terça-feira, setembro 01, 2015

O Brasil tem os ingressos mais caros do mundo...

A elitização do futebol: ingresso brasileiro é o mais inacessível do mundo

Torcedor que ganha salário mínimo precisa trabalhar 11 horas para entrar no estádio, enquanto o alemão leva menos de duas

Por Rodrigo Capelo

Infográfico: Giovana Tarakdjian

O Profut, sancionado por Dilma Rousseff no início deste mês, determina que clubes de futebol, aqueles que decidirem renegociar suas dívidas fiscais com o governo, mantenham "oferta de ingressos a preços populares".

Não especifica nem quantos bilhetes, nem a que preço.

Mas devia.

O ingresso brasileiro é o mais inacessível do mundo para a camada socioeconômica mais baixa da população.

Quantas horas uma pessoa que receba um salário mínimo precisa trabalhar para comprar o tíquete mais barato?

A conta, aqui, foi feita por Oliver Seitz*, brasileiro que leciona administração esportiva na University College of Football Business em Londres: divide-se o salário mínimo pela carga horária de trabalho de cada país, depois pelo preço do ingresso mais baixo disponível.

Vamos nos restringir aos campeões da última temporada, até porque o jogo do último colocado naturalmente tem menos demanda do que o do primeiro.

Um torcedor brasileiro precisa trabalhar dez horas e 18 minutos para comprar um ingresso, o mais barato, do Cruzeiro.

Se o sujeito quiser ir ao Mineirão todo domingo, agora que o time não disputa mais a Copa do Brasil, precisa dedicar quase um quarto da carga de trabalho semanal só para comprar a entrada.

Sem considerar transporte, talvez estacionamento, alimentação dentro ou fora do estádio.

Um alemão, no lado oposto, tem de ficar na labuta uma hora e 48 minutos para assistir a uma partida do Bayern de Munique.

Talvez a Alemanha não seja a comparação mais justa, porque lá existe a filosofia de perder alguma receita no fim da temporada em prol de uma arena plenamente ocupada.

Mas o Brasil é menos acessível do que todos os outros principais países do futebol.

Um francês, no país que tem uma das cargas de trabalho mais baixas da Europa, trabalha duas horas e 36 minutos para ver o Paris Saint-Germain.

Um inglês, no território onde a camada mais pobre da população vê futebol pela TV a cabo e ingressos são reconhecidamente caros, leva seis horas e 18 minutos por uma partida do Chelsea.

Até argentinos e portugueses, em economias bambas, têm de trabalhar menos para assistir a Racing e Benfica.

Esta análise não pode considerar só o valor do tíquete, mas o poder de compra da população.


E elitização se mede não com números médios de preço do ingresso e renda do torcedor, mas mínimos.



O Cruzeiro, por acaso, está bem perto da média da primeira divisão brasileira: 11 horas e oito minutos de trabalho por um ingresso.

Alguns demandam um pouco menos, outros muito mais.

O mais legal é que, a partir da comparação do futebol brasileiro com as principais ligas europeias, é possível determinar um valor acessível para o cidadão menos endinheirado: R$ 20,63, ou quatro horas e 15 minutos de trabalho com um salário mínimo por mês.



O ideal, para um estádio de futebol, é que o preço do ingresso seja alto suficiente para que o mandante consiga dinheiro para investir em atletas, mas baixo suficiente para que o estádio esteja totalmente ocupado.

O futebol inglês pode se dar ao luxo de cobrar mais caro pelo tíquete porque, afinal, lá os campeões têm 100% dos lugares preenchidos.

No Brasil, onde a média nacional fica na casa dos 40%, a maior parte das arquibancadas que fica vazia todo jogo poderia ser ocupada pela camada mais pobre da população.

Aquela que, antes da modernização dos estádios forçada pela Copa do Mundo, normalmente comparecia toda quarta e domingo para apoiar o time.

Maximizaria, inclusive, as receitas.

Um bom negócio para todos.

Não quer dizer que todos ingressos devam custar 20 pratas.

Nem que, se custassem, estádios seriam preenchidos.

Há mais variáveis que atraem ou afastam torcedores: desempenho do time, ídolo (s), acesso à arena, segurança, conforto, dia, horário, clima, fase do campeonato, se são pontos corridos, se é mata-mata.

Mas é fato que o preço é um fator determinante.

Tanto que o São Paulo, em 2013, quando baixou preços de ingressos de R$ 26 para R$ 11, em média, aumentou a média de público do Morumbi de 8.500 para 29.800 por jogo.

O erro são-paulino, o mesmo cometido pela Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) no Campeonato Carioca de 2015, foi fixar a quantia em um teto (o valor do bilhete mais caro), e não trabalhar a precificação a partir de um piso (o do mais barato).

Arena lota de baixo para cima.

Quando começam as vendas, primeiro esgota o setor que tem entradas mais baratas.

Se a primeira faixa de preço é cara demais para o torcedor que ganha um salário mínimo, ela é ocupada por outro, e este deixa de pagar pelo setor seguinte.

O resultado é que, na hora do jogo, as arquibancadas mais salgadas, geralmente as que ficam visíveis durante a transmissão da partida pela TV, ficam às moscas.

O Corinthians passa por isso em Itaquera. Atlético-MG e Cruzeiro, no Mineirão.

O Palmeiras, no Allianz Parque.

Em resumo: estádio precisa ser setorizado, e as faixas de preço dos ingressos precisam atender a todo tipo de público, do popular à elite, até encher a casa.

O cartola vai argumentar, como já faz, que o preço mínimo precisa ser alto para privilegiar o sócio torcedor e incentivar a adesão ao programa.

Só que para o fulano que ganha R$ 788 por mês gastar R$ 30 só para ter preferência na compra de ingressos, ou desembolsar para lá dos R$ 100 mensais para conseguir 25%, 50% ou 75% de desconto e ainda ter que pagar pelos bilhetes, tampouco é acessível.

Também tem a meia-entrada, outro complicador, um problema de toda casa de entretenimento, do cinema e ao concerto musical. 

Mas nem assim se pode ignorar: futebol está caro demais.

Depois de longas discussões entre CBF, clubes e Bom Senso FC, deputados federais e senadores, esses responsáveis por representar a população brasileira, concordaram com um Profut que agrada a todos, menos ao torcedor.

A CPI do Futebol do senador Romário (PSB-RJ) foi para cima dos sigilos bancário e fiscal de Marco Polo Del Nero, presidente da CBF, mas tampouco deu atenção a um dos poucos legados da Copa, a reconstrução dos estádios brasileiros e a consequente exclusão dos cidadãos mais pobres.

A considerar que o salário mínimo deveria ser de R$ 2.088,20 para igualar o poder de compra do brasileiro ao do estrangeiro, e que isso nocautearia de vez a economia, tampouco pode-se esperar por uma "ajuda" de Dilma.

É isso, torcedor. Conforme-se em ver teu time pela televisão aberta.

*Oliver Seitz é PhD em indústria do futebol e professor de administração esportiva da UCFB em Londres (oliver@brain.srv.br).

Nenhum comentário: