Não ao “jornalismo esportivo de
afago”
Por Rafael Morais
Para o Carta Potiguar
A sociedade brasileira é regida
por três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Mas dizem por aí que a mídia
exerce o quarto poder.
Um poder informal que desempenha
tanta influência perante o povo quanto os três oficiais.
Tem até filme, estrelado por
Dustin Hoffmann e John Travolta, sobre o assunto.
De fato, o papel do jornalista
como agente transformador de realidades, provocador e opositor pode criar
melhorias para a sociedade.
Exemplos não faltam em todos os
níveis, como o quadro “Proteste” do programa CQC ou quando a InterTV denunciou,
por mais de uma vez, a situação precária da estrada da Cophab, em Parnamirim.
Nesses dois casos, a mídia nada
mais foi do que o eco da voz da sociedade.
No jornalismo esportivo atual, há
uma vertente que me preocupa demasiadamente: o ato de praticar o “jornalismo
torcedor”, que no caso mais especifico da Terra do Elefante, eu prefiro nomear
de “jornalismo de afago”.
É o jornalismo esportivo
perfumado, voltado quase que unicamente ao entretenimento de um público
especifico.
Um jornalismo muitas vezes
dependente das pastas comerciais, preocupado muito mais em vender seus
produtos, do que com a qualidade do conteúdo reverberado.
Criaram, inclusive, um termo para
definir o processo de transformação que vive o jornalismo esportivo do momento:
a Leifertização, uma referência ao estilo do Global Thiago Leifert – nada
contra o bom profissional que obedece a regras – que pratica meramente um
jornalismo de entretenimento, de sapatênis e piadas prontas, sem liberdade de
discurso e muito menos conteúdo crítico.
Tudo bem, entendo que o futebol,
por exemplo, há tempos ocupa um espaço privilegiado no mundo globalizado dos
negócios, claramente na indústria do entretenimento.
Não é mais o mesmo jogo que
Charles Miller trouxe da Inglaterra, em 1894, quando ele retornou ao Brasil com
duas bolas, um livro de regras, chuteiras e um jogo de uniformes.
Mas isso é algo mais importante e
relevante para os gestores dos clubes.
Esses sim têm motivos e obrigação
de vender seus produtos.
O papel do jornalista esportivo
não pode ser exclusivamente apresentar os fatos.
Cabe a esse profissional da
informação ir além da simples captação da informação.
Ele deve ser um agente
transformador da sociedade, assim como diz os preceitos da profissão citados no
início dessa crônica.
Jornalismo é muito mais que
apenas entretenimento.
A nossa missão não é apenas de
reproduzir acontecimentos e narrar fatos.
É se posicionar e proporcionar meios
para mudança de realidades.
Como disse o jornalista Fábio
Messa, “o jornalismo esportivo pode não ser só isso que se percebe na
atualidade.
Ele pode assumir outras
configurações, com base em propostas editoriais mais alternativas e arrojadas,
que não sejam exatamente factuais e muito menos mitificadoras de determinados
assuntos, sujeitos e contextos”.
O jornalismo esportivo também
deve ser pautado pelos princípios que regem a prática do jornalismo, tais como
independência, credibilidade e lealdade ao interesse público e à veracidade.
Vamos praticar o jornalismo
esportivo com credibilidade, como diversas vezes me indicou o mestre Fernando
Amaral.
Vamos fugir dos clichês do
“jornalismo de afago”, do esporte apenas como indústria do entretenimento.
O esporte é muito mais que uma
modalidade, mesmo que 80% do público tenha o elegido como seu esporte
preferido.
Somos dez vezes mais campeões da
natação, atletismo, ciclismo e surf do que de futebol.
É só fazer uma busca rápida na
internet, que verás.
Nós, que compomos essa nova
geração do jornalismo esportivo potiguar, que tem nomes promissores – alguns
mais do que realidades – como Erick Dias, Diego Breno, Diego Dantas, Mallyk
Nagib e Luan Xavier, temos que evitar o jornalismo simplesmente de afago.
Vamos assistir mais a ESPN
Brasil, uma das emissoras esportivas mais politizadas do país, que fez a
cobertura mais raciocinada sobre a Copa do Mundo no Brasil, denunciando o
descaso e o desperdício de dinheiro público em obras estruturantes.
Vamos ler o sociólogo – sim, ele
não é jornalista – Juca Kfouri.
Se deliciar com a escrita
criativa e provocativa do nosso conterrâneo nordestino Francisco Reginaldo de
Sá, ou simplesmente Xico Sá.
Aprender com a perfeição das
crônicas de Tostão e com os textos geniais que nos deixou, ainda em vida e
provavelmente de porre, o Doutor Sócrates na Carta Capital.
Vamos pesquisar as relações
humanas e o que elas têm a ver com os nossos jogos preferidos.
Conhecer a histórias do
surgimento das diversas modalidades e entender como elas ascenderam e
contribuíram para o desenvolvimento das sociedades.
Quem sabe, um dia, se aproximar,
ainda que milhares de quilômetros do padrão inigualável Rodriguiano.
O “padrão Nelson”, de quem
“observava o esporte além do horizonte limitado de um jogo”, como afirmou Aldo
Rebelo, quando Ministro dos Esportes.
Pouco importa se Neymar fez
selfie ou deu uns pegas numa modelo famosa na noite passada e a quantidade de
vitórias-empates-derrotas-cartões-demissões-contratações-impedimento-ou-não.
Leiam a revista Corner, que como ela mesma assume, diz que o futebol é uma
enorme desculpa para falar de sociedade, cultura, história, política, artes,
arquitetura, design, entre outras vertentes sociais.
Jornalista esportivo bom não é o
que sabe o nome do meia esquerda reserva do Veranópolis ou decora os onze do
juniores do Barcelona B.
Bom é o que sabe explicar em
detalhes que o futebol se confunde com a identidade e a alma do brasileiro.
É aquele com perfil contestador,
mesmo que não seja de oposição.
É o que vai além das análises das
pranchetas, além do 4-4-2, 3-5-2 e 4-2-3-1.
José Trajano diz que “para ser um
bom jornalista em qualquer área, tem que ser antenado em tudo. Ser politizado,
gostar de ler, ir ao cinema, trepar, ir ao teatro, beber. Ele tem que viver”.
É preciso expressar, no ato do
jornalismo esportivo, o grito do movimento expressionista.
O que dói na minha, na sua, na
alma da sociedade.
No meio esportivo, faço uso da
sabedoria do físico, matemático, filósofo moralista e teólogo francês Blaise
Pascal: “é preciso duvidar quando necessário, afirmar quando necessário e
submeter-se quando necessário” e do bom senso do filósofo alemão Georg Hegel,
que diz que “mede-se a excelência de uma ideia pela oposição que ela provoca”.
Lembremos sempre, o jornalista
esportivo também pode ser um agente transformador de realidades e criar
melhorias para a sociedade.
Basta submeter-se como sugeriu
Pascal e ser provocador e opositor como afirmou Hegel.
Por um jornalismo esportivo menos
torcedor, Leifertizado e de afago.
Por um jornalismo esportivo mais
crítico, com conteúdo qualificado, provocador e, acima de tudo, transformador.