Imagem: Arquivo Histórico do São Paulo/Reprodução Twitter/Laudo Natel
Laudo Natel,
as asas do sonho tricolor
Dirigente de
futebol revolucionário, visionário, torcedor uniformizado, governador de São
Paulo e, essencialmente, um apaixonado pelo São Paulo Futebol Clube
Pedro
Henrique Brandão Lopes
A história do
São Paulo Futebol Clube se entrelaça à vida de Laudo Natel de uma forma tão
forte, que é possível confundir as trajetórias da instituição e a do homem.
Foi pelo
trabalho de vanguarda do cartola que o clube inaugurou uma era de
profissionalismo no futebol brasileiro e se tornou referência em organização
fora das quatro linhas.
Nessa
segunda-feira, 18, a morte de Laudo Natel, aos 99 anos, encerra uma das mais
relevantes páginas da história são-paulina.
Por mais de
70 anos, Laudo Natel manteve pelo São Paulo uma relação de amor e devoção
inabaláveis, que merecidamente o fez patrono do clube.
Nascido em
São Manuel, interior de São Paulo, em 14 de setembro de 1920, Natel iniciou sua
vida profissional como bancário no Banco Noroeste.
Trilhou
carreira de destaque no setor e foi promovido de cargo e transferido entre
agências algumas vezes no interior paulista.
Depois,
ingressou no Banco Brasileiro de Descontos, que viria a se tornar o Bradesco,
por lá se tornou diretor antes dos 30 anos de idade e assim chegou a São Paulo,
em 1946.
Logo no ano
de sua chegada à capital, o encontro com o São Paulo que duraria pelo resto de
sua vida e mudaria os rumos da história tricolor.
A aproximação
foi promovida por Luís Campos Aranha, que o apresentou a Cícero Pompeu de
Toledo, então presidente do clube.
Antes, porém,
o entusiasmo de Laudo Natel com o São Paulo foi combustível para sua
contribuição no fortalecimento da TUSP — Torcida Uniformizada do São Paulo — a
primeira torcida organizada do Brasil. Fundada em 1939 por Manoel Raymundo Paes
de Almeida, a TUSP ainda engatinhava quando Natel passou a fazer parte dos
uniformizados que acompanhavam o São Paulo nos estádios paulistas literalmente
uniformizados.
No início dos
anos 1950, Laudo Natel foi eleito diretor de finanças do São Paulo e adotou uma
prática inovadora e que só se tornaria obrigatória anos mais tarde: passou a
publicar os balanços financeiros anuais do clube.
O São Paulo
foi o primeiro clube brasileiro a tornar públicas suas contas e isso gerou uma
imagem de credibilidade diante do mercado.
A repercussão
externa foi boa, mas a interna foi melhor ainda e Laudo Natel ganhou
notoriedade entre os sócios e conselheiros do clube.
Assim, quando
o presidente Cícero Pompeu de Toledo decidiu que era chegada a hora de o São
Paulo Futebol Clube ter seu estádio próprio, Natel foi escolhido presidente da
Comissão Pró-Estádio.
Todos
esperavam que ele desenhasse algum plano financeiro com empréstimos bancários,
mas o que Laudo Natel propôs foi a medida mais impopular possível: vender o
Canindé.
O atual
estádio da Portuguesa, era o único patrimônio físico do São Paulo.
Adquirido na
época da Segunda Guerra Mundial, em razão do decreto de Getúlio Vargas que
confiscava os bens de agremiações que faziam referência aos países do Eixo.
Construir um
grande estádio a partir da estaca zero já era uma loucura, mas vender o único
bem do clube era algo que beirava a irresponsabilidade.
Com muita
resistência e desconfiança o negócio foi feito.
Um sócio
são-paulino, Wadih Sadi, adquiriu o imóvel e o São Paulo conseguiu o dinheiro
necessário para construir seu estádio.
O dinheiro
era suficiente para uma grande obra, por isso, mais uma vez, Laudo Natel
arriscou e promoveu o lema da Comissão Pró-Estádio: “Se é um sonho, que seja
grande!”
Foi assim que
o São Paulo se lançou na construção do “maior estádio particular do mundo”.
Com a
determinação e capacidade de Laudo Natel à frente das negociações, o São Paulo
conseguiu algo impensável nos dias de hoje: convenceu uma imobiliária a doar o
terreno para a construção.
A Imobiliária
Aricanduva pretendia lotear a área de 99.873 m² na região do Morumbi, então uma
área rural, pantanosa e afastada do centro urbano.
João Jorge
Saad era o presidente da imobiliária e, também corintiano.
Fato é que
Laudo Natel o convenceu — Deus sabe como — a doar 2/3 do terreno e o São Paulo
compraria a parte final.
Negócio
fechado e em 15 de agosto de 1952, o São Paulo lançou a pedra fundamental no
terreno.
Mesmo sem
projeto arquitetônico, Laudo Natel quis chamar a atenção dos investidores para
viabilizar o estádio.
Todas as
alternativas modernas para levantar capital foram usadas mostrando o
vanguardismo do dirigente.
A principal
foi venda antecipada de 3 mil cadeiras cativas no estádio.
O goleiro
José Poy, ídolo do clube, ficou conhecido por bater de porta em porta para
vender as tais cadeiras cativas.
Foram 18 anos
de obras — oito até o primeiro jogo no local —, mas o São Paulo conseguiu
construir o maior estádio paulista.
Durante a
construção foram 12 anos sem títulos, as dificuldades financeiras se acumulavam
e a prefeitura de São Paulo chegou a oferecer o Pacaembu em troca do Morumbi
inacabado.
Laudo Natel
recusou e declarou à época: “O sonho do são-paulino não cabe no Pacaembu”.
Em 25 de
janeiro de 1970, enfim, o Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi, foi
inaugurado e entregue aos torcedores e ao clube como o maior patrimônio do São
Paulo Futebol Clube.
Na verdade,
não é exagero algum afirmar que o Morumbi elevou o São Paulo a outro patamar no
cenário brasileiro e, anos mais tarde, também no futebol mundial.
Esse
redimensionamento também se deu pelo modelo de gestão implantado por Laudo
Natel durante a presidência de Cícero Pompeu de Toledo.
Apesar de
bancário — ou justamente por isso — Natel nunca foi entusiasta dos empréstimos.
A construção
do Morumbi foi tocada majoritariamente com recursos adquiridos dentro do clube
com sócios, torcedores e patrocinadores.
Ainda havia
espaço na vida de Laudo Natel para coisas além do São Paulo Futebol Clube como
a política, por exemplo.
Em 1962 foi
eleito vice-governador do estado de São Paulo, na época as chapas dos vices
eram avulsas do candidato principal.
Ademar de
Barros foi eleito governador e Natel, o vice.
Em 6 de junho
de 1966 assumiu como governador no lugar de Ademar de Barros, que fora cassado
pelo regime militar.
Porém, poucos
meses antes havia sido reeleito presidente do São Paulo e optou por deixar o
clube para governar o estado.
Seu mandato
durou até o fim de 1967.
Voltou a
governar São Paulo entre 1971 e 1975, quando foi eleito indiretamente pelo
colégio eleitoral militar.
Deste mandato
se destacam as criações da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de
São Paulo) e da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).
A carreira
política de Natel, porém, não repetiu o sucesso na direção do São Paulo, já que
avançou às sombras da ditadura, sem o voto popular e apesar de disputar outros
pleitos, inclusive para a prefeitura de São Paulo, o cartola não voltou a
ocupar cargo público.
Não teve o
poder de articulação nos bastidores que a política brasileira exige — talvez
isso seja um mérito — e acabou derrotado nas prévias de 78 por Paulo Maluf e em
82 por Reynaldo de Barros.
Apesar de
impopular, a passagem de Laudo Natel como governador do estado de São Paulo é
importante ser destacada pela data e por um simples motivo: tudo que realizou
pelo clube, fez antes de ser governador.
O cargo em
nada ajudou o clube e Natel foi responsável no peito, no grito e na raça por grande
parte da atual grandeza do São Paulo Futebol Clube.
Em 2005 foi
homenageado pelo clube na inauguração de outro grande empreendimento
são-paulino: o Centro de Formação de Atletas Laudo Natel.
O famoso CT
de Cotia é sinônimo de excelência na formação e preparação de atletas da base
tricolor.
Apenas quatro
meses antes de completar 100 anos, Laudo Natel morreu e deixou um legado enorme
para o São Paulo.
O patrono do
clube ofereceu uma vida centenária de dedicação, amor e trabalho pelo clube do
coração. Será para sempre o homem que foi pilar na edificação da história
tricolor e com lances de arquibancada deu asas ao maior sonho são-paulino.