A mística xeneize superou
(mais uma vez) o plano alviverde
Após empate na Bombonera,
Palmeiras e Boca repetem igualdade no Allianz Parque e, nos pênaltis, Romero
brilha, derruba o time de Abel Ferreira e leva argentinos à 12ª decisão
continental
Por Pedro Henrique Brandão
Mais de 40 mil pessoas foram ao
Allianz Parque para acompanhar — mais — um embate épico entre Palmeiras e Boca
Juniors pela Libertadores de América.
Todos os conhecidos caminhos que
levam até a esquina mais alviverde da Terra (entre a Caraíbas e a Palestra
Itália) foram inundados por ensandecidos palmeirenses.
Ao falar de público é impossível
ignorar os 40 mil presentes e tantos milhares de ausentes neste mundo, mas
vivos nos corações daqueles que cantam e vibram.
Jogo do Palmeiras é assim, 18
milhões aqui e outros incontáveis milhões além.
Sobre o jogo, o que se pode dizer
é que o Abel Ferreira tem um plano, ele sempre tem o tal plano, mas é teimoso e
não contempla plano B.
Mais uma vez morreu abraçado às
suas convicções e está tudo bem, afinal, ele é o quarto técnico mais vencedor da
história palestrina.
Em que pesem as entradas de
Gabriel Menino e Arthur entre os titulares e a insistência em Mayke como ponta,
que falam mais sobre a teimosia do gajo do que sobre a genialidade geniosa de
Abel.
Pelo lado do Boca, o compasso do
tango apareceu logo nos primeiros minutos.
Um time que buscava manter o
empate, mas que tinha os pés bem firmes na lei do ex com Merentiel escalado.
Se não o gol, o atacante que
passou pelas alamedas desfilou pela ponta esquerda, desafiou Gómez e cruzou na
medida para Cavani.
Gol dos argentinos.
A vantagem trouxe a verdadeira
disritmia do Caminito.
O Boca fazia o que bem entendia e
distorceu a compreensão do tempo.
Em menos de 10 minutos lá se foi
a primeira etapa.
Em mais 10 minutos, a metade do
segundo tempo já havia sido vencida.
Não há abaixo da linha do
Equador, quem dome melhor o tempo do que as 11 camisas do Boca em campo.
Se o Boca Juniors é dono do
tempo, Marcos Rojo desconhece a razão.
Poderia ter sido expulso com um
pé alto no rosto de Rony, mas não escapou depois de um carrinho desmedido.
Expulso deixou o Boca em
desvantagem, mas nunca em minoria, afinal, o Boca nunca está só.
Neste contexto, coube a Piquerez,
o lateral mezzo charruá, meio Palestra, anotar o gol do empate.
Romero demorou a decidir para
onde ir.
A bola não precisou que
decidissem, ela bailou em direção ao gol e estufou as redes.
O empate fez com que a já épica
partida tomasse ares de epopeia.
Abel abriu mão — tardiamente —
das convicções e colocou a meninada em campo.
Endrick, Kevin, Fabinho e Luiz
Guilherme deram mais velocidade e ousadia ao Palmeiras.
Num cruzamento esperto de Luiz
Guilherme, Rony abusou da categoria e pedalou a bicicleta dos sonhos que teria
sido o golaço da classificação não fosse (o maldito) Sergio Romero.
O tempo passou e o Boca fez o
tempo passar.
O árbitro Andres Matonte não
percebeu e deu apenas cinco minutos de acréscimos.
Não foi por isso que o Boca
venceu, claro, mas aqui e ali pode ser que algum palmeirense fique ressentido
com o tempo de desconto.
Os pênaltis vieram como tinham
vindo em 2000 e em 2001, na decisão e na semifinal, respectivamente, os
xeneizes levaram a melhor.
Antes de qualquer coisa é bom
registrar que em 2018, o Boca também avançou.
Freguesia maior não há.
Weverton começou parando Cavani e
deu esperanças extras a massa alviverde.
Na sequência a realidade da
freguesia bateria no rosto dos palmeirenses.
Veiga e Gómez, dois dos
principais batedores do Palmeiras, perderam as duas primeiras cobranças do time
da casa.
Aliás, do alto dos 36 anos e
dizendo se divertir nas últimas temporadas como jogador profissional, Sergio
Romero parou o capitão alviverde e o melhor canhoto palmeirense desde Alex.
A classificação ficou a cargo de
Pol Fernández.
Mais uma vez, o Palmeiras ficou
no Caminito engolido pelo gigante Boca fazendo soar:
Por una cabeza… todas as
loucuras, a boca dela que beija, apaga a tristeza, acalma a amargura.
Ao povo de verde restou:
Nessun dorma! Ninguém vai
dormir!
Um time que joga apenas com 11
camisas em campo, aliás, 10 camisas parecem o suficiente depois de hoje.
Com os traumas do vice
melancólico em 2000, e das semis em 2001 (Ubaldo Aquino) e 2018
(Benedetto/maledeto), o Palmeiras disse adeus em mais uma semifinal continental
contra o Boca Juniors.
Esse Boca 2023 que vai disputar a
final sem vencer sequer uma partida na fase eliminatória.
Uma equipe que sabe sofrer, mas
sabe fazer sofrer como ninguém.
Um time que tem uma mística única
e a quem basta colocar as camisas em campo.
Um clube que molda espaço e tempo
ao seu bel prazer.
Uma camisa que jamais poderá ser
chamada de “zebra”, mesmo que coloque as listras no uniforme.
A última nota de hoje
Sobre o Palmeiras de Abel
Ferreira cabe uma nota: o melhor time, de todos os tempos, da última semana, o
melhor Palmeiras que vimos está acabando.
Algumas peças não duram mais 90 minutos.
Uma lástima.
O tempo é uma lástima, ou como
diria Judy, o tempo é fábrica de monstros — para o bem e para o mal.
O Palmeiras de 1960 deve ter sido
melhor.
O Palmeiras de 1972 foi melhor.
O Palmeiras de 1993 foi redentor.
O Palmeiras de 1999 foi
desbravador.
O Palmeiras de 2015 foi
renovador.
O Palmeiras todos os dias é
aquilo que nós somos e isso é desnecessário explicar a quem é igual a nós e
impossível a quem é diferente.
Como conforto, um anjo me
convenceu a voltar sonhar “seu time já deu muita alegria nos últimos anos.
Não pode ser assim sempre. Agora vá dormir que amanhã tudo começa mais uma vez”.
O futebol nos convence a sonhar e renovar sonhos a cada decepção.
O futebol é metáfora mais bem acabada da vida…