º, CLT).
A jurisprudência do TST vem
adotando este posicionamento, de reconhecer a natureza salarial da verba
recebida a título de direito de imagem, em razão do intuito fraudulento da
contratação, por alguns clubes de futebol.
“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL -
CONTRATO DE LICENÇA DO USO DE IMAGEM - FRAUDE - NATUREZA SALARIAL DA VERBA RECEBIDA
A TÍTULO DE – DIREITO DE IMAGEM -. O quadro fático descrito pelo Tribunal
Regional revela o intuito fraudulento na celebração do contrato de licença do
uso de imagem, razão pela qual decidiu bem a egrégia Corte Regional ao conferir
natureza salarial à parcela percebida pelo reclamante a título de direito de
imagem. Logo, para se chegar a conclusão diversa, necessário seria o
revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado nesta esfera
extraordinária, nos termos da Súmula nº 126 do TST, o que impede falar em
violação do artigo 28, § 7º, da Lei nº 9.615/98. Agravo de instrumento não
provido.” (Processo: AIRR - 800-86.2009.5.01.0025 Data de Julgamento:
24/10/2012, Relatora Desembargadora Convocada: Maria das Graças Silvany Dourado
Laranjeira, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/11/2012.) - destaquei
Em alguns julgados, o TST foi
além no sentido de considerar a natureza salarial de tal verba,
independentemente do caráter fraudador do contrato do uso de imagem, por
considerar que a renda auferida pelo uso de imagem constitui uma das formas de
remunerar o jogador, verbis:
“RECURSO DE REVISTA - DIREITO DE
IMAGEM - NATUREZA JURÍDICA - INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO. A renda auferida pelo
atleta profissional de futebol pelo uso de sua imagem por parte do clube que o
emprega possui natureza salarial e deve ser integrada à sua remuneração para
todos os fins. Isso porque constitui uma das formas de remunerar o jogador pela
participação nos eventos desportivos disputados pela referida entidade,
decorrendo, pois, do trabalho desenvolvido pelo empregado. Precedentes deste
Tribunal. (RR - 60800-81.2007.5.04.0011 Data de Julgamento: 04/05/2011, Relator
Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, Data de Publicação:
DEJT 13/05/2011).” (g.n.) – destaquei.
Dessa forma, é nítida a natureza
salarial da parcela mensal paga a título de “Direito de Cessão de Imagem”,
devendo ser mantida a sentença, neste ponto.
Multa de 40% do FGTS
O reclamado impugna a condenação
na multa de 40% do FGTS, “porque não foi o Clube recorrido que deu margem à
rescisão antecipada do contrato”, acrescentado que “se trata de vínculo
empregatício mediante prazo determinado que teria sido antecipado, devem assim
ser fixado em 20%” (fl. 186), mas estes argumentos não prosperam ante o reconhecimento
da rescisão indireta, conforme acima.
Multa do art. 475-J do CPC
O recorrente defende a
inaplicabilidade do art. 475-J do CPC ao Processo do Trabalho.
A multa prevista no art. 475-J do
CPC não encontra correspondência em nenhum dos artigos da CLT, e visa punir o
litigante judicial, sucumbente na ação, que deixar de adimplir voluntariamente
a obrigação de pagar (dinheiro) no prazo de 15 dias, expressamente cominado na
sentença transitada em julgado. Noutras palavras, trata-se, sim, de punição
para o devedor contumaz que não cumpre decisão judicial.
O artigo 880 da CLT, por sua vez,
indica quais os procedimentos que deverão ser adotados em caso de o devedor não
adimplir voluntariamente a obrigação, inclusive quanto à multa do art. 475-J do
CPC, ou seja, esses dispositivos legais regulam matérias totalmente distintas
entre si, daí o manifesto equívoco do recurso, no particular.
Por outro aspecto, essa multa de
10% do valor da condenação tem por finalidade estimular o devedor em quitar a
dívida, voluntariamente, o que imprimirá rapidez na prestação jurisdicional e,
com isso, atendido estará o preceito constitucional inserido no art. 5º, inciso
LXXVIII, da Constituição Federal, que dispõe: “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade da sua tramitação”.
Além disso, este dispositivo se
coaduna com o princípio da proteção ao trabalhador e por isso deve ser também
aplicado às situações nas quais são discutidas verbas de natureza alimentar,
como no caso presente, em que a mora por si só pode representar dano
irreparável à subsistência da reclamante e de sua família.
Logo, o fato de a CLT regular o
processo de execução não obsta a aplicação da multa instituída pelo art. 475-J
do CPC.
Recurso não provido, neste
aspecto.
Contribuição previdenciária
O reclamado ataca o cálculo
previdenciário, asseverando que “o Código a ser utilizado sobre as verbas
trabalhistas reconhecidas é o FPAS 647, e não o FPAS 507, aplicado nas relações
trabalhistas normais, pois os clubes de futebol já pagam sua contribuição
diretamente nos borderôs dos jogos oficiais, sem inclusão da verba para
‘terceiros’, não devida na justiça trabalhista” (fl. 188).
Sem razão.
A disciplina do Fundo de
Previdência e Assistência Social – FPAS é encontrada na Instrução Normativa RFB
nº 971, de 13 de novembro de 2009, e se refere às contribuições destinadas a
terceiros:
Art. 109. Compete à Secretaria da
Receita Federal do Brasil (RFB), nos termos do art. 3º da Lei nº 11.457, de 16
de março de 2007, as atividades relativas a tributação, fiscalização,
arrecadação e cobrança da contribuição devida por lei a terceiros, ressalvado o
disposto no § 1º do art. 111. (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº
1.071, de 15 de setembro de 2010)
(...)
§ 5º A contribuição de que trata
este artigo é calculada sobre o total da remuneração paga, devida ou creditada
a empregados e trabalhadores avulsos, e é devida:
I - pela empresa ou equiparada,
de acordo com o código FPAS da atividade, atribuído na forma deste Capítulo;
(...)
Art. 109-B. Cabe à pessoa
jurídica, para fins de recolhimento da contribuição devida a terceiros,
classificar a atividade por ela desenvolvida e atribuir-lhe o código FPAS
correspondente, sem prejuízo da atuação, de ofício, da autoridade
administrativa.
Ocorre que a planilha
previdenciária (fl. 137) não incluiu contribuições em favor de terceiros e,
portanto, a alteração pretendida do Código FPAS não surtiria qualquer efeito.
Recurso negado, neste tópico.
Registro final
O reclamado propugna que, em
virtude de o salário do atleta ser inferior a 10 salários mínimos, a cláusula
compensatória deveria corresponder “à metade do valor restante do contrato
firmado, tudo de conformidade com o § 6° do art. 28 da Lei Pelé” (fl. 186), mas
este dispositivo foi revogado pela Lei 10.672, de 15 de maio de 2003.
Recurso não provido.
Recurso do reclamante
Evolução salarial. Diferenças
O autor pede o reconhecimento da
evolução salarial consignada no pré-contrato (fl. 35), afirmando que a sentença
entendeu pela validade de todos os pontos deste documento “a exceção justamente
do reajuste salarial previsto” (fl. 154). Defende que a vedação do reajuste,
inscrita no contrato definitivo, é uma “fraude perpetrada pelo clube” (fl.
154).
Sem razão.
Por primeiro, a decisão atacada
não reconheceu a integralidade dos ajustes contidos no pré-contrato: por
exemplo, o pedido de luvas foi indeferido precisamente por não haver cláusula
no contrato definitivo a respeito desta verba salarial (fl. 131).
Por segundo, a vedação de aumento
salarial, inserida no contrato definitivo (fl. 47, campo 16), não acarreta o
reconhecimento de fraude, mas simples variação do conteúdo do contrato prévio,
que não se sujeita ao influxo do artigo 468 da CLT. Logo não cabe pedir
direitos referentes à evolução salarial que, embora estipulada no pré-contrato,
não foi inserida no contrato definitivo.
Recurso não provido, neste tema.
Verba moradia
O reclamante pede a integração ao
salário da verba moradia, uma vez que este título trabalhista “se reveste de
caráter eminentemente salarial na medida em que seu pagamento era habitual,
comutativo e com fundamento contratual” (fl. 155, item 19).
Sem razão.
A doutrina afirma que a ajuda de
custo “tem natureza indenizatória, objetivando reembolsar as despesas
extraordinárias realizadas no decorrer do trabalho” (ALMEIDA, Amador Paes de.
CLT comentada. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 216).
Neste caminho, veja-se o artigo
457, § 2°, da CLT:
Art. 457 - Compreendem-se na
remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido
e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as
gorjetas que receber.
[...]
§ 2º - Não se incluem nos
salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedam
de 50% (cinqüenta por cento) do salário percebido pelo empregado.
Na espécie, a verba moradia
ostenta natureza indenizatória, referente aos gastos com habitação, já que o
atleta precisou se deslocar da cidade de Curitiba/PR (vide qualificação contida
na inicial, fl. 02) para a cidade de Natal/RN, onde passou a residir.
Embora a natureza indenizatória
da ajuda de custo não esteja sujeita a limitação de valor — diferenciando-se
das diárias, que não podem ultrapassar 50% do salário — é importante averiguar
se existe discrepância em relação às verbas salariais, pagas no contracheque.
Neste prisma, verba moradia de R$ 1.500,00 (fls. 92/96) não diverge
significativamente do salário de R$ 5.000,00 (fls. 89/91), constante do
contracheque.
Com este espírito, veja-se
precedente do TST:
“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL.
RESCISÃO ANTECIPADA DO CONTRATO DE TRABALHO. CLÁUSULA PENAL. [...]. AJUDA DE
CUSTO. I - O art. 458 da CLT nada dispõe acerca da integração ao salário da
ajuda de custo, sendo impertinente a invocação desse dispositivo pelo
recorrente. Ressalte-se que a decisão recorrida está conforme à dicção do art.
457, § 2º, da CLT, já que a ajuda de custo sob análise não ultrapassava 50% do
salário percebido pelo empregado. Recurso não conhecido.”
(TST, RR-1278/2005-201-04-00.8,
Relator: Antônio José de Barros Levenhagen, Data de Julgamento: 21/11/2007, 4ª
Turma)
Além disso, é razoável a quantia
de R$ 1.500,00 para suprir despesas com habitação, máxime considerando que a
atividade de jogador profissional de futebol implica, geralmente, no
deslocamento entre vários clubes, situados em cidades e Estados distintos.
Ressalte-se que a habitualidade
no pagamento da verba moradia não descaracteriza sua natureza de indenização, a
exemplo do que ocorre, na seara trabalhista, com a ajuda de custo para
combustível.
Logo, não existem elementos
probatórios para se concluir pelo desvirtuamento da ajuda de custo, devendo ser
mantida sua natureza indenizatória, tal qual ficou assentado na decisão de
primeiro grau (fl. 131).
Recurso não provido, neste
particular.
Luvas
O trabalhador afirma que recebeu
R$ 16.000,00 a título de luvas (fl. 03), e busca a integralização delas “ao
salário pactuado, entendendo também ser de natureza salarial” (fl. 157).
Entretanto, o reclamado contestou
a própria existência desta obrigação, dizendo que o acerto relativo às luvas
“não figurou nas obrigações do contrato definitivo firmado” (fl. 78).
Assim, caberia ao reclamante
provar o recebimento das luvas, para, só então, requerer o reconhecimento da
natureza salarial delas. Todavia, não há qualquer prova quanto à percepção
desta verba, como apontado na sentença (fl. 131, último parágrafo). Nesta
senda, ao contrário do que consta na peça recursal, não houve confissão quanto
ao pagamento das luvas, mas tão só a confissão acerca da existência de
pré-contrato prevendo tal verba (fl. 75, item 7), que não figurou no contrato
definitivo.
Desta maneira, não havendo prova
acerca da percepção de “luvas”, é inviável reconhecer a natureza salarial
destas, para fins de repercussão em outras verbas trabalhistas.
Recurso não provido, no item.
Indenização - Artigo 28, § 9°, da
Lei n° 9.615/98
O reclamante alega que a rescisão
antecipada do contrato de trabalho, por descumprimento de cláusulas
contratuais, implica nas penalidades do art. 28, §9º da Lei Pelé, de forma que
os percentuais de férias, 13º e FGTS devem considerar o termo final do pacto
firmado entre as partes e não apenas até o rompimento do contrato.
Com razão, em parte.
O § 9º do art. 28 da Lei 9.615/98
apresenta a seguinte redação:
“Quando o contrato especial de
trabalho desportivo for por prazo inferior a 12 (doze) meses, o atleta
profissional terá direito, por ocasião da rescisão contratual por culpa da
entidade de prática desportiva empregadora, a tantos doze avos da remuneração
mensal quantos forem os meses da vigência do contrato, referentes a férias,
abono de férias e 13o (décimo terceiro) salário”
Para efeito de contagem dos
proporcionais de férias e 13º salário, deve ser considerado todo o período
contratado pelas partes, desconsiderando como limite a data em que houve
rescisão antecipada.
Este entendimento, aliás, já foi
previsto no mesmo art. 28, quando tratou da cláusula compensatória, em que, em
seu § 3º estabelece que:
“O valor da cláusula
compensatória desportiva a que se refere o inciso II do caput deste artigo será
livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de
trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas)
vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o
valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do
referido contrato.”
Portanto, de acordo com o comando
do dispositivo legal, deve ser considerado para efeito de 13º salário
proporcional e férias proporcionais o tempo de vigência do pacto, ou seja, de
02/01/2012 a 30/11/2012 (fl. 47), tendo como base de cálculo, além do salário
registrado na CTPS (R$ 5.000,00) e o valor do salário pago a título de cessão
do direito de imagem (R$. 8.000,00).
Com relação ao FGTS, não há
previsão legal, neste sentido, devendo ser mantida a sentença, neste ponto.
Multa do art. 467 da CLT
O atleta sustenta que o próprio
clube reconheceu o atraso no pagamento de salários, sendo devido, portanto, a
multa do art. 467 da CLT.
Sem razão.
A tese do abandono de emprego,
levantada na contestação (fl. 73, item 3), tornou controversos os títulos
rescisórios, devendo ser mantida a sentença, quanto a este aspecto.
Multa do art. 477, §8°, da CLT.
O reclamante vindica a aplicação
da multa do artigo 477, § 8º, da CLT (fl. 164, item 35).
Por oportuno, esclareça-se que o
§ 6º do art. 477 da CLT não restringe a aplicação a qualquer espécie de
contrato, alcançando genericamente o pagamento das verbas rescisórias.
Nesse sentido, segue precedente
do c. TST:
RECURSO DE REVISTA. MULTA DO
ARTIGO 477 DA CLT. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. PERTINÊNCIA.
O artigo 477, § 6º, da CLT, ao se
reportar à multa pelo atraso na quitação das verbas rescisórias, não faz
nenhuma distinção quanto à modalidade de contratação, se por prazo determinado
ou indeterminado. Inexistência de violação do artigo 477, § 8º, da CLT. Recurso
de revista não conhecido.
(160300-50.2002.5.01.0021,
Relator: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 26/03/2008, 8ª Turma, Data de
Publicação: DJ 28/03/2008).
Logo, conclui-se que a multa do
art. 477, § 8º, da CLT é aplicável aos contratos por prazo determinado.
Nessa esteira, considerando que
as verbas definidas na sentença não foram pagas no prazo legalmente
estabelecido, é cabível a aplicação da multa em questão.
Recurso provido, neste ponto,
para condenar o reclamado ao pagamento da multa do art. 477, § 8º, da CLT.
III - Dispositivo
Ante o exposto, conheço dos
recursos ordinários e, no mérito, nego provimento ao recurso do reclamado e dou
provimento parcial ao recurso do reclamante para (a) considerar, no cálculo dos
proporcionais de 13º salário e férias + 1/3, o período de vigência do pacto de
02/01/12 a 30/11/12 e (b) acrescer à condenação a multa do art. 477, §8°, da
CLT. Custas complementares de R$ 300,00, calculadas sobre R$ 15.000,00.
Desembargador José Barbosa Filho
Relator
Acordam os Desembargadores Federais
da 1ª Turma de Julgamentos do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, por
unanimidade, conhecer dos recursos ordinários. Mérito: por maioria, negar
provimento ao recurso do reclamado; vencido o Desembargador Carlos Newton
Pinto, que afastava a natureza salarial do direito de imagem ao reclamante. Por
unanimidade, dar provimento parcial ao recurso do reclamante para (a)
considerar, no cálculo dos proporcionais de 13º salário e férias + 1/3, o
período de vigência do pacto de 02/01/12 a 30/11/12 e (b) acrescer à condenação
a multa do art. 477, §8°, da CLT. Custas complementares de R$ 300,00,
calculadas sobre R$ 15.000,00.
Natal, 25 de junho de 2013.
Desembargador José Barbosa Filho
Relator
Divulgado no DEJT nº 1255, em
27/06/2013 (quinta-feira) e Publicado em 28/06/2013 (sexta-feira). Traslado nº
00639/2013.