por André Felipe de Lima
Se tivesse de escalar a melhor
dupla de zaga da história do Bangu, não pestanejaria: Domingos da Guia e
Zózimo.
O primeiro é, sem dúvida, o
melhor zagueiro da história do futebol brasileiro; o segundo foi simplesmente
campeão de duas Copas do Mundo com o Brasil, em 1958 e em 1962, sendo titular
do escrete desta última, formando a zaga com Mauro Ramos de Oliveira, o
capitão.
Um detalhe pouco conhecido do
Zózimo é que foi ele o único jogador da delegação de 58 a falar inglês,
informação confirmada pela Revista do Esporte.
Baiano, do pequeno bairro da
Plataforma, Zózimo faria anos hoje.
Por pouco deixou de ingressar na
lista de convocados de 62.
Na Copa anterior, discutira com
Vicente Feola, treinador da seleção brasileira.
Nunca se soube ao certo o motivo
da rusga, mas Zózimo comentava com jornalistas que dificilmente seria novamente
chamado para a seleção.
Mas Feola saiu e em seu lugar entrou
Aymoré Moreira, que inexplicavelmente barrara Bellini e perdera Orlando
Peçanha, que seguira para o Boca Juniors.
A zaga titular de 58 estava
desfeita e a chance de Zózimo ressurgiu, confirmando-se com a convocação de
Aymoré.
Deixou o Bangu, que defendeu em
quase 500 jogos, em 1964, brigado com a diretoria e a torcida.
Jogava pelo clube desde o começo
da década de 1950.
Desde que comprara o passe de
Zizinho, no começo dos anos de 1950, o Bangu vinha montando grandes times, mas
sem conquistar títulos.
Em 1963, o alvirrubro liderou
todo o campeonato carioca, mas tombou nas rodadas finais. Zózimo, o zagueiro
bicampeão mundial, foi um dos mais criticados pelo fracasso do time, porque, de
forma inusitada, pegou com as mãos a bola dentro da área durante um jogo
decisivo contra o Fluminense.
A peleja estava 2 a 1 para os
tricolores, mas o juiz Armando Marques não se intimidou e soprou o apito.
Pênalti e, em seguida, o terceiro
gol tricolor, que enterrou de vez as pretensões do Bangu na competição.
O lance incomum levantou suspeita
contra Zózimo, que acreditava ter Armando Marques paralisado o jogo quando
tocara com a mão a bola.
Cartolas esbravejavam nos jornais
e torcedores mais irascíveis faziam ponto na porta da casa de Zózimo para
xingá-lo.
Punido com o corte de salário, o
beque revoltou-se com os dirigentes, começou a faltar aos treinos.
Decidiu deixar o Bangu para trás,
juntamente com Roberto Pinto, que também era acusado de ter se “vendido”
aos tricolores.
Zózimo foi emprestado a Esportiva
de Guaratinguetá, onde permaneceu praticamente um ano em completo ostracismo.
Retornaria, porém, ao futebol
carioca.
O clube que o acolheu em abril de
1965 foi o Flamengo.
Era, contudo, o começo do
declínio do jogador, que poucas vezes entrou em campo pelo novo time.
Do clube da Gávea, partiu para
outros times.
Perambulou bastante até chegar ao
futebol peruano e, por fim, ao salvadorenho e ao hondurenho.
Parou de jogar bola em 1969.
O grande beque — e, também,
centromédio — banguense era caladão.
Na dele.
Parte da imprensa não compreendia
o jeito macambúzio do Zózimo, um leitor inveterado, e o definia como mascarado.
Injustiça.
Zózimo era simples.
Queria apenas jogar a bola dele,
e com pompa.
Foi zagueiro brilhante.
“Tenho de plantar a minha
árvore”, dizia ele, pensando em amealhar uns caraminguás para não passar
dificuldades financeiras no futuro.
Mas o futuro lhe foi roubado na
Estrada do Mendanha, em Campo Grande, zona oeste do Rio, no dia 21 de setembro
de 1977, quando o Fusca que dirigia chocou-se violentamente em um poste.
Zózimo chegou a descer do carro,
deu dois passos e caiu sem vida no asfalto molhado.
Seu relógio parou na hora exata
do acidente: 14h45m.
Sob um temporal daqueles, o ídolo
rumava para o estádio do Campo Grande, onde garotos do time juvenil o
aguardavam para mais um treino e um papo com Zózimo, que sabia tudo de bola e
um pouco mais.
Estudava Pedagogia na Faculdade
de Letras.
Além do inglês que esbanjara na
Suécia, em 58, falava também francês e espanhol fluentemente.
Dizia que se um treinador não
soubesse falar tais idiomas estaria frito na carreira e longe de qualquer
chance de treinar um time do exterior.
Zózimo era artigo de luxo no
futebol.
Além de saber muito de futebol,
era poliglota, culto e, o mais importante, muito bom caráter.
Um gentleman.