sábado, agosto 19, 2017

O Barcelona brasileiro se orgulha de ter revelado Diego Costa...

Imagem: El País


Sem glamour e sem dinheiro: a dura realidade do Barcelona brasileiro

Xará do gigante catalão, time que revelou Diego Costa disputa a quarta divisão de São Paulo

Por Breiller Pires para o El País

Nada de Messi, Suárez e Iniesta.

Às margens da represa Guarapiranga e das lonas de um circo, na zona sul de São Paulo, quem desfila pelo campo de grama carcomida são nomes como Liomar, Leisson, Klayver, Talono e Piscina.

Diferentemente do xará da Espanha, o Barcelona brasileiro, que disputa a quarta divisão paulista, tem elenco e estrutura bem menos glamorosos.

Cores, escudo e uniforme remetem ao Barcelona mais famoso.

Porém, garantem seus fundadores, a origem do nome nada tem a ver com o gigante catalão.

O Barcelona Esportivo Capela, que abriu as portas no início da década de 2000, é um produto genuinamente nacional.

Segundo o fundador e presidente Paulo Sérgio Moura, a inspiração para o batismo da equipe veio da própria comunidade da Vila Barcelona, na região da Capela do Socorro, onde amigos decidiram montar um time amador.

Nome criado, faltava uma identidade visual – essa, sim, assumidamente copiada da equipe espanhola.

“Pegamos carona na fama do Barcelona. Não deixa de ser uma propaganda espontânea”, explica o presidente, que chegou a jogar pelo time de veteranos do clube que fundou.

Em 2004, ano em que Lionel Messi debutava oficialmente pelo Barcelona, a agremiação paulistana fazia sua estreia como equipe profissional na última divisão do Estado, de onde jamais saiu.

Nesta temporada, o Barcelona Capela terminou a competição em penúltimo lugar, com apenas uma vitória em 14 jogos.

Sofreu 35 gols.

Mas engana-se quem pensa que os seguidos tropeços em campo decepcionam a diretoria.

“Resultado é o de menos”, afirma Moura.

“Lutamos pela sobrevivência e para tentar realizar o sonho dos nossos garotos. Somos um clube formador. Não temos ambição de subir de divisão, mas sim de revelar atletas.”

A média de idade do elenco principal gira em torno de 19 anos.

Boa parte dos atletas é recrutada nas próprias categorias de base.

Do sub-15 ao profissional, o Barcelona Capela mantém 200 jogadores.

A maioria deles não recebe salário, apenas alimentação oferecida pelo clube com a ajuda de parceiros que doam mantimentos.

Na sede de Guarapiranga, o clube realiza trabalhos sociais com adolescentes da região e também repassa parte da comida preparada em suas dependências a famílias carentes.

O maior patrimônio do Barcelona genérico é um ônibus Mercedes Benz 1989, que serve para transportar atletas aos treinos e jogos.


Recursos financeiros são escassos, assim como a torcida, que praticamente se restringe aos familiares de jogadores e comissão técnica.

O público médio na quarta divisão deste ano foi de 144 torcedores.

Registrou sua maior renda jogando em casa na partida de estreia contra o não menos modesto Elosport, em abril, quando 344 pessoas presenciaram a derrota por 8 x 0.

O clube arrecadou 1.995 reais na bilheteria.

No entanto, como não possui dependências com pelo menos 5.000 lugares – exigência da Federação Paulista de Futebol (FPF) para disputar o campeonato –, o Barcelona tem de alugar estádio e amarga um prejuízo médio de 10.000 reais por partida com as despesas.

Em um eventual acesso à terceira divisão, a equipe precisaria de um estádio ainda maior, com capacidade para 6.000 torcedores.

“Por isso o clube até hoje não subiu de patamar”, argumenta o presidente.

“Temos pouco mais de 100 torcedores, mas somos obrigados a jogar num estádio de 5.000 lugares. São muitas exigências, que acabam atrapalhando nosso trabalho.”

A dificuldade em atender tais exigências já culminou em episódios insólitos ao longo da curta história do Barcelona.

Em 2015, o time perdeu uma partida por W.O. depois de o médico decidir não viajar com a equipe.

Ele reivindicava remuneração extra para percorrer um trajeto de mais de 400 quilômetros até o estádio do adversário – pelo regulamento da FPF, todos os clubes que participam de competições oficiais em São Paulo devem contar com um médico em sua delegação.

Naquele ano, o Barcelona ficou em último lugar de seu grupo.

Em busca do “novo Diego Costa”

Para manter o clube na ativa, o Barcelona Capela precisa desembolsar cerca de 600.000 reais por ano – o equivalente ao salário mensal de um jogador top do futebol brasileiro.

A venda de atletas é a principal fonte de receitas da equipe paulistana, que já viu brotar nomes como Renato Abreu, ex-Flamengo, e o lateral Pará, que atualmente joga pelo rubro-negro carioca.

Mas a principal revelação garimpada nas canteras do clube é o atacante Diego Costa, naturalizado espanhol em 2013.

“Por ironia do destino, descobrimos um jogador que se tornaria o carrasco do Barcelona na Espanha”, diz Paulo Sérgio Moura, em referência ao sucesso de Diego Costa no Atlético de Madri.

O atacante chegou ao time da Capela do Socorro aos 16 anos para disputar a Copa Rio sub-17.

Logo no primeiro torneio, foi artilheiro da equipe e fez os olhos do técnico Roderlei Pachani brilharem.

“Já dava para ver que ele era um jogador diferente. Muito forte fisicamente, sempre teve um estilo ‘brigador’, no bom sentido. Mesmo quando jogava contra adultos, o Diego sobressaia”, conta seu primeiro treinador.

Devido ao mecanismo de solidariedade da FIFA, que obriga as equipes a pagarem um percentual dos valores de transferência ao clube formador, a venda de Diego Costa ao Chelsea, em 2014, ajudou a revigorar o Barcelona, que ficou seis anos afastado de competições profissionais por falta de recursos.

A transação rendeu 70.000 euros (300.000 reais) aos cofres do time.

“O dinheiro do Diego Costa nos ajudou, claro, só que não bancou nem metade do nosso orçamento anual. Não foi uma fortuna, como muitos imaginaram”, afirma Moura.


Mas o legado de Diego Costa ao Barcelona se sobrepôs ao campo e às finanças.

Graças à fama de ter revelado um goleador para o futebol europeu, o clube conseguiu firmar parceria com o empresário Jorge Mendes, agente de Cristiano Ronaldo, que tem ajudado a emplacar as revelações do time paulistano em Portugal.

Uma delas é o atacante Igor Rocha, 21, que jogou pelo Barcelona no ano passado e hoje defende o Benfica.

Todavia, Diego Costa segue sendo a inspiração para os jogadores do atual elenco.

Assim como o artilheiro natural de Lagarto, em Sergipe, o atacante Ícaro, 18, deixou a família em Salvador para tentar a sorte no futebol de São Paulo.

“Tenho saudade de casa, mas, se o Diego, que também veio do Nordeste, conseguiu, eu também posso me dar bem aqui”, diz o garoto. Seu companheiro de time, o volante Alê, 19, é outro que se espelha na trajetória de Diego Costa. E vai além. “Todos sonham jogar no verdadeiro Barcelona. Não sou diferente. O Barcelona Capela pode ser o nosso trampolim.”

Ao contrário do Barcelona, o time paulistano não se notabiliza pelos dribles do trio MSN ou a posse de bola, mas essa é uma missão que o gerente de futebol Écio Pasca, que acumula experiência de cinco décadas no circuito da bola, pretende cumprir.

Descendente de espanhóis, ele foi chamado para arquitetar um estilo de jogo baseado no lendário tiki-taka catalão.

A utopia no clube é poder estreitar os laços com o legítimo Barcelona.

“Ainda buscamos uma identidade em campo”, diz Pasca.

“Queremos um time que jogue de forma ofensiva e vistosa. Quem sabe um dia o Barcelona não possa nos proporcionar um intercâmbio ou até mesmo nos credenciar como uma filial no Brasil? Seria uma realização e tanto.”

Resiliente a goleadas e contratempos, o Barcelona brasileiro prova – de um jeito bem peculiar – que também é “mais que um clube”.

Separados pelas cifras

FC Barcelona
150.000 sócios
75.000 (média de público)
96.290 (maior público em 2017)
2,5 bilhões (orçamento anual)
180 reais (ingresso mais barato)

Barcelona Capela
100 sócios
144 torcedores (média de público)
337 (maior público em 2017)
600.000 reais (orçamento anual)
5 reais (ingresso mais barato)

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