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Porque eu saí do futebol (e hoje agradeço)
Por Mayra Siqueira
"Só você, ouvinte do Futebol CBN, vai ouvir agora todos os
detalhes desta transmissão mais que especial, com todas as informações trazidas
pela nossa super equipe! Quais os destaques do Corinthians, Mayra
Siqueira?!"
Houve um momento que eu parei de
contar, mas ouso dizer que bati pelo menos 400 transmissões de jogos nos meus
sete anos de rádio.
Ou seja: mais de 400 vezes eu
participei de uma introdução de jornada esportiva como essa.
O frio na barriga em cada
transmissão, a mão no microfone e a voz firme e decidida para passar a
informação solicitada - fosse ela certa ou em estágio ainda de apuração.
Foram anos “mágicos” e momentos
incríveis, sonhados por tanta gente.
Teve a TV, o falar ao vivo para
milhares (batemos milhões, será?) de pessoas.
Preconceitos quebrados, nome
consolidado e imagem trabalhada com muito esmero, esforço e barreiras
superadas.
“Você não se arrepende de ter deixado o jornalismo esportivo?”
“Quando você vai voltar pro esporte?”
“Você faz falta”
Cada vez que ouço isso, sinto
menos embaraço em responder que: não, não devo voltar.
Aprendi a nunca dizer nunca, e
nem pretendo mudar isso.
Nossa vida, felizmente, é muito
dinâmica.
Mas... hoje?
Não existe esse desejo.
Respondo com um meio-sorriso e
sigo o baile.
Sou grata.
Extremamente grata.
Mas não mais completa.
Eu não saí do jornalismo
esportivo necessariamente porque buscava isso, mas sair do que eu hoje eu vejo
como uma “bolha” fez minha visão de abrir para um plano macro.
Como naqueles cartoons que a alma
se descola do corpo e consegue ter uma visão da cena de plano inteiro.
Quase como dar um Ctrl- no seu
teclado e olhar todas as informações ali contidas, como um “todo”.
Eu não quero, tão cedo, voltar para
uma profissão que não se conhece mais.
Não me entendam mal: acho o
trabalho jornalístico fundamental, e acho importantíssimo que uma análise
profissional faça parte dos relatos de esportes que provocam tanta paixão.
Mas acho que a mão na consciência
tem que passar por essa área também.
Jogador que fala o que quer para
aproveitar o assédio da mídia e aparecer.
Técnico que bate na mesa e/ou
ironiza e menospreza repórter.
Jogador e técnico amiguinhos de
jornalistas em relação promíscua com a veracidade da informação.
Futebol de bebidas, mulheres,
drogas e tudo aquilo que costuma acompanhar dinheiro (que acompanha os
futebolistas, é claro).
Jovens sem instrução, vítimas de
empresários exageradamente instruídos em malícia, vítimas do excesso de
dinheiro sem preparo algum, vítimas da fama rápida (invariavelmente promovida
pela imprensa).
“Fulanilson estreia com dois gols pelo [insira-seu-time-grande-de-série-A-no-Brasil]!”
Pronto, no dia seguinte tem três
TVs na casa dele, fazendo uma “exclusiva”, repercutindo para os sites
respectivos.
Fulanilson já não sabe onde
buscar a humildade que foi ensinado a repetir e buscar, mas que passa longe da
sua experiência nos vestiários.
Lá ele vê seu colega, o
Sicranilson, já rasgando na “resenha” e falando de tudo o que ele conseguiu
fazer naquela última viagem do time com todos os seus milhares de reais mensais
que não serão guardados e que, ao fim de sua carreira, esgotar-se-ão mais
rápido que água pelo ralo, deixando-o falido e buscando viver do nome que
tentou construir.
Exagero?
Talvez.
Sei que há muito mais que isso, e
coisas muito boas!
Porém não consigo continuar essa
frase sem uma designativa de oposição.
“Mas”, “porém”, “no entanto,"
"contudo"...
O mundo do futebol se tornou algo
que me provoca mais ojeriza do que diversão.
O mundo do jornalismo esportivo,
com seus machos que não enxergam seu próprio preconceito e empregadores que não
pretendem dar reconhecimento ao bem mais precioso que têm - suas pessoas: me
provoca ranço.
O jornalismo esportivo não
entendeu que precisará se reinventar para sobreviver.
É a anti-miopia de que, quanto
mais me afasto, melhor consigo ver: essa fórmula se esgotou.
O futebol brasileiro e sua
gigantesca bolha, também.
Do blog:
Um texto que deve ser lido por todos os jornalistas esportivos, principalmente os jovens que desembarcam na profissão...
A reflexão posterior é fundamental.