sexta-feira, junho 03, 2016

A tensão antes da cobrança dos pênaltis na Champions League...

Os bastidores dos pênaltis da final da Champions League

Cristiano pediu para fazer a última cobrança depois de ter dito que estava ‘morto’

Por Manuel Jabois, para o El Pais

- Churu, você precisa ganhar o sorteio. Temos de bater primeiro!

Sergio Ramos, o Churu, olhou para o grupo espalhado pelo gramado antes das cobranças. Ele marcara um gol em duas finais da Champions League: agora também lhe pediam para ganhar um sorteio. Foi até onde estavam Gabi e o árbitro, e voltou com más notícias:

- Perdemos o sorteio. Mas bateremos primeiro!

- Como é?

- Eles querem bater depois. E as cobranças serão no nosso gol, onde está a nossa torcida.

Os jogadores não acreditavam.

No momento decisivo o Atlético tinha entregado a bola ao Real Madrid.

Os alvirrubros lembravam-se da eliminatória contra o PSV, quando os holandeses começaram as cobranças e acabaram perdendo.

A verdade é que um estudo de 2010 comprovou que quem bate os pênaltis primeiro ganha em 60% das vezes.

Isso pode importar pouco, mas tem um peso.

E principalmente sob uma condição: que se comece marcando.

É uma vantagem às vezes fictícia; Nadal a utiliza para quebrar o serviço e jogar todo o set com vento a favor.

O PSV não errou essa cobrança; no Real Madrid instalou-se a sensação de que tudo dependia dessa cobrança.

Contra o Bayern, na semifinal de 2012, Cristiano Ronaldo, o maior especialista do mundo, falhou.

Nesta ocasião, um coadjuvante levantou a mão.

- Quero fazer algo importante – disse Lucas Vázquez.

Vários jogadores se entreolharam.

Quando alguém fala assim nos pênaltis, deve ser deixado em paz.

“Que ele bata todos”, disse um deles.

Os jogadores concordam: o pênalti de Lucas Vázquez os fez acreditar.

Por três razões que elevaram o moral.

A primeira, o gesto infantil de Vázquez de fazer rolar a bolinha sobre o dedo, como se fosse um globetrotter.

“Alguns de nós não conseguiam nem andar, outros nem sequer olhar. E aquele sacana vai chutar seu pênalti como um garoto num amistoso”, comenta um jogador.

A segunda razão para acreditar foi que chutou com a mesma tranquilidade.

De passagem, deixou a impressão de que não seria a noite de Oblak.

E só depois, com o gol, liberou os nervos, se dirigiu à torcida e mostrou o escudo do Real Madrid em sua camiseta.

“Com esse gesto, Lucas nos encheu de ânimo. A multidão foi à loucura; era o primeiro pênalti e parecia que já tínhamos vencido”, contam no clube.

Depois de ouvir os pedidos, David Bettoni, o assistente de Zidane, fez a lista: primeiro Vásquez. Marcelo segundo.

O terceiro, um coxo.

Aquilo era o Real Madrid em seu máximo esplendor.

Quando o papel começou a correr pelas mãos dos jogadores, um deles ficou alarmado e foi conversar com Zidane.

- Míster, não é melhor que comecem os melhores batedores?

Temos de garantir.

A reação de Zidane foi uma gargalhada.

- E quem são os melhores? Você pode me dizer? Se você me disser, eu os coloco.

Nos pênaltis de 2012, Mourinho colocou toda a dinamite no início: Cristiano, Kaká e Ramos.

Os três falharam.

“Não há nada a fazer, não importa o que você faça”, disse depois o treinador.

Desta vez, o Real Madrid não treinou cobranças, nem pensou em chegar à prorrogação.

Tampouco Zidane, que fez todas as substituições antes e teve de manter Bale em campo sem uma perna.

O Real Madrid passou medo no fim.

Tinha uma equipe que acabava de empatar e outra que vinha de sofrer o empate faltando dez minutos.

Essa paulada, mas mais cruel, foi o que afundou o Atlético em Lisboa.

E poderia afundar agora o Real Madrid.

“Somos uma equipe de velocistas; a deles, de maratonistas. Quando empataram, começamos a sofrer. Eles tinham duas mudanças para a prorrogação e nós, por causa das cãibras, podíamos ficar com nove. Dani estava arrebentado, Gareth também. Nós pensávamos que se colocassem Correa ou outro jogador desse estilo, pequeno, rápido, nos matariam. Carrasco já estava fazendo isso, bem descansado”, diz um técnico.

Bale jogou vinte minutos arrastando uma perna pelo campo.

Pediu para bater um pênalti.

Disse que estava confiante: marcaria seu gol, que os saudáveis se preocupassem em marcar o dele.

Nem pensou na imagem que ofereceu a milhões de madridistas quando se dirigiu à bola mancando.

Se todos os jogadores sempre dizem que nunca pensam no que vai acontecer se errarem seu pênalti, no caso de Bale não há nada mais verdadeiro.

Uma pessoa o fez.

Alguém ligado a ciência, claro.

O médico do Real Madrid passou como um raio na direção da comissão técnica:

- Onde ele vai se está coxo! Ele não pode bater!

Era a voz da razão em meio a um grupo de iluminados que o olhavam como se estivesse louco.

“Ele diz que vai marcar, que para chutar forte está bem”. “Mas ele está arrebentado, que alguém o pare!”.



Nesse cenário, com San Siro transbordando de gritos e nervos, só um madridista parecia manter a lucidez.

Se alguém se aproximasse dele pensando que finalmente havia alguém com juízo o encontraria falando com Deus.

Era Keylor Navas.

Luis Llopis, o treinador de goleiros, tinha mostrado os vídeos dos cobradores do Atlético quase desde a época em que jogava no juvenil.

Porcentagens de chutes à direita e à esquerda, por cima e por baixo, fortes e menos fortes.

Navas, ajoelhado na grama, compartilhava esses segredos com Deus.

Mas o Atlético começou a acertar todas as cobranças, uma por uma.

Griezmann começou como contra o PSV, no mesmo lado.

Os outros, como é habitual neles, foram mudando todos eles.

Os técnicos perceberam: “Estão batendo ao contrário!”.

Quando Juanfran foi para a bola, Navas pensou que era tarde demais para mudar: bastaria que o fizesse para que Juanfran seguisse seu roteiro, o mesmo roteiro das cobranças de pênaltis contra o PSV, roteiro que Llopis tinha anotado e que o próprio Navas conhecia:

“À direita, bem junto ao poste”.

Juanfran calibrou o tiro para o poste direito, Navas adivinhou a direção, a bola bateu no poste.

“Se ele não errasse, Keylor pegaria” dizem no clube.

Antes dos pênaltis, com metade do planeta na frente da televisão, um jogador tinha começado a se abrir.

Não era um qualquer, nem uma confissão que se esperasse dele.

Cristiano Ronaldo se aproximou de um grupo de companheiros:

“Estou morto”, anunciou.

“Minhas pernas não respondem, não respondem. Não estou bem”.

Os jogadores tinham notado isso no campo, faltava-lhe velocidade, entre outras coisas por ter ajudado na defesa.

Mas não sabiam se a estrela se referia a que tampouco estava bem de confiança.

Quando o papel de Bettoni chegou, vários olhos procuraram com apreensão Cristiano Ronaldo na lista: só apareceu em último lugar.

O camisa 7 havia reservado a bala de prata.

-Mas você está bem ou não?

-Para bater, sim. Fiquem tranquilos.

Em público, Cristiano Ronaldo reservou para si a segunda parte da história, o Ronaldo de sempre; a figura que todos elogiam.

“É meio clube”, arremata um diretor.

Ronaldo disse a Zidane no campo que tivera uma visão, que marcaria o gol definitivo.

Estava morto fisicamente.

No segundo tempo da prorrogação tinha feito um esforço descomunal numa corrida para parar um contra-ataque do Atlético.

E então o corpo lhe disse basta.

A cabeça ainda não.

Em Moscou, na final da Champions de 2008, contra o Chelsea, Ronaldo acabou chorando depois de errar seu pênalti.

Desta vez, ele derrubou o goleiro.

Não fez paradinha, como na Rússia.

Chutou do mesmo lado que escolheram seus companheiros: a esquerda de Oblak.

-Quem chutaria o sexto?, perguntaram a Pepe ao sair do campo.

-Ninguém. Quem quisesse. Não estava anotado, ninguém sabia.

Com o gol de Cristiano, Zidane deu a mão a alguém e sorriu.

Bettoni abraçou-o.

Na praça das Cibeles, um membro da equipe perguntou-lhe se era melhor ganhar a Champions como jogador ou como treinador.

“Como treinador. Sem comparação”, disse rindo.

É verdade que em sua última final com a camiseta branca, como lembrou Roberto Carlos em Milão, só teve de empurrar o passe do brasileiro para as redes.

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